'Filme eleitoral' de 2016 não deve se repetir em eleições municipais

Políticos duvidam da reprise de fatores que marcaram campanha de 2018 e tentam se resguardar com mais verba para o próximo pleito

Por: Rafael Motta & Da Redação &  -  29/09/19  -  22:26
Eleições municipais e poder econômico, uma equação que não fecha
Eleições municipais e poder econômico, uma equação que não fecha   Foto: Fábio Pozzebom/Agência Brasil

O filme que levou à eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL), em uma campanha na qual declarou ter gasto menos de 3% do permitido, não deve ter reprise: polarização política, prisão de ex-presidente, críticas à esquerda, mito contra corrupção, mentiras pela internet e um atentado. Por isso, congressistas aprovaram a ampliação do financiamento de candidaturas e a exclusão de despesas das prestações de contas de concorrentes já na eleição de 2020.


Esse novo roteiro faz parte da maioria das declarações de dirigentes partidários – mesmo que parte deles critique publicamente o incremento de verba –, cientistas políticos e especialistas em Marketing Político ouvidos por A Tribuna na última semana. 


Também na visão deles, permanecerá em cartaz o fato de que, em vez de pensar numa remodelação do sistema eleitoral que corte gastos e permita investir em outras áreas de interesse público, políticos se preocupam em conseguir mais verba e montar uma estrutura partidária forte.


Bolsonaro sancionou o texto na sexta-feira (27), com vetos. Eles podem ser derrubados pelo Congresso, em sessão conjunta prevista para a próxima quarta-feira (2). Por ora, restam críticas, propostas e planos de ação para uma disputa que, exceto pelo imponderável, não terá cenas de drama e suspense comparáveis às do ano passado.


Realidade e críticas


“As democracias precisam de dinheiro. O problema está na qualidade do gasto”, destaca o diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Sociais, Política e Estatística (Ibespe), Marcelo Di Giuseppe.


Em sua visão, um avanço seria adotar o voto distrital – nele, por exemplo, divide-se um município em zonas, e os candidatos ficam restritos a um território. “Vereadores têm votos regionalizados, mas, burramente, tentam buscar votos em toda a cidade e jogam dinheiro fora”, observa.


Também favorável ao voto distrital, o cientista político Alcindo Gonçalves pondera que campanhas municipais custam menos que as nacionais, mas há mais candidatos por região.


“Não existe campanha sem custo. O financiamento público, como ideia, se justifica, pois o privado levou a desmandos e corrupção. Mas (no projeto aprovado) se legisla em causa própria”, diz ele, que coordena o Instituto de Pesquisas A Tribuna (IPAT).


Desvirtuamento


Também se apontou a necessidade de rever o destino dos fundos que custeiam legendas e disputas. “Há fundo partidário, em outros países, para garantir o funcionamento mínimo dos partidos. No nosso caso, o que se quer é financiar a máquina com um fundo público”, compara a cientista política e professora universitária Clara Versiani.


Ao tratar do uso de dinheiro público em campanhas, a analista política, pesquisadora em Opinião Pública e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) Jacqueline Quaresemin entende que esse fundo “deveria prever despesas mínimas de custeio do processo (eleitoral), e os partidos, bancar o restante junto a seus filiados e simpatizantes”.


Dirigentes partidários fazem críticas e reagem ao projeto


“Aberração”, “grande absurdo”, “escândalo”. O projeto de reservar uma maior quantidade de dinheiro para campanhas eleitorais e atividades partidárias despertou reações como essas. Vieram de líderes partidários na Baixada Santista – que, porém, não descartam o uso dessa verba por candidatos de suas siglas.


Odair Gonzalez, secretário de Turismo de Santos e que coordena o PL na região, acrescenta ser contrário ao financiamento eleitoral com dinheiro público. Mas vê algo bom em meio a essa discussão.
“A cautela vai nortear a campanha. A verba é muito mais fiscalizada que dinheiro de particular. Não quero ser acusado de ter laranjas”, afirma.


O ex-deputado estadual Cássio Navarro, coordenador regional do PSDB, pensa que “as campanhas podem ser mais econômicas”, mas vê que as disputas municipais saem mais caro porque “são mais pulverizadas, onde se gasta mais com outras formas de publicidade” – corpo a corpo e horário eleitoral na televisão e no rádio.


Para o coordenador regional do PT, Alfredo Martins, acima da discussão sobre o tamanho do “subdimensionado” Fundo Eleitoral, está “como custear a democracia no País”. Propõe financiamento público com mudanças na organização dos partidos, incentivos fiscais a empresas que fizessem doações a esse fundo e limite de um salário mínimo a doações individuais.


Internet não elimina corpo a corpo


Em relação a campanhas nacionais e estaduais, a caça ao voto nas cidades tem como principal diferença o contato pessoal entre candidatos e eleitores. Mas, segundo estudiosos, também se deve atentar ao uso da internet na divulgação de atividades e ideias.


Marcelo Di Giuseppe contesta o “mantra” de “dizer que as redes sociais elegeram os candidatos”. Ele entende que “o eleitor recebe muita informação on-line. Por isso, precisa do contato físico, que é mais decisivo”.


Jacqueline Quaresemin nota que “as redes digitais mudaram para sempre o modo de fazer política” e devem ter uso regulamentado. Contudo, entende que a televisão ainda tem maior alcance. “A campanha na TV, de certo modo, aglutina o processo eleitoral.”


Políticos


Os deputados estaduais Kenny Mendes, coordenador local do PP, e Matheus Coimbra Martins de Aguiar, o Tenente Coimbra, que coordena o PSL local, dizem ser “a prova” de que é possível ter sucesso nas urnas com pouco dinheiro.


“Em 2012, usando mídias sociais, tive 3.400 votos e, em 2016, com as mesmas redes, 25 mil votos. É questão de trabalho”, diz Mendes. “O mais importante é ter conteúdo e um bom projeto”, avalia Coimbra.


Para o coordenador do PATRI na região, deputado estadual Paulo Corrêa Júnior, “quem está no governo gasta menos, pois tem espaço para compor politicamente”. “A internet é essencial, mas não predominante. A sola de sapato, o corpo a corpo e a televisão” são mais abrangentes.


Também deputado estadual, o coordenador local do PSB, Caio França, vê o uso da internet como “indispensável”, mas, com muitas candidaturas, requer “criatividade e engajamento para chamar a atenção”. Ele vê o horário eleitoral na TV e, sobretudo, o corpo a corpo como fundamentais à imagem dos candidatos.


Logo A Tribuna
Newsletter