Mulher de Praia Grande com síndrome do filme ‘Extraordinário’ comemora vacina contra covid-19

Em entrevista à A Tribuna, Michelle Farias conta sobre o alívio de ser imunizada e desafios de viver com síndrome rara

Por: Ágata Luz  -  11/06/21  -  10:15
Atualizado em 11/06/21 - 13:39
  Michelle Farias, de 38 anos, é portadora da síndrome de Treacher Collins
Michelle Farias, de 38 anos, é portadora da síndrome de Treacher Collins   Foto: Arquivo Pessoal

“Misto de emoções”. É assim que a assistente administrativa Michelle Farias, de 38 anos, define o momento em que recebeu a primeira dose da vacina contra a covid-19 em Praia Grande. Portadora da síndrome de Treacher Collins – a mesma de Auggie Pullman, do filme Extraordinário – ela se encaixa na categoria Pessoa com Deficiência Permanente (PcD) por ter somente 30% da audição no ouvido direito e não escutar com o esquerdo. Por isso, recebeu a vacina de Oxford/Astrazeneca nesta quarta-feira (9).


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“São muitas sensações parar para pensar que dei um passo na direção da imunização, da proteção. Por mim e por minha família. Fiquei emocionada”, relata a assistente administrativa. Segundo Michelle, ela acompanhou o calendário da vacinação e não concordou com a imunização adiantada apenas de PcDs que recebem Benefício de Prestação Continuada (BPC). “Fiquei indignada porque tem que ser igual para todo mundo”, explica. Porém, a assistente administrativa aguardou a vez da imunização ser aberta para pessoas com deficiência em geral para receber a primeira dose.


“Fiquei aliviada, contente e ansiosa. A vacinação foi liberada na terça e eu fui na quarta”, diz. Morando em Praia Grande com o marido e a filha de dois anos, Michelle não visita os familiares que vivem em outra cidade desde o Natal de 2019. Por isso, a vacina teve um significado especial: “Apesar de ter que manter os cuidados, me trouxe o alívio de saber que logo logo vou poder estar com as pessoas que amo”, relata.


Ainda segundo ela, a imunização representa uma vitória dentro de casa: “Como moramos eu, minha filha e meu marido, quando eu receber a segunda dose, 50% da casa estará imunizada”, comemora, já que a filha Valentina não possui idade suficiente para receber a vacina.


Semelhança entre o filme ‘Extraordinário’ e a vida real


No filme lançado em 2017, o personagem Auggie Pullman é portador da rara síndrome de Treacher Collins. Com 10 anos, ele já passou por 27 cirurgias e sofre bullying quando vai para escola pela primeira vez. Michelle, por sua vez, relata que se identifica muito com o longa-metragem, pois passou por situações bem semelhantes com as retratadas no filme.


    Em 'Extraordinário', Auggie é portador da síndrome e enfrenta os desafios de ir para a escola
Em 'Extraordinário', Auggie é portador da síndrome e enfrenta os desafios de ir para a escola   Foto: Divulgação

“Mas eu sou uma pessoa muito paciente sobre esse assunto”, explica. De acordo com Michelle, a síndrome pode acarretar algumas comorbidades. “Eu não tenho muitos problemas, a minha veio de forma branda. Mas há algumas pessoas com dificuldades relacionadas à respiração, que precisam passar por traqueostomia e se alimentar por sonda”, ressalta.


“É uma síndrome muito rara que durante muito tempo ficou desconhecida pela ciência”, enfatiza a assistente administrativa. Além disso, ela explica que grande parte dos portadores são primeiro caso na família e a condição ainda é bastante desconhecida no meio médico. Segundo Michelle, ela já passou por situações onde precisou explicar sobre a síndrome durante uma consulta de rotina no oftalmologista, por exemplo. “Desperta curiosidade porque não há conhecimento”, completa.


“Até o lançamento do filme, muita gente desconhecia. Até hoje tem gente que não conhece. Inclusive, há cinco anos atrás, eu não conhecia muitos portadores”, destaca. Hoje, a assistente administrativa participa de um grupo no Facebook desenvolvido para pessoas portadoras da síndrome: “Tenho 38 anos e eu só conheci uma única pessoa pessoalmente”.


Com o grupo, porém, a moradora de Praia Grande consegue compartilhar informações e verificar semelhanças e dificuldades que outras pessoas tinham. “Foi quando ouvi histórias das pessoas com as comorbidades. O meu único problema foi passar pelas cirurgias, mas sempre foi muito tranquilo, sempre me recuperei com facilidade”, explica. Até hoje, Michelle passou por 11 cirurgias, mas relata que pessoas do grupo já passaram por mais de 25, como o personagem do filme.


A assistente administrativa também relata que um dos principais desafios de viver com a síndrome é o preconceito das pessoas. “Sempre tem uma pessoa que te segue, que não tem discrição. Um dia estava no mercado com meu marido e um cara começou a me seguir”, relembra. Neste episódio, Michelle diz que não conseguiu manter a paciência e falou alto sobre a situação para que o homem percebesse.


“Eu sou calma, mas há limites pra falta de respeito e discrição”, diz. Por conta das características físicas, algumas pessoas perguntam se ela sofreu um acidente. “Costumo levar numa boa. Mas hoje, depois de muitos anos”, ressalta. Na infância, Michelle precisou mudar de escola por conta de bullying.


“Hoje não tenho problema nenhum, não me escondo através de maquiagem. Amo me maquiar, mas não faço disso um motivo pra me esconder. Eu pago minhas contas”, destaca. O apoio de amigos e familiares, portanto, é essencial. “Superamos com apoio. Minha família sempre me deu muito apoio, então para mim foi só uma fase. Meus amigos são maravilhosos, eles se incomodam mais com as pessoas me olhando do que eu mesma”, finaliza.


Milagre da maternidade


Mãe da pequena Valentina, de dois anos, Michelle conta que teve receio de engravidar. “É uma síndrome que pode ser transferida de pai para filho. Eu teria 50% de chance de passar para Valentina, mas graças a Deus ela não tem”, diz.


“Na hora de avaliar querer ter um filho, eu sabia que a probabilidade era muito alta e era resolvida de não ter um filho porque não queria que sofresse a mesma coisa que eu”, ressalta a assistente administrativa.


    Com incentivo do marido, Michelle teve confiança de engravidar e deu à luz a Valentina, hoje com dois anos
Com incentivo do marido, Michelle teve confiança de engravidar e deu à luz a Valentina, hoje com dois anos   Foto: Arquivo Pessoal

Porém, o marido a incentivou: “Com ele insistindo e confiando, eu comecei a pesquisar, avaliar e por fim decidi engravidar. A decisão foi consciente dos riscos, eu resolvi ser feliz da maneira que ela viesse”.


Desta forma, Michelle curtiu a gestação sem preocupações. “Valentina é meu milagre. É a certeza de que sou muito abençoada, pois apesar da síndrome, eu fui cercada de muito amor da família, dos amigos e tenho um parceiro de vida maravilhoso”, enfatiza.


De acordo com ela, o marido foi essencial para superar o medo de engravidar. “É quem teve toda a certeza do mundo que a nossa filha viria. Ele acreditou tanto que me fez acreditar e ter uma gestação tranquila, confiando que Deus faz o que é necessário em nossas vidas”, relata.


Porém, mesmo se Valentina viesse com síndrome, o marido fez Michelle entender que ela exerceria bem a maternidade: “Que eu seria capaz de transmitir força e cuidar tão bem dela, quanto a minha mãe cuidou de mim. Ela merece todos os créditos por me tornar a pessoa que sou hoje”.


Desta forma, Michelle passou a ver o filme Extraordinário na pele de Julia Roberts, que fez papel da mãe de Auggie. “Vejo que se eu sofria bullying ou não me aceitava, minha mãe também sofria com isso, mas nunca me deixou abater ou abaixar a cabeça para os desafios. Sempre me incentivou a ir em frente”, finaliza.


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