Casos de agressões contra advogados são comuns na região

Caso extremo de assassinato em Peruíbe expõe problema antigo

Por: Gabriel Oliveira & Da Redação &  -  08/11/18  -  09:57
Atualizado em 08/11/18 - 10:04
  Foto: Carlos Nogueira/AT

O homicídio da advogada Marleni Fantinel Ataíde Reis e do marido dela, o estivador Márcio Ataíde Reis, em Peruíbe, no sábado (3), chamou atenção para os riscos da advocacia. Casos de ameaças e agressões ocorrem com profissionais da área, principalmente com aqueles que atuam em ações criminais, trabalhistas e de família.


Um advogado de Peruíbe, que pediu para não ser identificado, conta que é perseguido por um antigo cliente há dez anos. O homem venceu um processo na Justiça do Trabalho, mas, conforme o profissional, sumiu por um tempo. Quando apareceu, passou a acusá-lo de ter se apropriado do dinheiro da ação, mesmo após recebê-lo.


Ele faz repetidas reclamações na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criou perfis falsos do advogado na época do Orkut, costuma publicar ofensas no Facebook e já o ameaçou de morte. “Eu não fecho a porta da minha sala para o pessoal ouvir o que está acontecendo e as minhas redes sociais e as dos meus filhos são bloqueadas. É uma neurose”.


Outro advogado, de Santos, recebeu ameaças de morte de um cliente em uma ação criminal. Ele havia sido contratado para atuar exclusivamente na apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) depois da condenação do acusado em 1ª instância por sequestro e tortura.


“Eu consegui revogar a ordem de prisão dele enquanto não saísse o julgamento e depois abaixar a pena. Ele falou que queria recorrer para Brasília e eu dei o preço. Ele começou a me ameaçar, dizendo que iria ao escritório, que iria me matar. Chamei o pai dele e ele me deu toda razão”.


Em um caso trabalhista, o advogado sofreu agressões de um cliente que acreditou que o profissional não havia lhe repassado o dinheiro da causa, sendo que o montante ainda não tinha sido liberado. “Acabamos trocando socos”.


Trabalho


O presidente da OAB Santos, Luiz Fernando Afonso Rodrigues, acredita que o principal problema é que tem gente que vê o advogado como parte da ação. “Ele é porta-voz do cliente e tem papel fundamental na sociedade”.


Sem números


A OAB São Paulo não tem estatísticas sobre violência contra advogados na região, mas o presidente da Comissão de Acompanhamento de Inquéritos do órgão, João Ibaixe Júnior, informa que,nos dez anos de existência do grupo, houve 30 homicídios no Estado,não necessariamente relacionados ao exercício da profissão. Hoje, há sete casos sendo acompanhados pela entidade.


“Já houve orientações de cautela aos advogados e temos trabalhado para criar uma espécie de cartilha”. Ele diz que as ameaças à advocacia são consequência do aumento da violência em geral e defende mais garantias aos advogados.


“Primeira coisa que deve acontecer é a criminalização das prerrogativas e, a partir daí, mecanismos que permitam ao advogado ser resguardo delas. Depois, ações concretas para o advogado poder acionar o Poder Público para ter as garantias respeitadas”.


Quando souberam do assassinato de Marleni, os três filhos do advogado criminalista Walter de Carvalho logo se lembraram do crime contra o pai, assassinado aos 62 anos, em 2004, em um caso de grande repercussão na região.


Um dos herdeiros, o empresário Leonardo Augusto Amaral de Carvalho, de 38 anos, trabalhava no escritório do pai, no Centro de Santos, quando o assassino entrou, após ter marcado uma consulta, e atirou contra o advogado em 24 de março. Dos quatro disparos efetuados, três pegaram em Walter: no peito, no braço esquerdo e no fígado.


“Meu pai ficou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e, por conta da má cicatrização em razão da diabetes, o fígado não conseguia se regenerar. Ele morreu em 4 de abril”.


Leonardo conta que a Justiça condenou o assassino a 17 anos de prisão. Os herdeiros têm certeza de que houve um mandante, pois, meses antes do crime, Walter recebeu a ligação de um parente de um bandido que ele havia defendido pedindo o dinheiro dos honorários de volta, porque o criminoso havia sido condenado. O advogado negou.


“Apesar de não termos conseguido caracterizar o mandante, a gente sabe que isso ocorreu a mando de uma pessoa ligada ao PCC (Primeiro Comando da Capital)”.


Largou a carreira


Leonardo, já bacharel em Direito na época do homicídio, largou a carreira por causa do crime, trabalhou por três anos com Publicidade e hoje é dono de um restaurante.


“Foi extremamente desmotivador, porque eu não me via trabalhando em outra área dentro da advocacia que não a criminal”.


Outro filho de Walter, Bruno Amaral de Carvalho, de 34 anos, é advogado, herdou o escritório do pai e atua na área, mas com ações cível, trabalhista e de família. Ele estava no segundo ano da faculdade de Direito quando o assassinato aconteceu.


“Foi um baque muito grande, ainda adolescente, mas, ao mesmo tempo, me deu incentivo para lutar pelos direitos da classe e por uma sociedade mais justa”.


Ele acredita que, assim como o crime contra o pai, o homicídio de Marleni é uma afronta à advocacia. “Pegou todo mundo de surpresa e a gente fica muito triste, porque pouco importa o motivo, isso é um atentado contra toda a classe”.


O filho mais velho, Walter de Carvalho Filho, de 40 anos, também é formado em Direito, mas trabalha como corretor de imóveis.


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