Acusado de dirigir o carro do pai em alta velocidade e provocar acidente que causou a morte de um amigo, o universitário Allan Bomfim Silveira, que completa 25 anos no próximo sábado (20), será submetido a júri popular. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmaram decisão da Vara do Júri de Santos, que considera o crime homicídio doloso. A sessão ainda não tem data definida.
A defesa recorreu às instâncias superiores para desclassificar o crime doloso para culposo (decorrente de imprudência), previsto do Código de Trânsito Brasileiro. Caso esta tese fosse acolhida, Allan não seria levado a júri e estaria sujeito a pena de dois a quatro anos de detenção, que não implica, na prática, em cadeia. Muito mais severa, a sanção do homicídio doloso, conforme o Código Penal, é de seis a 20 anos de reclusão.
O acidente aconteceu por volta das 2h30 de 8 de julho de 2016. Allan dirigia um Mercedes-Benz C180, modelo 2015, pela pista sentido praia da Avenida Washington Luiz, no Gonzaga. Logo após passar pela Rua Galeão Carvalhal, o carro perdeu o controle e colidiu em um poste entre a Rua Mario Carpenter e a orla. Passageiro do banco da frente, Patrick da Rocha Ceródio, de 22 anos, teve o braço direito decepado e faleceu.
Momentos antes da batida, outro passageiro do veículo, João Pedro Vieira Guerra, que ocupava o banco traseiro, estava apreensivo com a velocidade excessiva do automóvel de luxo. Ele advertiu Allan sobre o potencial risco de acidente, mas o réu ironizou. Segundo a denúncia elaborada pelo promotor Daniel Gustavo Costa Martori, o universitário declarou que “se for bater sem dar PT (perda total), nem vale a pena”.
Na acusação formal, o representante do Ministério Público (MP) levou em conta o suposto menosprezo do réu pela vida alheia, conforme o relato da testemunha, e a velocidade muito além do limite de velocidade permitida para aquele local, fixado em 50 km/h. Laudo do Instituto de Criminalística (IC) concluiu que o Mercedes C180 trafegava a mais de 100 km/h, “com pico superior a 130 km/h”.
Allan, Patrick e João Pedro voltavam de uma balada, onde o réu teria consumido uísque com energético, ainda conforme destacou o promotor, com base no depoimento de testemunhas. No entanto, eventual embriaguez do acusado não pôde ser confirmada, porque Allan fugiu do local do acidente, ficando prejudicada a realização de teste do bafômetro ou de exame de dosagem alcoólica.
Câmera de segurança mostra que o universitário deixou o local com uma caixa, logo em seguida arremessada dentro do Canal 3. Buscas foram realizadas, mas o objeto não foi localizado, restando apenas a suspeita de que ele poderia ser a embalagem de uma garrafa de uísque. No porta-malas do veículo foram apreendidos um copo de vidro quebrado e outro de plástico com a inscrição Jack Daniels (marca de uísque importado).
De acordo com Daniel Martori, Allan “aceitou e se conformou com a possibilidade de causar o acidente de trânsito, assumindo, com isso, o risco de causar a morte das pessoas que estavam em seu veículo, no caso Patrick”. Esse tipo de conduta caracteriza o dolo eventual. O representante do MP também frisou que o acusado já causou “perda total” em outro carro ao colidi-lo em um muro.
Dois dias preso
Dias após o acidente, Allan se apresentou no 7º DP de Santos. Em entrevista exclusiva para A Tribuna, ele negou a ingestão de álcool e atribuiu o acidente a um desnível na pista que o fez perder o controle do volante. Disse que transitava a 70 km/h e que a caixa retirada do porta-malas era de uma pistola de air soft. Alegou que a jogou no canal por receio de que a arma de pressão fosse confundida com uma de fogo.
Após a perícia apontar a velocidade excessiva do Mercedes C180 e outras provas serem produzidas, a Polícia Civil indiciou Allan por homicídio doloso. O MP denunciou o acusado pelo mesmo crime no dia 12 de abril de 2017. Considerando o encarceramento do réu necessário para garantir a ordem pública e assegurar o andamento do processo, o juiz Edmundo Lellis Filho decretou a sua prisão preventiva.
Policiais civis santistas cumpriram a ordem de captura em 19 de abril de 2017, na faculdade onde Allan cursa Economia, em Curitiba (PR). O jovem foi recolhido ao Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Vicente, sendo solto dois dias depois. O desembargador Alberto Anderson Filho, que estava no plantão do TJ-SP, acolheu pedido do advogado Eugênio Baliano Malavasi e concedeu liberdade provisória ao universitário.
Sob pena de revogação do benefício, o desembargador determinou que Allan entregasse a sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH), ficando suspenso o seu direito de dirigir até o fim da ação penal; compareça aos atos processuais para os quais for intimado e em juízo a cada dois meses; não frequente bares, casas noturnas e estabelecimentos semelhantes, e se recolha em casa às 20 horas, exceto se estiver estudando.
Dolo eventual
No dia 11 de agosto de 2017, Lellis reconheceu comprovada a materialidade do crime e a existência de indícios suficientes de autoria para pronunciar o réu, ou seja, determinar que ele seja levado a júri pelos crimes de homicídio doloso, omissão de socorro e fuga de local de acidente, conforme a denúncia do MP. O juiz destacou que compete aos jurados realizar a análise aprofundada da prova e verificar se o réu agiu ou não com dolo eventual.
Malavasi defendeu que o cliente não fosse a júri, porque não agiu com dolo. “O episódio retratado nos autos foi uma fatalidade, que abalou seriamente o defendido, que perdeu um amigo querido”. O advogado recorreu ao TJ-SP, cuja 5ª Câmara de Direito Criminal, por dois votos a um, manteve a decisão de Lellis quanto aos crimes de homicídio doloso e omissão de socorro, absolvendo o réu do delito de fuga do local de acidente.
Ainda com o objetivo de desclassificar o homicídio doloso para culposo e evitar o júri popular, a defesa do estudante de Economia recorreu ao STJ, mas sem modificar o que o decidiu o TJ-SP. Com o esgotamento dos recursos para reformar esta decisão, o processo deve seguir o seu ritmo normal, conforme se manifestou o promotor Geraldo Márcio Gonçalves Mendes no dia 27 de fevereiro deste ano.
A última movimentação processual é desta data. Gustavo Martori não atua mais perante a Vara do Júri de Santos. No entanto, Mendes, seu sucessor, informou ao juiz Alexandre Betini (que assumiu no lugar de Lellis) que, “com o trânsito em julgado, aguardo o prosseguimento regular do feito, com abertura de vista para manifestação nos termos do artigo 422 do Código de Processo Penal (CPP)”.
O artigo 422 do CPP estabelece que, nesta fase processual, o presidente do Tribunal do Júri (juiz titular da vara) determinará a intimação do promotor e do advogado para apresentarem no prazo de cinco dias a relação de testemunhas a serem ouvidas no plenário, até o máximo de cinco. As partes também devem juntar documentos e requerer diligência nesta ocasião.
Sem conseguir evitar a realização do julgamento popular, Malavasi declarou acreditar que os jurados santistas “restabeleçam a justiça”, reconhecendo ter o réu agido com culpa e não dolo eventual. O advogado também ponderou que seria difícil reverter a decisão de pronúncia, porque nela prevalece o princípio do “in dubio pro societate” (na dúvida, decide-se em favor da sociedade).