Psicóloga de Santos fala da importância de manifestar o luto na pandemia: 'Não devemos silenciá-lo'

Especialista explica sobre a dificuldade para aceitar a perda por conta das mudanças nos rituais de despedida

Por: Carolina Faccioli  -  03/05/21  -  07:44
  Natália tem especialização em saúde mental e atenção psicossocial e atende em Santos
Natália tem especialização em saúde mental e atenção psicossocial e atende em Santos   Foto: Natália Amaral/Arquivo Pessoal

Diante das mais de 400 mil mortes em decorrência da covid-19, estão milhares de famílias que tentam seguir em frente mesmo com a dor da perda, agravada muitas vezes por não conseguir dizer o último adeus. Sensibilizada pelo cenário, a psicóloga Natália Dantas do Amaral, moradora de Santos, decidiu estudar o impacto do luto na vida dessas famílias e conversou com ATribuna para explicar a importância dos rituais de despedida.


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Apesar da morte ainda ser considerado um tabu para a sociedade, Natália explica que é necessário entender que não se deve silenciar o luto, para que essas pessoas não tenham consequências mais graves no futuro. Diante do cenário pandêmico e de ter perdido a mãe em 2018, ela sentiu a necessidade de continuar estudando sobre o tema e iniciou um mestrado na Universidade de São Paulo (USP).


Para realizar o estudo, Natália tem entrevistado pessoas que perderam o pai ou a mãe para o vírus. A especialista esclarece que, apesar de saber que o luto é um processo natural e normal da vida, muitas pessoas estão tendo lutos que estão se complicando por conta da pandemia, já que algumas etapas da despedida estão sofrendo alterações em decorrência do momento.


De acordo com os estudos, a piscióloga revela que o luto já se inicia no diagnóstico, muitas vezes. "Antes do óbito a gente chama de luto antecipatório, que é quando as pessoas começam a lidar com essa possibilidade da perda. O luto antecipatório da covid se torna bem complicado porque os familiares não podem estar com os pacientes, porque o paciente é internado e aí por conta das medidas de prevenção, para evitar o contágio e o alastramento do vírus, não se pode fazer as visitas nos hospitais", diz.


Para ajudar nessa distância, alguns hospitais tem feito as videoconferências, para que os pacientes possam ver o familiar, principalmente antes de serem entubados. "Esses momentos de despedida, por mais que as pessoas não verbalizem que estão dando um adeus, tem um significado simbólico para os familiares e para o paciente que está morrendo porque a pessoa está perto, significa amor, apreço, significa que está cuidando...então o paciente não se sente abandonado e nem a família sente que abandonou aquela pessoa".


Por conta dessa impressão de abandono, muitos familiares acabam remoendo os últimos momentos com o paciente, dificultando a elaboração desta perda e seguir com a vida. Outra questão que dificulta a despedida é não ter a realização dos velórios pois, segundo Natália, rituais assim são importantes, muitas vezes, porque os parentes recebem o apoio dos círculos socio-afetivos enquanto se despedem.


"O choro, desespero... muitos passam por essa fase no velório, com a rede sócio-afetiva por perto, e passar por isso sem poder ter esse momento pode causar mais agravamentos na saúde mental, se esse luto nao for elaborado, expressado", reforça a especialista.


Ela também relembra que, em muitos casos, o caixão fica fechado durante todo o tempo, o que também dificulta a aceitação do que aconteceu.


Outra questao importante é que não estão sendo feitos os procedimentos de tanatopraxia, que é o tratamento realizado nos falecidos para preservar a aparência, então o parente que faz o reconhecimento do corpo sente um impacto que também dificulta a aceitação para os parentes, dando a impressão que a pessoa não partiu de forma serena, segundo Natalia.


Despedida


O que Natalia sugere às famílias que estão passando pelo luto é que não deixem de expressar essa despedida, seja da forma que for. Uma das alternativas para o momento pandêmico é criar algum tipo de ritual por videoconferência ou fazer um desabafo pelas redes sociais, já que dessa forma as pessoas prestam as condolências aos familiares e amigos que ficaram, amenizando a solidão do luto, por exemplo.


Também conta que alguns familiares gostam de escrever cartas aos falecidos ou acender uma vela. Porém, Natalia explica que essa passagem é muito particular para cada pessoa, e que podem até mesmo optar por ficar sozinhos. Seja qual for a escolha, a psicóloga reafirma a importância dessa despedida para quem fica: "Não devemos silenciar o luto".


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