A Tribuna analisa filmes da 45ª Mostra de São Paulo; confira

A Tribuna inicia especial com destaques do festival, que tem autores consagrados e novos realizadores

Por: Bia Viana  -  14/10/21  -  09:43
Atualizado em 15/10/21 - 08:32
 Filme Higiene Social é um dos destaques
Filme Higiene Social é um dos destaques   Foto: Reprodução

On-line e disponível para todo o Brasil, a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo traz um vasto panorama do cinema mundial, entre autores consagrados e novos realizadores. Em meio a tempos tão incertos, a reafirmação de um evento tão múltiplo e diverso traz esperança de dias melhores — com a internet como principal suporte, o evento evidencia a importância da democratização cultural.


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal e dezenas de descontos em lojas, restaurantes e serviços!


Este ano, a Mostra voltará a ter algumas sessões presenciais em 15 espaços de São Paulo. O evento, que acontece do dia 21 a 3 de novembro, apresentará 264 títulos de vários países em duas semanas de exibição, utilizando as salas de cinema e plataformas Sesc Digital, Itaú Cultural Play e Mostra Play. Com base no apanhado de cinema contemporâneo mundial reunido na programação, confira alguns destaques da Mostra em nosso especial.


Higiene Social (2021), de Denis Côté
Usando a ironia do distanciamento como artifício central na narrativa, Higiene Social é um filme atual e questionador, que brinca com o tempo e espaço entre personagens distantes e inacessíveis. O filme se desenrola em seis capítulos, onde o protagonista Antonin, assumido ladrão e suposto diretor de cinema (o perfeito dândi, o protótipo de cavalheiro que vive à sua maneira), é confrontado por várias mulheres sobre as decisões de sua vida.


O longa é filmado em um único plano, estático, e não apresenta quaisquer sinais de montagem. Presenciamos uma série de diálogos aleatórios, divertidos e afiados entre o protagonista e essas cinco personagens femininas — sua irmã, a esposa, uma amante, uma assistente do ministério da fazenda e uma vítima de suas ações criminosas. Em cada um desses momentos, somos desafiados a criar correlações, imaginar desfechos e prever situações, refletindo sobre as próprias formas de “higiene” que o filme propõe — sejam sociais à presença ou nas redes sociais, por exemplo.


A comunicação é o epicentro, acontecendo mesmo que desconfortável, enquanto as personagens discursam sobre desejos, medos, paixões e realização. Utilizando uma linguagem teatral direta e intrigante, o filme de Denis Côté propõe a reflexão sobre a existência própria e social, enquanto conversa com a experimentação em um ritmo bem diferente do que estamos acostumados a ver.


Lidando com a Morte (2020), de Paul Sin Nam Rigter
O documentário holandês de Paul Sin Nam Rigter tem uma premissa curiosa: mostrar como diferentes culturas realizam cerimoniais fúnebres. Contando com a simpática agente funerária Anita Van Loon como protagonista, o filme acompanha o processo de construção do primeiro centro funerário multicultural da Holanda, que por meio de muito estudo e pesquisas de campo, se prepara para organizar cerimônias seguindo rituais diversos.As comunidades ganesas, indianas, muçulmanas e tantas outras aparecem mostrando as demandas específicas de seus protocolos. Os detalhes em cada pedido tecem um fio sobre a sensibilidade com que tratamos a morte, transitando entre ocasiões de despedida de diferentes grupos.


A câmera “invisível” se mistura aos cenários, observa as interações e se manifesta o mínimo possível, servindo, assim como a protagonista, como uma estudiosa dos rituais diversos de luto mostrados na obra. Quando o projeto é enfim concretizado, Anita é tirada do foco, pois uma empresa assumiu a realização (e também os créditos de sua cautelosa e delicada pesquisa).


Nessa dinâmica, nos despedimos do filme a contragosto, observando também o sofrimento e distanciamento de Anita quando ao enfrentar uma perda familiar, perde sua vontade de seguir trabalhando no projeto. Levando sete anos até se concretizar, o centro é fundado com suporte a cerimônias fúnebres de 190 culturas.


O Táxi do Jack (2021), de Susana Nobre
Vanguardista, o longa português que marcou presença no Festival de Berlim conta a história de Joaquim Calçada, um português desempregado que segue uma “corrida de carimbos” para tentar voltar a trabalhar. Nostálgico, ele relembra os anos como imigrante nos Estados Unidos, onde conduzia táxi e limusines com seu visual Elvis Presley e calças boca de sino. Ao mesmo tempo, ele revisita o contexto em que deixou seu país de origem, em meio à ditadura. Em um “papo de táxi”, conta sua história e nos recebe em sua viagem de múltiplas paradas.


Para constituir um texto tão realista, Susana Nobre investiu vários anos de sua vida para escutar as histórias de centenas de desempregados. Por mais que a questão trabalhista seja central na obra, sua reflexão permeia as crises existenciais e pessoais propagadas pelo imaginário alarmante entre tantas crises políticas e econômicas. O foco na estética antiga, com granulação de imagem, proporção de tela reduzida e saturação de cores, ajuda o espectador a viajar pelo tempo, propondo comparativos inevitáveis aos contextos propostos pelo protagonista e sua relação com os tempos atuais.


Nas palavras da diretora, o filme “é também um pouco a história de todos os portugueses na América”. As promessas e desafios da imigração, desde barreiras idiomáticas às divergências culturais, são retratados em meio ao visual tão industrial quanto urbano, que conduz seus passageiros pelo imaginário do narrador. Como diz o protagonista, “a América é a esquina de todos os povos do planeta”, e enquanto volta ao seu país, reflete sobre as mudanças e marcas do tempo.


Tudo sobre:
Logo A Tribuna
Newsletter