Moradores em situação de rua encontram alternativa de atendimento de saúde com ONG em Santos

Médicos transformam praça no bairro da Vila Nova num ‘consultório’ a céu aberto

Por: Caroline Melo*  -  03/12/21  -  13:43

Há dias, Selma Costa, de 48 anos, reclama de dores na cabeça e nos dedos da mão direita, que ficaram arroxeados após um tombo. Na consulta, o médico disse ser provável se tratar de uma fratura. Ela não reclamou e disse que, desta vez, faria o tratamento de forma correta. Selma poderia estar saindo de um consultório, mas foi atendida na Praça Nagasaki, na Vila Nova, em Santos.


Cerca de 100 pessoas foram atendidas por profissionais da saúde na Praça Nagasaki
Cerca de 100 pessoas foram atendidas por profissionais da saúde na Praça Nagasaki   Foto: Caroline Melo

Pela falta de emprego e pelo histórico de violência familiar, a ex-vendedora fugiu de casa e se tornou moradora de rua. Nessa condição, foi uma das quase 100 pessoas atendidas na manhã de domingo (28) pelos profissionais da ONG Médicos no Mundo, que mensalmente fornecem atendimento básico de saúde de forma gratuita a pessoas em situação de rua e moradores da Vila Nova, um dos bairros mais carentes de Santos.


Selma diz ter sofrido violência doméstica da própria família e fugiu de sua cidade, que ela não quis especificar, até chegar ao litoral. Desde então, tem tomado remédios controlados para dormir. Quando foi informada da ação, foi acompanhada de uma amiga para ser atendida.


O atendimento médico, distribuído em tendas, reúne profissionais de diversas áreas em frente à policlínica do bairro. Médicos, enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas, médicos veterinários e equipes da Prefeitura participam da iniciativa, que também inclui vacinação contra a Covid-19.


A ação, que está em sua quinta edição, foi implementada na Cidade por iniciativa da médica de família e pediatra Lara Reis Magalhães, que conheceu o programa da ONG Médicos do Mundo realizado em São Paulo e decidiu replicar as ações na Cidade. “Desde o início, a logística e a comunicação foram as maiores dificuldades. Acontecia de encaminharmos o paciente após o atendimento médico para a Unidade Básica de Saúde e negarem as nossas receitas, até mesmo os encaminhamentos por escrito que fazíamos”, afirma.


Segundo ela, com a ajuda da Prefeitura e do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, as condições estruturais têm melhorado. Lara também atua como médica de família no Caruara e em Monte Cabrão, na área continental de Santos. Lá, ela também lida com a vulnerabilidade e as dificuldades enfrentadas pela população.


“Falta medicação e nós temos que nos virar. Geralmente, recorremos à base do Samu para casos mais graves”. Durante esses seis meses do projeto em Santos, Lara diz que, de todos os seus atendimentos no projeto até o momento, o que mais marcou foi quando encontrou um ex-professor de inglês em situação de rua.


Flavio Ferreira de Matos, 49 anos, está há um ano desempregado. Trabalhava como porteiro, até que a crise econômica o atingiu. Mas, segundo ele, foram as drogas que o levaram a perder tudo. Ele conta que passa no Centro de Atendimento Psicológico (Caps) todo mês. “O dia a dia é complicado. Alguns dias eu estou bem, outros não. É uma luta que estou tentando vencer”, afirma. Há 30 dias, ele mora em um abrigo na Vila Nova, e neste domingo, passou em consulta de rotina, enquanto aguardava o exame de testagem para sífilis.


Casos mais comuns
Entre dependentes químicos e alcoólatras, a médica afirma que casos de fratura e lesão de pele são os mais comuns. “Muitos deles não se importam com a dor que sentem, e minimizam o caso”. Segundo ela, outro fator que contribui para o não tratamento dos problemas de saúde da população em situação de rua é a falta de dinheiro para o transporte. “É por isso que a ação é organizada na Vila Nova, porque o bairro concentra grande número de pessoas em vulnerabilidade”.


Cleide Silva, 39 anos, também mora em um abrigo, e tem três filhas pequenas para cuidar. A mais nova, de 8 meses, precisava passar por consulta com o pediatra, mas pela ordem dos agendamentos do posto de saúde que frequenta, só conseguiria atendimento em fevereiro. “Fiquei sabendo dessa ação, que divulgaram lá no abrigo, e vim aqui. Graças a Deus, minha filha está bem”, diz Cleide. Ela também recebeu atendimento médico para ansiedade.


Já Marco Aurélio da Silva, de 54 anos, teve com o que se preocupar. Ele sofreu um infarto há poucos dias, foi atendido numa Unidade de Pronto Atendimento, mas logo liberado. Segundo ele, informaram que, caso sentisse dores, poderia passar por atendimento na ação da ONG, onde recebeu injeção para a dor.


Silva, que trabalha como motorista há sete anos, afirma que trabalha demais para conseguir se manter e que estava decepcionado com o atendimento público. “O Governo deveria investir mais em ações como as do projeto. Deveriam arrumar os hospitais e melhorar o atendimento público para que fosse como esse. Nunca fui tão bem atendido”, garante.


* Reportagem feita como parte do projeto Laboratório de Notícias A Tribuna - UniSantos sob supervisão do professor Eduardo Cavalcanti e do diretor de Conteúdo do Grupo Tribuna, Alexandre Lopes.


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