Bebê com problema cardíaco morre aguardando UTI em São Vicente: 'Não a viram como ser humano'

A pequena Lorena, de 8 meses, não resistiu ao tempo de espera e faleceu no domingo (7) no Hospital Municipal

Por: Jean Marcel  -  10/02/21  -  10:12
Lorena, de 8 meses, faleceu de parada cardiorrespiratória no último domingo (7)
Lorena, de 8 meses, faleceu de parada cardiorrespiratória no último domingo (7)   Foto: Arquivo Pessoal

A pequena Lorena Vieira dos Santos, de apenas 8 meses, faleceu de parada cardiorrespiratória no último domingo (7), no Hospital Municipal de São Vicente, aguardando uma vaga de transferência para a UTI pediátrica através do sistema CROSS (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde do Estado de São Paulo).


Sua mãe, Raíza Vieira, de 20 anos, e o pai, Ítalo Santos, dizem que houve negligência no atendimento. "Como mãe eu só queria que os médicos corressem para tentarem salvar minha filha", diz Raíza.


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Lorena nasceu com uma cardiopatia congênita. Perto do nascimento, com cerca de 38 semanas de gestação, foi preciso uma intervenção com cesárea de emergência. E foi logo após o nascimento, ainda na UTI pediátrica, que a cardipopatia foi detectada.


Quando tinha quatro meses de vida, Lorena precisou ser internada novamente, e permaneceu quase 60 dias lutando pela vida. "Essa era minha filha linda", diz Raíza, ao mostrar uma das fotos. Porém, na última quarta-feira (3), a pequena teve que ser internada novamente. Lorena apresentava sinais de cianose (pele azul-arroxeada pela falta de oxigenação ou ao aumento da hemoglobina não oxidada).


"Essa era minha filha linda", diz a mãe ao falar da pequena Lorena   Foto: Arquivo Pessoal

A correria pela vida


Aflita por saber dos riscos, Raíza e Ítalo correram com a pequena Lorena para o atendimento médico. Foram ao Hospital Ana Costa, em São Vicente, que, segundo a mãe, não pôde aceitar o plano de saúde Unimed por estar em prazo de carência, que estaria terminado no dia 23 de fevereiro. De lá partiram para o Hospital São José, eram 6h50 da manhã, e aguardaram um pediatra que chegaria às 7h. Entre tentativas de internação pelo particular, SUS, ou pelo convênio, e orientações sobre falta de estrutura, a pequena Lorena continuava passando por problemas iminentes e precisava de socorro.


Acabaram indo ao Hospital Municipal (antigo CREI), e lá começou outra trajetória difícil para a família. Ela precisou entrar na fila do CROSS (Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde do Estado de São Paulo) para conseguir a transferência para uma UTI Pediátrica, possivelmente no Hospital Dante Pazzanese, em São Paulo, onde já havia sido operada anteriormente.


"Infelizmente não houve tempo para minha filhinha", diz a mãe. Raíza chegou a mobilizar pedidos de ajuda através de redes sociais. "A gente sabe que isso ajuda muito, pode haver alguém que faça chegar ao prefeito ou alguém que possa ajudar", explicou. O vereador Tiago Peretto foi um desses. "Ele estava recém-operado, mas mesmo assim foi até lá e fez de tudo pra tentar ajudar a gente", disse Raíza.


Em sua rede social, Peretto disse "me sinto triste, despedaçado e impotente por não conseguir fazer mais. Esse choque de realizade me faz querer lutar ainda mais pela saúde de São Vicente. Tenho filhos pequenos e imagino a dor desses pais". Segundo Raíza, o vereador chegou a conseguir uma liminar para proceder a transferência da pequena Lorena, mas não houve tempo de salvá-la, ela faleceu antes.


Para os pais, faltou atenção e sobrou negligência no atendimento a eles. "Começa pelo plano de saúde, que por alguns dias de carência eu perdi minha filha. O Hospital São José empurrou para o Municipal. Jogam as pessoas como se fossem petecas para lá e para cá e ninguém quer atender. O Municipal não tem profissionais ou suporte 24 horas, e faltam equipamento e até material".


Prefeitura


Em nota, a prefeitura de São Vicente, por meio da Secretaria de Saúde (Sesau), "lamenta profundamente o falecimento da pequena Lorena e informa que todos os esforços foram empregados na tentativa de salvar a vida da criança". Segundo a nota, uma equipe de profissionais estava de plantão no Hospital Municipal, incluindo dois pediatras.


Como a criança era muito pequena, o procedimento de intubação precisaria ser realizado por um pediatra especializado. Diante da emergência, o médico de plantão intubou a paciente, que resistiu por um tempo antes de entrar em parada. A prefeitura esclarece, também, que no início da madrugada de domingo (7), surgiu a possibilidade de uma vaga no Hospital Dante Pazzanese, e a transferência de Lorena estava prevista para a manhã, mas infelizmente ela não resistiu.


CROSS


A Central de Regulação de Ofertas e Serviços (CROSS) esclareceu em nota que não é responsável por 'liberação' de vagas, mas que atua como mediadora dos pedidos. Segundo a Central, a ficha aberta pelo Hospital Municipal de São Vicente solicitava leito de UTI, sem especificação do módulo específico para cardiopatia. "A origem também relatava quadro grave e infeccioso que inviabilizava a transferência, sendo responsabilidade do serviço de origem estabilizar a paciente. A ficha foi encerrada pelo próprio serviço no dia 7 de fevereiro com a informação sobre o óbito", diz a nota.


A Central também informou que em outubro de 2020 a criança passou por cirurgia cardíaca no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, e após o procedimento, a família solicitou a alta da criança para retornarem ao município, onde dariam continuidade ao tratamento por meio de convênio.


Unimed


A Unimed Santos informou em nota que “no que se refere às questões contratuais da beneficiária Lorena Vieira dos Santos, verificamos, diante do contato estabelecido, o cumprimento de carência para internação, bem como pré-existência com Cobertura Parcial Temporária (CPT) até 28/08/2022. Cumpre esclarecer que os prazos de carências e CPT são estabelecidos em contrato e de acordo com a legislação da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, com absoluta observância por parte da Unimed Santos-Trabalho Médico”.


Lorena não conseguiu resistir até a transferência para a UTI Pediátrica
Lorena não conseguiu resistir até a transferência para a UTI Pediátrica   Foto: Arquivo Pessoal

Tristeza


"Sei que nada poderá trazer a minha pequena de volta, mas eu quero muito que haja justiça, que eu mostrando o que aconteceu com ela possa ajudar a impedir que isso aconteça com outra criança", disse Raíza. "Para mim pode ser omissão, negligência ou qualquer outra coisa, mas uma coisa eu percebi. Não viam minha filha como um ser humano, como algúem que precisava ajuda para viver, e isso é o que mais me dói".


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