A orla de São Vicente tem quatro "guardiões da madrugada" que abordam, principalmente, pessoas em situação de vulnerabilidade social e pedem que elas não permaneçam perto dos quiosques. Eles ainda tentam impedir possíveis furtos. Mas, especialistas ouvidos por A Tribuna defendem que a ação é exercício ilegal da profissão e uma contravenção penal.
A missão da equipe é ficar de olho na movimentação da divisa até a Ilha Porchat. Um deles é servidor público municipal, já os outros três recebem R$ 1.000 cada, repassados por um outro servidor. O dinheiro vem de um pagamento feito por 34 dos 96 quiosques da praia. Cada um dá, em média, R$ 100.
O servidor Wallans Jardenis Oliveira, que atua na área durante o dia, conta que recebe apenas o salário da prefeitura. “Em comum acordo, combinei com alguns quiosqueiros que fizessem uma parceria público-privada para que haja uma manutenção decente daquele local”.
Ele diz que os três funcionários “freelas” ajudam a manter a ordem na orla. “Ficamos sem iluminação pública na orla, e o que acontece é que tem defasagem da assistência social, do acolhimento. Solicitei que ajudassem no combate do saqueamento dos quiosques. O Poder Público não está presente e a coisa desanda”.
Wallans explica que sua função é, ao ver lixo na praia, acionar a Codesavi. Em casos de furtos ou violência, chama a Guarda Municipal e a Polícia Militar. A mesma coisa fazem os outros guardiões, das 21h às 7h. Mas ele diz que nunca resolve os problemas por conta própria, exceto em um caso.
“Minha função é cuidar da manutenção da praia. Sou um fiscalizador geral. As pessoas criticam a Cidade e fico chateado. Alguns servidores da prefeitura, inclusive, vieram falar comigo criticando a abordagem dos moradores de rua e os rapazes do reforço da noite, mas é um reforço”.
O servidor diz que foi procurado por colegas da administração municipal, que não concordam com sua decisão de repassar o dinheiro aos trabalhadores da noite e de abordar as pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“Eles têm o direito de ir e vir, mas não de dormir por aqui. Muitas vezes, são famílias com crianças e fico até em uma saia-justa ao pedir para que saiam”.
Ajuda
Um dono de quiosque que prefere não se identificar diz que paga R$ 100 todo mês, já que houve melhora na segurança. “Já fui furtado cinco vezes. Tive de colocar câmeras e grade. Agora, não vejo mais andarilho, problemas, drogas e prostituição”.
Ele explica que os quiosqueiros sempre tiveram segurança particular, mas cada um por si. “A ideia era um mutirão, porque, antes, os seguranças não davam vencimento para a orla inteira. Ampliamos o efetivo. Eles andam com apito, de bicicleta, a pé, cuidam de tudo”.
Uma outra quiosqueira que também não quer ter o nome revelado explica que a orla estava abandonada e isso fazia com que “rolasse de tudo”. “Quem passa por ali sabe do que estou falando. Era gente fazendo sexo, usando droga e até furtando quiosque. Hoje, alguém toma conta do que é nosso enquanto não estamos”.
Advogados questionam o trabalho na orla vicentina
Especialistas em segurança ouvidos por A Tribuna explicam que essa atuação dos guardiões na Praia do Itararé é exercício ilegal da profissão, uma contravenção penal (crime mais leve) e a chamam até de “gambiarra perigosa”.
Segundo a advogada Flavia Santana, se a polícia tomar conhecimento desse tipo de situação, as pessoas devem ser detidas. Ela justifica que somente a polícia, a Guarda Municipal e empresas privadas podem realizar esse tipo de atividade.
“Já uma pessoa física não pode fazer isso. As empresas, com vigias armados ou não, têm contrato e o serviço é regido por uma lei federal”, observa.
Mesmo um vigilante não pode vender esse tipo de serviço, acrescenta o também advogado especialista em segurança pública André Teixeira. “Um vigilante tem o curso de formação de um mês. A cada dois anos, ele precisa fazer uma reciclagem, senão nem pode trabalhar”.
Outra questão abordada pela advogada Luciana Vasconcelos é a garantia do serviço oferecido. “Além de encargos trabalhistas, o contratado sabe que os profissionais são capacitados e treinados para lidar com várias situações, inclusive extremas. Existe também a segurança de um servidor sem antecedentes. Na minha visão, esse tipo de situação é uma gambiarra perigosa”.
Resposta
Em nota, a Prefeitura de São Vicente respondeu que a equipe de abordagem responsável pelo encaminhamento de pessoas em situação de rua aos serviços sociais do município tem feito intervenções na cidade, inclusive na região da Praia do Itararé e no entorno dos comércios. A ação conta com apoio da Guarda Civil Municipal, da Polícia Militar e de técnicos identificados com colete azul, para a abordagem social. A administração municipal diz desconhecer qualquer outra equipe de abordagem atue no local. Sobre a atuação do servidor público, nada foi comentado pela prefeitura.