Modelo de concessão não está alinhado ao objetivo da desestatização

Sistema portuário brasileiro convive com dois regimes jurídicos

Por: Murillo Barbosa  -  26/02/22  -  06:28
Modelo de concessão não está alinhado ao objetivo da desestatização
Modelo de concessão não está alinhado ao objetivo da desestatização   Foto: Matheus Tagé/AT

O sistema portuário brasileiro é, sem dúvida, complexo. Convivemos com dois regimes jurídicos distintos: o porto público, com seus arrendamentos, e as instalações portuárias de uso privado. Quem lê as análises dos articulistas, especialistas e profissionais da área sobre o regime portuário no Brasil conclui ser uma quase unanimidade classificar o modelo landlord como predominante no País. No entanto, 66% da carga brasileira passa pelos terminais privados e apenas 34% são movimentados pelos portos públicos, ou seja, pelos landlords.


Outro fato relevante é que metade destes 34 portos organizados é responsável por 32,3% desta movimentação, o que nos levaria a uma fácil constatação de que 17 portos públicos movimentam menos de 2% da carga nacional, um volume absolutamente inexpressivo e fonte potencial de aportes da União.


O portfólio dos portos públicos no Brasil é o mais variado do mundo. Além de sua posição geográfica, pujança econômica de sua hinterlândia, perfis de carga, capacidade de movimentação, arrendamentos existentes e condições da acessibilidade terrestre e aquaviária são alguns dos indicativos que os diferenciam uns dos outros, trazendo uma maior ou menor capacidade de atração de carga.


Em boa hora, o Governo Federal decidiu desestatizar os portos públicos para melhoria de gestão, eliminação de aportes da União e diminuição de assimetrias entre o porto organizado e o TUP. A escolha do modelo a ser adotado passa a ter papel crucial para a concreti-zação desses objetivos. É consenso que a instalação portuária de uso privado é um modelo de sucesso em eficiência e produtividade, bem como excelência profissional.


Tais fatores são de suma importância para a seleção do modelo a ser adotado para que a melhoria da gestão e o aperfeiçoamento do setor sejam concretizados. Não faz sentido adotar um único modelo quando o próprio Plano Nacional de Desestatização admite vários. A chance de não atendermos o principal objetivo da desestatização é muito grande.


A Associação dos Terminais Portuários Privados foi contra o modelo adotado para a Codesa por entender que afetará a operação dos TUPs instalados nas proximidades dos portos de Vitória e Barra do Riacho. Não fomos ouvidos, embora o Ministério Público de Contas e a área técnica do TCU, na mesma linha da argumentação da ATP, tenham apontado insuficiência de informações para justificar a escolha.


No caso de São Sebastião, mais uma vez, o modelo escolhido é o da concessão. Mais uma escolha equivocada. Se analisarmos o quadro de vantagens e desvantagens, fica cristalina a vantagem do modelo de alienação.


A movimentação em São Sebastião corresponde a 0,06% da movimentação brasileira. É o 26 colocado entre 34 portos e movimenta menos que 65 instalações portuárias de uso privado. Destacar como vantagem a preservação da capacidade de planejamento do Estado desejável no caso de ativos estratégicos para a economia não passou, sem dúvida, por uma análise mais profunda. Classificar São Sebastião como ativo estratégico não condiz com a realidade. Destacar também como vantagem a possibilidade de manter regulação sobre tarifas não é verdadeira, pois em caso de alienação nem cobrança de tarifas haveria. Fica claro, pelas vantagens e desvantagens apresentadas e, em alinhamento com os objetivos da desestatização, que o modelo a ser adotado seria o da alienação do bem.


Parece que a adoção da concessão para todos os processos de desestatização já foi decidida. A dúvida é saber se será o melhor para a atividade portuária brasileira que urge ser eficiente para não afetar o nosso principal ativo, o produto brasileiro.


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