Uma senhora antenada: TV brasileira completará 70 anos da 1ª transmissão

70º aniversário será comemorado na próxima sexta-feira (18)

Por: Egle Cisterna  -  13/09/20  -  10:41
Novela Vida por Um Fio
Novela Vida por Um Fio   Foto: Divulgação

Uma senhora prestes a completar 70 anos, que revolucionou comportamentos, mudou a forma de consumo de informação e entretenimento e hoje está presente em todos as casas. É a TV brasileira, que na próxima sexta-feira comemora a primeira transmissão, feita em 1950.


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E A Tribunaapresenta ao leitor, a partir de hoje, durante os domingos deste mês, um panorama do desenvolvimento deste veículo de comunicação que transformou gerações.


Se até os anos 1940, o rádio dominava a atenção do público, com o advento da telinha na sala de casa, a imagem foi ganhando força e a telenovela, produto que conquistou fama pelo mundo todo, fisgou todos os brasileiros. Mas isso estava longe da realidade dos primeiros anos. Os pioneiros eram também desbravadores de um formato e de uma tecnologia que não se conhecia direito.


O pontapé inicial


Com toda gala e circunstância requeridas, Assis Chateaubriand, conhecido como Chatô e dono dos Diários Associados, foi responsável pela criação da primeira emissora do País, a TV Tupi, e a transmissão que aconteceu no dia 18 de setembro de 1950.


Primeiro, para que o feito tivesse audiência, Chatô foi para os Estados Unidos, comprou 20 televisores e trouxe para o Brasil e conseguiu ainda autorização do Governo Federal para importar outros 200 equipamentos que foram colocados em lugares estratégicos de São Paulo, como o Jockey Clube, Lojas Mappin e o saguão dos Diários Associados.


Às 21 horas, o símbolo da emissora, um pequeno índio, apareceu nas telas anunciando: “Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil", dita pela atriz Sonia Maria Dorce, então com 6 anos de idade. Depois da solenidade de inauguração, entrou no ar o programa TV na Taba, com música, humor, infantil, dança teatro, jornalismo e esporte. Tudo ao vivo, com cerca de duas horas de duração.


Apesar da transmissão inaugural ter sido bem sucedida, todos se deram conta de que a emissora voltaria ao ar no dia seguinte e não havia uma programação formada. No livro Tupi, uma linda história de amor, de Vida Alves, o ator Lima Duarte lembra que depois da primeira transmissão, o grupo de artistas foi jantar. “Aí o Cassiano (Gabus Mendes, diretor artístico da TV Tupi) virou para mim e disse: ‘Ó Lima, e amanhã, hein? Não temos nada para colocar no ar amanhã’”, conta. A solução foi percorrer consulados, no dia seguinte em busca filmes científicos de outros países.


Mais improvisos


Diferentemente das grandes produções de hoje em dia, o trabalho para colocar os programas no ar era artesanal, com atores e diretores cuidando dos mínimos detalhes, fazendo o próprio figurino e cenário.


A atriz Lolita Rodrigues lembra daquilo que ela considerava uma forma de artesanato, no livro Lolita Rodrigues, De Carne e Osso. “Uma vez, estávamos fazendo uma cena em que o meu amigo, o queridíssimo Dionísio Azevedo, tinha que morrer. Só que, para essa cena, levaram um jacaré vivo e amordaçado. Quando o Dionísio viu aquele bichão ali, naturalmente se apavorou com a ideia de ter de cair no chão para morrer. Por isso, acabou morrendo em pé mesmo, encostadinho a uma das paredes. Esses improvisos eram comuns.”


Lolita Rodrigues
Lolita Rodrigues   Foto: Divulgação

Talvez por esse trabalho com afinco dos primeiros anos, a TV ganhou telespectadores fiéis. No final dos anos 1960, já haviam mais de seis emissoras no estado de São Paulo.


DNA santista na primeira exibição


O DNA santista estava presente desde a primeira exibição televisiva no País. A atriz Lolita Rodrigues, nascida e criada no bairro do Marapé, foi quem cantou o Hino da Televisão, do poeta paulistano Guilherme de Almeidae do maestro Marcelo Tupinambá. A apresentação deveria ser de Hebe Camargo, que não compareceu. “A danada desistiu na véspera. Deu a desculpa de que estava doente e rouca. Hoje, o mundo inteiro sabe que isso foi invenção dela. Ela tinha um namorado, o Luis Ramos, e ele exigiu a presença dela em um outro evento. Sobrou para mim e eu fui”,relata Lolita em seu livro de memórias Lolita Rodrigues, De Carne e Osso, de Eliana Castro. Hoje, a atriz, com 91 anos, afastada da TV desde seu último papel, em 2009, na novela Viver a Vida, mora com a filha na Paraíba.


Vida Alves deu o primeiro beijo


Boa parte dos enredos da teledramaturgia das novelas envolve um romance e, invariavelmente, traz um beijo para marcar o esperado final feliz. O primeiro beijo na TV brasileira foi protagonizado por Vida Alves (1928-2017) e Wálter Forster (1917-1996), na novela Sua vida me pertence, em 1951. Considerado uma ousadia para a época, o fotógrafo da TV Tupi não registrou o momento para divulgação por achar que a foto não seria publicada na imprensa. Mas essa não foi a única atuação da atriz, que causou polêmica nos primeiros anos da TV. Vida também foi a pioneira do primeiro beijo gay em frente às câmeras. Na novela A Calúnia, do início dos anos 1960, ela vive o primeiro caso homossexual da história da TV com a atriz Geórgia Gomide (1937-2011). Vida também tinha ligação com Santos, onde vivia sua irmã, a jornalista Helle Alves (1926-2019).


Vida Alves
Vida Alves   Foto: Divulgação

TV Santos, a primeira da região


Santos também saiu na frente com a primeira TV regional do País. A TV Santos foi inaugurada em 15 de novembro de 1957 e seguiu transmitindo até 1960. Ela operava no canal 5 VHF e era afiliada à TV Paulista. Na época, estima-se que a Baixada Santista tinha cerca de 4 mil aparelhos de TV. A iniciativa era uma parceria entre a Rádio Clube de Santos e as Organizações Victor Costa, criadora da TV Paulista e das rádios Excelsior e Nacional de São Paulo. A programação local era transmitida até as 15 horas, quando a TV Paulista entrava com a retransmissão. Foi nos estúdios da emissora, que ficavam no Gonzaga (onde depois funcionou o Cine Alhambra),que a apresentadora Ofélia Anunciato deu início à sua carreira como apresentadora de programas de culinária.


Depoimentos


A minha infância foi muito radiofônica. Depoisda Guerra, começava a surgir a televisão nos Estados Unidos, vendendo o American Way of Life, mas aqui no Brasil, isso ainda parecia uma coisa de futurologia. Quando (a TV) chegou aqui, meu pai não se entusiasmou com o equipamento, então,eu era um televizinho. O cinema fazia parteda vida da gente, mas ver as primeiras imagens dentro de uma caixinha impressionava.


Quem fazia teatro não podia fazer TV. Só com o videotape isso passou a ser possível. Mas nãohavia edição. Os cenários eram montados em fila e se alguém errasse alguma fala, tínhamos que recomeçar tudo de novo. Mais tarde, surge a edição e a novela ganha um caráter de cinema. É aí que todo o império da TV Tupi começa a desmoronar e surgem a TV Cultura e TV Globo, que terão muito destaque na teledramaturgia.


Só vim a fazer novelas na Globo nos anos 80, quando a emissora virou um grande centro produtor, com grandes autores como Dias Gomes, Gilberto Braga, Janete Claire. Se antes a novelaera mais melodramática, a partir daí, elaadquire uma linguagem própria, passa a ser uma produção e ter um bom salário.


Fiz papéis que considero importantíssimos,como o mordomo Eugênio, em Vale Tudo, que considero a melhor novela de todos os tempos.Ele era um personagem observador, pura imagem. Mas com mais de 40 novelas e séries no currículo, gosto muito dos trabalhos de Flor do Caribe,que está no ar agora, Agosto, Engraçadinhae Castelo Ra-Tim-Bum, que foi um fenômeno e é lembrado até hoje, 25 anos depois.


O universo do audiovisual se transforma, com o streaming, com a chegada do 5G, uma nova linguagem surge e tudo com uma velocidade extraordinária. Esses 70 anos é uma coisapara se comemorar, mas também para se refletir.A TV tem que ter uma participação mais inclusiva, preservando a identidade de cada um, mas tem também que respeitar os anseios e privacidade do seu público”
Sérgio Mamberti - Ator e diretor santista, 81 anos


Sérgio Mamberti (Foto: Divulgação)


Eu começo a ver TV como televizinho, pois meus pais não tinham TV, que era coisa de elite e eu vinha de uma família muito pobre. A minha primeira lembrança era de Bibi Ferreira num programa dominical, como o Fantástico. Aos 10 anos, meu pai foi para o Rio trabalhar como crooner na TV Rio e eu assistia TV na casa do zelador com os filhos dele. Só tivemos TV depois, mas eu também não tinha tempo para TV naquela época.


Comecei a fazer teatro ainda no colégio, emSantos, e fiz algumas participações especiais na Tupi, como em Alô, Doçurae Beto Rockfeller. Lílian Lemmertz assinou um contrato com a TV Record, aquela do Paulo Machado de Carvalho, para quatro novelas e me levou para trabalhar lá. Em 1974, fui chamado para fazer novela na Globo e já são 46 anos lá. Tive muita sorte, pois trabalhei com grandes profissionais e fiz trabalhos muitobons lá. Escalada, do Lauro Cesar Muniz, Estúpido Cúpido, as novelas de Janete Claire, a literatura adaptada do Walter Avancini - como Avenida Paulista, Anarquistas Graças a Deus, Rabo de Saia, Memórias de um Gigolôe O Cravo e a Rosa.


Santos sempre teve muita gente de destaque na teledramaturgia. Talvez seja uma água com algum segredo que faça isso. Temos Sofredini, Jandira Martini, Maurice Legeard, Serafim Gonzalez,Nuno Leal Maia. Até Cacilda Becker, que nãonasceu aqui, mas que se formou atriz na cidadee levou isso para o mundo.


Participar de TV Pirata, em 1988, também foium marco na minha carreira, assim como o Vlad,de Vamp, que virou um musical, no ano passado,e lotou o teatro. A TV tem muito disso de popularizar e eternizar papéis, que sãolembrados para sempre.


Acredito que a TV está mais forte agora, chegando aos 70 anos. Antes, os atores tinham mais preconceito em trabalhar nela. Agora, vejo que atores de teatro e cinema estão voltando para a TV. Com esses novos formatos, penso também que ela está mais democrática e as pessoas continuam a acreditar nela, que sempre terá seu público fiel.”


Ney Latorraca - Ator santista, 76 anos


Ney Latorraca (Foto: Divulgação)


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