'Guardiões da madrugada' pagos por quiosqueiros são alvos de polêmica em São Vicente

Serviço feito na Praia do Itararé é considerado ilegal. Eles abordam, principalmente, pessoas em situação de vulnerabilidade social e pedem que elas não permaneçam perto dos quiosques

Por: Nathália de Alcantara & Da Redação &  -  28/07/19  -  16:11
Guardiões vicentinos são pagos com dinheiro recolhido de 34 dos 96 quiosques da Praia do Itararé
Guardiões vicentinos são pagos com dinheiro recolhido de 34 dos 96 quiosques da Praia do Itararé   Foto: Alexsander Ferraz/ AT

A orla de São Vicente tem quatro "guardiões da madrugada" que abordam, principalmente, pessoas em situação de vulnerabilidade social e pedem que elas não permaneçam perto dos quiosques. Eles ainda tentam impedir possíveis furtos. Mas, especialistas ouvidos por A Tribuna defendem que a ação é exercício ilegal da profissão e uma contravenção penal.


A missão da equipe é ficar de olho na movimentação da divisa até a Ilha Porchat. Um deles é servidor público municipal, já os outros três recebem R$ 1.000 cada, repassados por um outro servidor. O dinheiro vem de um pagamento feito por 34 dos 96 quiosques da praia. Cada um dá, em média, R$ 100.


O servidor Wallans Jardenis Oliveira, que atua na área durante o dia, conta que recebe apenas o salário da prefeitura. “Em comum acordo, combinei com alguns quiosqueiros que fizessem uma parceria público-privada para que haja uma manutenção decente daquele local”.


Ele diz que os três funcionários “freelas” ajudam a manter a ordem na orla. “Ficamos sem iluminação pública na orla, e o que acontece é que tem defasagem da assistência social, do acolhimento. Solicitei que ajudassem no combate do saqueamento dos quiosques. O Poder Público não está presente e a coisa desanda”.


Wallans explica que sua função é, ao ver lixo na praia, acionar a Codesavi. Em casos de furtos ou violência, chama a Guarda Municipal e a Polícia Militar. A mesma coisa fazem os outros guardiões, das 21h às 7h. Mas ele diz que nunca resolve os problemas por conta própria, exceto em um caso.


“Minha função é cuidar da manutenção da praia. Sou um fiscalizador geral. As pessoas criticam a Cidade e fico chateado. Alguns servidores da prefeitura, inclusive, vieram falar comigo criticando a abordagem dos moradores de rua e os rapazes do reforço da noite, mas é um reforço”.


O servidor diz que foi procurado por colegas da administração municipal, que não concordam com sua decisão de repassar o dinheiro aos trabalhadores da noite e de abordar as pessoas em situação de vulnerabilidade social.


“Eles têm o direito de ir e vir, mas não de dormir por aqui. Muitas vezes, são famílias com crianças e fico até em uma saia-justa ao pedir para que saiam”.


Ajuda


Um dono de quiosque que prefere não se identificar diz que paga R$ 100 todo mês, já que houve melhora na segurança. “Já fui furtado cinco vezes. Tive de colocar câmeras e grade. Agora, não vejo mais andarilho, problemas, drogas e prostituição”.


Ele explica que os quiosqueiros sempre tiveram segurança particular, mas cada um por si. “A ideia era um mutirão, porque, antes, os seguranças não davam vencimento para a orla inteira. Ampliamos o efetivo. Eles andam com apito, de bicicleta, a pé, cuidam de tudo”.


Uma outra quiosqueira que também não quer ter o nome revelado explica que a orla estava abandonada e isso fazia com que “rolasse de tudo”. “Quem passa por ali sabe do que estou falando. Era gente fazendo sexo, usando droga e até furtando quiosque. Hoje, alguém toma conta do que é nosso enquanto não estamos”.


Advogados questionam o trabalho na orla vicentina


Especialistas em segurança ouvidos por A Tribuna explicam que essa atuação dos guardiões na Praia do Itararé é exercício ilegal da profissão, uma contravenção penal (crime mais leve) e a chamam até de “gambiarra perigosa”.


Segundo a advogada Flavia Santana, se a polícia tomar conhecimento desse tipo de situação, as pessoas devem ser detidas. Ela justifica que somente a polícia, a Guarda Municipal e empresas privadas podem realizar esse tipo de atividade.


“Já uma pessoa física não pode fazer isso. As empresas, com vigias armados ou não, têm contrato e o serviço é regido por uma lei federal”, observa.


Mesmo um vigilante não pode vender esse tipo de serviço, acrescenta o também advogado especialista em segurança pública André Teixeira. “Um vigilante tem o curso de formação de um mês. A cada dois anos, ele precisa fazer uma reciclagem, senão nem pode trabalhar”.


Outra questão abordada pela advogada Luciana Vasconcelos é a garantia do serviço oferecido. “Além de encargos trabalhistas, o contratado sabe que os profissionais são capacitados e treinados para lidar com várias situações, inclusive extremas. Existe também a segurança de um servidor sem antecedentes. Na minha visão, esse tipo de situação é uma gambiarra perigosa”.


Resposta


Em nota, a Prefeitura de São Vicente respondeu que a equipe de abordagem responsável pelo encaminhamento de pessoas em situação de rua aos serviços sociais do município tem feito intervenções na cidade, inclusive na região da Praia do Itararé e no entorno dos comércios. A ação conta com apoio da Guarda Civil Municipal, da Polícia Militar e de técnicos identificados com colete azul, para a abordagem social. A administração municipal diz desconhecer qualquer outra equipe de abordagem atue no local. Sobre a atuação do servidor público, nada foi comentado pela prefeitura.


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