Conexão Argentina: Brasil deveria priorizar, sim, Argentina e Mercosul

Nesta edição da coluna, Samuel Rodrigues fala sobre a repercussão das declarações de Paulo Guedes no País

Por: Samuel Rodrigues - De Buenos Aires  -  06/11/18  -  17:36
Futuro ministro da Economia participa de intensa agenda em Brasília nesta semana
Futuro ministro da Economia participa de intensa agenda em Brasília nesta semana   Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Caiu como uma bomba em Buenos Aires a declaração do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a Argentina e o Mercosul não serão prioridades do governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro.


“Não vamos quebrar (a relação) com ninguém”, disse Guedes à correspondente do Clarín no Brasil, Eleonora Gosman, durante entrevista coletiva no domingo da eleição, após a confirmação da vitória de Bolsonaro nas urnas, ao responder se o mercado comum poderia ser desmantelado. “Eu só vou comercializar com Venezuela, Bolívia e Argentina? Não, nós vamos negociar com o mundo.”


Em seguida, questionado se a Argentina será prioridade em termos de comércio exterior, Guedes disse rispidamente que “não, não é prioridade, e o Mercosul também não é prioridade”.


A entrevista causou estranheza após declarações amistosas de Bolsonaro ao mesmo jornal antes da eleição. “Conversei há poucos dias com o presidente (Maurício) Macri. Garanto que haverá uma relação excelente, será uma ótima aliança”, disse, segundo reportagem do jornal.


O próprio Guedes, depois, baixou o tom em nova entrevista coletiva, dizendo que “em nenhum momento quis desmerecer a Argentina”. “Nosso foco, nosso principal problema hoje são os desequilíbrios internos.”


Por aqui, as palavras foram entendidas como um pedido de desculpas.


O “superministério” de Economia, como vem sendo chamada a pasta que será chefiada por Guedes, englobará justamente o Comércio Exterior, além de Fazenda, Planejamento e Indústria.


E é da indústria brasileira que partiu uma manifestação de preocupação com as declarações. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) emitiu nota enfatizando a importância do mercado comum e, em especial, da segunda maior economia da América do Sul para o Brasil. “A Argentina, em particular, é um dos mercados mais importantes para as exportações e os investimentos brasileiros no exterior, em especial para as pequenas e médias empresas”, diz o comunicado. “É para onde o Brasil exporta produtos de alto valor agregado e onde possui diversas multinacionais. Além disso, o setor automotivo brasileiro é integrado em cadeia de valor com o setor automotivo argentino.”


Comentei o assunto brevemente neste espaço há cerca de três meses, mas não custa repetir. A Argentina é a terceira maior parceira comercial do Brasil, atrás apenas de China e EUA. O Brasil registrou saldo de US$ 8,1 bilhões na balança comercial com a Argentina em 2017. E ainda por cima exporta máquinas, carros e uma infinidade de produtos acabados para cá, e não apenas soja ou minério de ferro, os carros-chefe do comércio com a China. Ou seja: trata-se de uma parceria estratégica, que gera bons empregos no Brasil. Por que não deveria ser prioridade?


Se Paulo Guedes disse exatamente o que pensa ao afirmar que Argentina e Mercosul não são prioridades, errou, porque não convém minimizar parceiros comerciais importantes. A atitude deixou perceber uma arrogância que o Brasil, eterno aspirante a líder regional, não deveria mostrar. Se foi apenas uma bravata, como relativizam alguns, Guedes errou também, porque perdeu a compostura já em sua primeira entrevista coletiva após a eleição. Afinal, se as perguntas insistentes de uma jornalista bastam para tirá-lo do eixo, como pretende negociar questões polêmicas com o Congresso?


Torço para que o mal-estar se desfaça e Brasil, Argentina e os outros integrantes do Mercosul possam sentar à mesa e aprofundar os laços comerciais que interessam a todos. O Brasil pode e deve negociar com o mundo, mas de preferência sem bater continência para os poderosos, nem pisar nos mais fracos.


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