Dicas de Português: Sua excelência o leitor

“Não se nasce leitor. Torna-se leitor” (Simone de Beauvoir)

Por: Dad Squarisi  -  23/04/23  -  06:42
  Foto: Max

Walter Killing é atento observador do nosso idioma. Acompanha a evolução e os diferentes empregos da língua. Um fato lhe tem chamado a atenção. Trata-se de palavra que aparece em embalagens. Ele escreve: “As garrafas retornáveis da Coca-Cola exibem a frase ‘Recicle-me’. Já em recipientes com igual propósito da Nestlé, lê-se ‘Recicla-me’. Será que a Coca faz um pedido e a Nestlé dá uma ordem?” Não, Killing. São manhas do imperativo.


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Pessoas do discurso
Na gramática, discurso significa conversa. As pessoas do discurso são as que tomam parte em uma conversa. Para haver conversa, são necessárias três pessoas:

Uma fala ou escreve (1a pessoa)

Uma escuta ou lê (2a pessoa)

Uma é o assunto — o ser de que se fala ou escreve (3a pessoa)


Diálogo
Imagine este bate-papo entre Rafa e João:

— João, você já viu o filme Tudo no Mesmo Lugar ao Mesmo Tempo?

— Ainda não. E você?


Na primeira frase, Rafa fala. É a 1a pessoa. João escuta. É a 2a. Do que eles falam? Do filme. É a 3a. Na segunda, invertem-se os papéis. João fala e Rafa escuta.


Manhas do imperativo
Imperativo deriva de império. A família diz tudo. Trata-se de clã com poderes absolutos. Imperador, imperial e imperioso são alguns dos membros que mandam e desmandam. Às vezes, as criaturas têm de baixar a crista. Em vez de ordenar, pedem. Ou suplicam. Em qualquer dos casos, o imperativo impera.


Sim e não
O imperativo joga em dois times. Num, libera a ação ou o modo de ser. É o afirmativo. Noutro, recusa. É o negativo. Pra não deixar dúvida, antecede as formas verbais de não.


Dois times
O imperativo afirmativo exige atenção plena. Rigoroso, divide as pessoas do discurso em dois grupos. As segundas pessoas (tu e vós), preferidas dos gaúchos, ficam de um lado. As outras (ele, você, nós, eles), de outro. Nada de misturas.


Conjugação
“Tratar diferentemente os desiguais”, reza o mandamento do mandão. Como? Recorrendo ao presente do indicativo e do subjuntivo. O tu e o vós derivam do presente do indicativo. Mas esnobam o s final. Assim:


Presente do indicativo: estudo, estudas, estuda, estudamos, estudais, estudam. Imperativo afirmativo: estuda tu, estudai vós. Simples, as demais pessoas não dão trabalho. Saem todas do presente do subjuntivo: que você estude, nós estudemos, eles estudem. Eureca! Eis o imperativo afirmativo completo: estuda tu, estude você, estudemos nós, estudai vós, estudem vocês.


Negue
O imperativo negativo é curto e grosso. Sai todinho do presente do subjuntivo — sem tirar nem pôr. Pra não deixar dúvida, antecede-se do advérbio não. Veja: não estudes tu, não estude você, não estudemos nós, não estudeis vós, não estudem vocês.


A questão do Killing
“Recicle-me”, diz a garrafa retornável da Coca-Cola. “Recicla-me”, diz a da Nestlé. Por que a diferença? Elas usam tratamentos diferentes: Recicle-me você. Recicla-me tu. Ambas merecem nota 10.


Não misture
“Vem pra Caixa você também”, diz o anúncio da Caixa Econômica Federal. Reparou? Ele misturou alho com bugalho. O alho: o verbo se dirige à segunda pessoa (vem tu). O bugalho: o pronome você conjuga o verbo na 3a pessoa (você). Que tal desfazer a mistura? Há duas saídas. Uma: optar pelo tu (Vem pra Caixa tu também). A outra: assumir o você (Venha pra Caixa você também).


Mais uma
“Diga-me com quem andas e te direi quem és”, alardeia o povo sabido. O problema? A mistura de pessoas. Melhor descer do muro. Assumamos uma pessoa ou outra: Diga-me com quem anda e lhe direi quem é você. Dize-me com quem andas e te direi quem és.


Moral da história
Você tem poder? Mande. Não tem? Peça. Ou suplique. Mas faça-o bem. A receita: cuide do imperativo.


Leitor pergunta
Rapazes de 18 anos servem o Exército ou servem no Exército? - Adriana Souza, Florianópolis (SC)

O jovem serve no Exército, na Marinha, na Aeronáutica.


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