As Fake News nas eleições

Em mais um processo eleitoral no Brasil, saber a veracidade das notícias torna-se imprescindível

Por: Caio França  -  04/11/20  -  10:06
Atualizado em 19/04/21 - 18:26
 Primeiro turno das eleições ocorre no dia 15 de novembro
Primeiro turno das eleições ocorre no dia 15 de novembro   Foto: Alberto Marques/Arquivo/AT

Faltando quinze dias para as eleições municipais, como presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga as Fake News nas eleições de 2018 pela Assembleia Legislativa de São Paulo, gostaria de compartilhar um pouco da experiência que venho acumulando no assunto com a finalidade de conscientizar sobre a responsabilidade que cada um de nós assume ao compartilhar uma informação falsa.


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A contribuição que os renomados especialistas e professores nas áreas do Direito, do Marketing, do Jornalismo e de representantes oficiais do Facebook, Instagram, Twitter e do Whatsapp nos deixaram até o presente momento, por meio de reuniões virtuais, foram muito elucidativas. São esclarecimentos que nos ajudam a entender o tamanho do desafio que temos pela frente.


As notícias falsas (fake news), a má-fé, a mentira, a desinformação, manipulação, o ataque à honra e à moral alheias, a condenação e o julgamento precipitados e a ofensa, não são coisas novas, sempre fizeram parte da nossa história.


A imprensa brasileira possui um caso emblemático, que é o da Escola Base, ocorrido em 1994, quando os principais veículos de comunicação do País deram voz apenas aos acusadores de uma denúncia de abuso sexual contra crianças, destruindo a reputação e a vida dos proprietários de uma escola de educação infantil, em São Paulo. Antes mesmo de serem ouvidos pela Polícia Civil e de prestarem qualquer esclarecimento, a mídia já havia julgado e condenado os envolvidos, tendo ao seu lado a força da opinião pública.


Na era digital somos bombardeados por informações de todos os lados. Se antigamente ficávamos restritos aos meios de comunicação tradicionais como rádio, televisão e jornal impresso, desde o advento da Internet dispomos de um cardápio variado para acessar a informação em tempo real, por meio de portais de notícias, plataformas de comunicação e mídias sociais. É um avanço para a comunicação no mundo todo, mas que também carrega um risco iminente.


Junto dessa oferta de ampliação de acesso à informação proporcionado pela tecnologia, a velocidade de propagação das ‘fake news’ tornou-se imensurável. Uma pesquisa do Massachusetts Institute of Technology - MIT, publicada na revista Science, concluiu que as notícias falsas possuem 70% mais chances de propagarem rapidamente que uma notícia verdadeira.


Os resultados dessa velocidade medimos depois que o estrago já foi feito. Antes mesmo de ouvirmos falar em ‘fake news’ no Brasil, após 20 anos do caso Escola Base, em 2014, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi espancada por dezenas de moradores de Guarujá, a partir de um boato gerado por uma página em uma rede social, que afirmava que a mulher praticava rituais de magia negra com crianças. Fabiane morreu por ser confundida com uma sequestradora, que anos depois a polícia revelou nunca ter existido: nem a criminosa e nem a denúncia.


Isso demonstra que, embora o conceito contemporâneo de ‘fake news’ tenha surgido na cobertura jornalística da eleição presidencial norte-americana de 2016, o fenômeno já vinha se disseminando há bastante tempo, de formas diferentes. Neste contexto de educação digital, é importante que as pessoas aprendam a identificar a falsidade. Entendo que este seja um desafio que passa pela necessária instrução e formação de nossas crianças e jovens.


De acordo com Prof. Dr. Pablo Ortelado, da USP (Universidade de São Paulo), que desenvolve pesquisa na área de Privacidade, Políticas Culturais e Movimentos Sociais, e que observa o consumo e distribuição das notícias, existem três formas de disseminação: a primeira delas é a migração dos sites e blogs de um formato opinativo para um formato noticioso, mas que não dispõe do procedimento jornalístico de apuração dos fatos. Ou seja, produzem conteúdo altamente duvidoso, sem credibilidade.


Em segundo, surge o boato, caracterizado pelo testemunho de alguém que teve acesso a uma verdade que estava escondida e que está sendo revelada ao mundo. Neste caso, segundo ele, a força de persuasão vem do testemunho das pessoas que contam a história, e isso se propaga numa velocidade muito grande. A trágica história da Fabiane se encaixa aqui.


Por último, a terceira forma é o convencimento pela repetição de evidências empíricas, muito comum nos grupos do Whatsapp, em que as pessoas compartilham vídeos e conteúdos diversos reforçando a mesma ideia. Neste último, o estudioso citou como exemplo as imagens e vídeos de caixões vazios durante a pandemia da Covid-19, com a finalidade de reforçar a ideia de negação da pandemia, de que o vírus era uma invenção, de que as pessoas não estariam morrendo na mesma intensidade que a mídia divulgava.


Durante a fase conceitual da CPI, também abordamos as ‘fake news’ ligadas à propaganda eleitoral, que podem caracterizar infração, tendo em vista que há dispositivo expresso que pune a propaganda enganosa, que possa prejudicar o pleito eleitoral. Aliás, muito comum em reta final de campanha, quando as pesquisas de intenção de votos já apontam a possibilidade de vitória de candidatos no 1º turno, ou a possibilidade da disputa avançar para o 2º turno. Dessa forma, algumas campanhas e correligionários se utilizam de estratégias sórdidas para alavancar o desempenho do candidato que não conseguiu se projetar durante o processo eleitoral.


De acordo com o Procurador de Justiça Criminal do Ministério Público de São Paulo, Cesar Dario Mariano da Silva, que contribuiu com o seu conhecimento na CPI, a notícia falsa pode, ainda, caracterizar um crime de opinião, uma calúnia, uma injúria, uma difamação, apologia ao crime e, em situações específicas, de acordo com ele, até um crime contra a Segurança Nacional.


Os grandes veículos de comunicação já possuem agências que investigam a veracidade de informações que ‘viralizam’. Exprimir opiniões é da democracia. Logicamente sou favorável à liberdade de expressão e de pensamento, mas precisamos ter responsabilidade sobre aquilo que escrevemos ou compartilhamos. É sobre essa linha tênue que recai o nosso debate na Alesp, e que terá continuidade após as eleições municipais.


Então, fica a dica: procure fontes de informação que sejam confiáveis, reconhecidas e renomadas. Se você tiver dúvidas da veracidade do fato e da fonte, não compartilhe e alerte os seus amigos e familiares que fazem isso de maneira indiscriminada.


Nestas eleições, não se deixe levar por propagandas apoiadas em ‘fake news’, cuja finalidade é fazer com que você mude o seu voto de última hora. Assuma as suas posições e convicções sem se deixar manipular. No dia 15 de novembro, vote consciente!


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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