Marielles mil

Impressiona como temas específicos e nem sempre cruciais desencadeiam reações fervorosas nas redes sociais

Por: Arminda Augusto  -  17/05/22  -  20:05
 Marielle Franco foi morta no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro
Marielle Franco foi morta no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro   Foto: Guilherme Cunha/Alerj

Impressiona, e muito, como temas específicos e nem sempre cruciais desencadeiam reações fervorosas e irascíveis nas redes sociais, como se desse debate dependesse o resgate da dignidade humana, o equilíbrio social, a liquidação da fome, o fim da violência, da guerra, da pandemia e por aí vai.


Em Santos, a pauta das últimas semanas tem sido o projeto de lei (PL) da vereadora Débora Camilo (PSOL), propondo o 14 de Março como Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres Negras, LGBTQIA+ e periféricas. Projeto aprovado em primeira e segunda discussões na Câmara de Santos e, agora, sancionado pelo prefeito Rogério Santos (PSDB). Ponto final? Não, nada disso!


A legião de pessoas contrárias não questiona a legitimidade das bandeiras hasteadas no PL, quais sejam, a de defender as causas da violência política contra mulheres negras e que enfrentam as questões de gênero. O que incomoda é atrelar o tal projeto a um nome 'gafanhoto', apenas para resgatar um termo usado há 20 anos para fazer referência às pessoas de fora que vieram compor os governos petistas.


"Marielle Franco não é santista". "Quem é Marielle Franco na fila do pão para os santistas?" "O que Marielle Franco fez para Santos?". "O que Marielle Franco fez para os santistas?" São esses alguns dos vários argumentos que usam para desqualificar o personagem escolhido para o rótulo do produto, que a partir de agora estará exposto nas prateleiras de leis aprovadas em Santos.


Argumentos vazios de sustentação, opacos de legitimidade, míopes de história, frágeis de sensibilidade. Eu arriscaria dizer que, em alguns casos, argumentos travestidos de xenofobia apenas porque não seria politicamente correto questionar as próprias bandeiras do PL - coisa que muitos gostariam de fazer porque abominam a ideia de dar destaque às questões que envolvem mulheres negras e todos aqueles que enfrentam o preconceito de gênero.


Fosse essa a regra geral de todos os projetos de leis que prestam homenagem a causas, lugares, espaços e prédios públicos e não teríamos, aqui mesmo, em Santos, um sem-número de referências a 'gafanhotos', sejam eles merecedores ou não de tais deferências. A começar pelos nomes dos canais santistas, que se tivessem que homenagear alguém seria a figura de Saturnino de Brito, e não Pinheiro Machado, Bernardino de Campos, Washington Luiz e por aí vai.


E Oswaldo Cruz, foi importante o suficiente para ligar a orla da praia à Afonso Pensa? Alguém sabe que Presidente Wilson, que dá nome a um grande trecho da orla santista, era americano e nada tem a ver com nossa Santos? E que Rei Alberto I teve seu reinado na Bélgica, no início do século passado? Alguém questiona se Maria da Penha teve alguma importância específica para a nossa Santos? Maria da Penha é santista? Maria da Penha conhece Santos? Maria da Penha passa férias aqui? Come pastel no Carioca ou tirou foto nos nossos leões da praia?


Santos, que a todos acolhe, que a todos recebeu ao longo de seus 476 anos, vindos de todas as partes do mundo para construir o País, se apequena quando coloca na mesa um questionamento como esse. Nossos santistas ilustres estão no Brasil e no mundo iluminando as mentes de todos aqueles que se inspiram nas boas trajetórias e causas, independentemente de onde nasceram ou se criaram. José Bonifácio é o melhor exemplo que já fabricamos e exportamos.


Cada tempo com suas causas.


Cada causa com seus defensores.


Não há causas maiores ou menores. Há causas a serem defendidas e que bom que sempre existem mentes abertas e despojadas para defendê-las.


Aos que se ocupam dessa pauta sem propósito e sem sustentação, sugiro um pouco mais de Rua da Paz, no Boqueirão, ou Praça da Paz Universal, na Zona Noroeste, para viverem. Ou a leitura mais atenta da nossa história, felizmente repleta de bons exemplos cosmopolitas.


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