Precisamos colocar luz a discussão do PL 529/20

Projeto pretende extinguir 10 autarquias, fundações e empresas públicas com a justificativa de equilibrar as contas públicas e promover um ajuste fiscal

Por: Caio França  -  19/08/20  -  11:05
Projeto também trata de questões tributárias envolvendo isenções fiscais e tributação do ITCMD
Projeto também trata de questões tributárias envolvendo isenções fiscais e tributação do ITCMD   Foto: Divulgação

Desde o final da semana passada, tramita em caráter de urgência na Assembleia Legislativa de São Paulo, o projeto de lei n. 529/20, de autoria do governador João Doria (PSDB), que pretende extinguir 10 autarquias, fundações e empresas públicas com a justificativa de equilibrar as contas públicas e promover um ajuste fiscal em função dos gastos excessivos motivados pela pandemia do novo coronavírus. Além disso, o projeto também trata de questões tributárias envolvendo isenções fiscais e tributação do ITCMD.


Vou me debruçar mais na questão das empresas públicas pois além de prestarem serviços essenciais nas áreas da saúde, de mobilidade urbana, moradia popular e meio ambiente, possuem amplo reconhecimento da população paulista.


A lista prevê extinguir duas empresas (EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo e CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), quatro autarquias (Sucen – Superintendência de Controle de Endemias, Imesc – Instituto de Medicina Social e de Criminologia, Daesp – Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo e Itesp – Fundação Instituto de Terras) e três fundações (Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Fosp – Fundação Oncocentro de São Paulo e Furp – Fundação para o Remédio Popular), incluindo a fusão do Instituto Florestal com os institutos de Botânica e Geológico.


Importante destacar que os referidos órgãos não representam ônus ao Estado e que em sua maioria são superavitários. Eu poderia dizer que estou surpreso com a iniciativa, mas o fato é que não estou. Você, caro leitor, que acompanha as minhas reflexões nesta coluna, mais precisamente no artigo publicado no dia 17/04/19, com o título “Governo estadual deve rever plano de desestatização” poderá recordar que desde o início da atual administração venho alertando sobre a intenção do Estado em reduzir a sua participação na administração pública, visando um amplo projeto de privatizações, bandeira esta inclusive defendida pelo atual governador durante a sua campanha.


Esta reforma administrativa que está sendo ‘vendida’ com ares de modernização e eficiência da máquina pública, na verdade, nada mais é do que a reafirmação de um posicionamento autoritário e nada transparente. Os servidores vinculados às empresas que integram o projeto de extinção alegam que o governo foi desleal em apresentar este projeto em meio à uma pandemia, impossibilitando o amplo debate e o comparecimento dos funcionários às galerias do plenário, tendo em vista que as sessões ainda ocorrem em ambiente virtual.


Inclusive, na última semana, fui contrário ao Projeto de Resolução 14/2020 que tramita na casa sobre a manutenção exclusivamente em âmbito virtual das atividades legislativas até o dia 04/10. Defendo a implantação de um modelo híbrido, respeitando a permanência do afastamento dos deputados e funcionários que pertençam ao grupo de risco, mas permitindo a flexibilização do retorno daqueles que se sentem aptos a estarem presentes.


Penso que a deliberação remota de um projeto que envolve a vida de milhares de servidores públicos, que dedicaram a vida ao funcionalismo público, sem permitir a interação dos mesmos configura um retrocesso para a nossa democracia. Ontem (18), portanto, apresentei cinco emendas ao projeto n.529/20, de autoria do Executivo, sendo duas delas visando a retirada do texto da extinção do Itesp e da CDHU.


A inclusão da CDHU não se sustenta dentro de um projeto que tem com escopo a redução de gastos para os cofres públicos já que a companhia não depende de recursos estaduais, além de ser a maior promotora de moradia popular do Brasil. Ao longo dos seus 70 anos de existência acumula a experiência de quem produziu e comercializou mais de meio milhão de moradias , das quais 90% financiadas e subsidiadas a famílias com rendimento inferior a três salários mínimos, faixa salarial não contemplada pela iniciativa privada.


Também não encontramos amparo na justificativa do governo para extinção do Itesp, responsável pelas políticas agrária e fundiária do estado de São Paulo, desenvolvendo um trabalho essencial junto aos pequenos e médios municípios, que são carentes de expertise nas questões que envolvem a agricultura familiar e a regularização fundiária. Fui relator do projeto de lei que regulamentou as áreas devolutas do Vale do Ribeira e acompanhei de perto o trabalho do ITESP, além de ter conhecimento que esse mesmo projeto solucionou problemas de regularização no Pontal do Paranapanema. Veja que são as duas regiões mais carentes do Estado de São Paulo.


Em outra emenda apresentada solicito a demonstração da necessidade de extinção em projetos de lei individualizados por entidades, entre elas: FURP, Fundação Oncocentro de São Paulo, CDHU e EMTU, através de estudos que apurem o impacto social que a extinção destas causará sobre a sociedade paulista, além da inclusão de descritivo técnico de como as secretarias irão incorporar essas atividades e dar conta das demandas da população nas referidas áreas.


No tocante ao capítulo V, que dispõe sobre a utilização do superávit financeiro decorrente de receitas próprias e da destinação de recursos dos fundos especiais pelo tesouro estadual, elaborei uma emenda solicitando o acréscimo de mais um artigo garantindo que as disposições constantes somente produzirão efeitos durante o estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia da Covid-19.  A medida visa delimitar temporalmente os efeitos jurídicos pretendidos nos artigos de 14 a 17.


A quinta e última emenda apresentada trata do capítulo VI (Do imposto sobre a  transmissão “causa mortis” e doação de quaisquer bens ou direitos-ITCMD), em que solicito a supressão do inciso III do artigo 21, e dos incisos II e V do artigo 22. Nestes dispositivos, o projeto do governo pretende fazer incidir o referido imposto também sobre a previdência privada. Todavia, tal cobrança é inconstitucional, pois os valores pagos a beneficiários de tais planos após o falecimento do titular, ou sob determinação contratual, têm natureza de pecúlio e não de herança ou de doação.


Em sua própria justificativa no projeto, o Governo Estadual cita um déficit de R$ 10 bilhões por conta dos gastos no combate ao Coronavírus, mas lembro que a previsão de isenções fiscais chega a R$ 40 bilhões neste ano.


Deste modo, entendo que extinguir as entidades previstas neste projeto de lei, sem avaliar a consequências e impactos sociais que irão ocorrer cessadas as suas existências, valendo-se somente de argumentos fiscais, demonstra-se um grande equívoco, tendo em vista que por mais louvável que estes argumentos soem no aspecto de austeridade fiscal, a visão de planejamento por somente um ângulo distorce a função do próprio Estado como está previsto em nossa Magna Carta, que prevê a proteção e o auxílio aos mais vulneráveis.


O projeto ainda foi encaminhado em regime de urgência para a Alesp. Não sou intolerante na discussão da redução de serviços não essenciais, mas essa discussão deve ser feita de forma equilibrada e democrática.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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