Fabiana Mendonça dos Santos, de 37 anos, e Andrea dos Santos Silva, de 42, separam o tempo livre nos fins de semana e feriados para se dedicarem ao projeto 'Mãos negras: Bonecas de pano', que visa criar identidade e reconhecimento no público infantil negro. As duas trabalham como professoras na rede municipal de ensino de Santos, e a ideia surgiu em 2015, após um episódio marcar Fabiana. Uma aluna de apenas 3 anos afirmava ser branca, sendo ela negra. Desde então, a professora resolveu levar uma boneca negra para a sala de aula.
“Levei a boneca e tentei desconstruir aos poucos a ideia que ela tinha do negro, porque tudo de bonito, de interessante sempre está relacionado a personagens brancos. Quando ela viu a boneca pela primeira vez, ficou encantada, se viu nela! No Dia das Crianças, essa aluna foi junto com a mãe comprar um brinquedo e disse: 'Mãe, eu quero uma boneca negra, igual a mim'. A mãe ficou tão surpresa que foi até a escola perguntar se alguém estava trabalhando a questão de identidade. Me disse que tanto ela quanto o marido eram negros, e nunca tinha parado para pensar nisso”, relata Fabiana, encantando-se novamente com a vivência.
É por esse e outros motivos, como a falta de bonecas negras nas lojas de brinquedos, que as duas professoras inciaram o projeto para além das escolas. Elas têm o desejo de um dia transformá-lo na empresa 'Mãos Negras'.
“Estamos expandindo a possibilidade de conquistar espaço e dar uma alternativa para pais e crianças que queiram bonecas que as representam. Não queremos reproduzir o que já tem no mercado”, explica Andrea, que é professora do Ensino Fundamental. Ela ainda diz que também confeciona bonecas Abayomi, que não possuem costuras, porém, tem forte significado.
“Nos navios negreiros havia muitas crianças, e as mães costumavam rasgar os panos das roupas para fazer bonecas sem costura. Além de serem um brinquedo, funcionavam como um amuleto da sorte para a criança, porque a família, geralmente, era separada, tanto que a origem da palavra Abayomi significa 'encontro precioso'” explica.
As duas se reúnem aos fins de semana e feriados, no bairro Marapé, em Santos. Elas levam cerca de três horas por dia para confeccionar as bonecas. O trabalho é totalmente artesanal, baseado no corte e costura dos materiais. O processo é baseado na escolha do tecido, de preferência bem colorido, para fazer o vestido. As lãs vão se transformando em fios de cabelo, e os botões em olhos para compor a aparência da boneca de cor marrom ou preta.
Segundo elas, o público que mais encomenda é composto por professoras e educadoras, que são pessoas que estão sempre em contato. As mães também compram muito para dar de presente às filhas.
Pessoas que têm afinidade com a causa negra também integram o grupo de clientes. É o caso da atriz e produtora cultural Thayany Toledo Muniz, que, desde 2012, realiza palestras sobre cultura e relações raciais, inclusive para crianças.
"Uso a boneca e o boneco nas palestras que ministro. São materiais que aproximam as crianças e até mesmo os adultos dos temas. Uma representatividade positiva e importante. Se ver em uma boneca, em um lugar de destaque na mesa, talvez seja mais importante que a minha fala. Acho que utilizá-las é possibilitar aos que assistem sonhar que pode ser", afirma.
Elas costumam divulgar o trabalho nas redes sociais, em feiras afro e no 'boca a boca'. Mesmo estando em Santos, as artesãs aceitam encomendas de toda região da Baixada Santista. O valor das bonecas varia de R$ 35 a R$ 75, e podem ser encomendadas pela página do Facebook do projeto.