Uma Fernanda Montenegro nada invisível

Aos 90 anos, atriz fala sobre sua participação no filme que pode concorrer ao Oscar e ainda das dificuldades de se fazer arte no Brasil

Por: Lucas Krempel & Da Redação &  -  27/10/19  -  14:26
Fernando Montenegro interpreta Eurídice em
Fernando Montenegro interpreta Eurídice em "A Vida Invisível", de Karim Aïnouz   Foto: Reprodução

São pouco mais de dez minutos na tela, mas é tempo suficiente para comover bastante o público. A participação da atriz Fernanda Montenegro, de 90 anos, no filme A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, é pequena, mas muito importante para o desfecho emocionante da história.


Não são muitos artistas que conseguem tanto com tão pouco. Mas ela faz isso com maestria no postulante brasileiro ao Oscar 2020. Na coletiva de imprensa, no Hotel Renaissance, em São Paulo, realizada no último dia 18, logo após a exibição do longa, deu mais uma prova que dá para ser mais, fazendo menos.


“Vou deixar eles falarem primeiro. O filme é do Karim. A Julia (Stockler), a Carol (Duarte), o Gregório (Duvivier), eles têm uma presença maior no filme”, comentou logo após a primeira questão, um combo com oito perguntas do mesmo jornalista.


Apesar dessa gentil introdução, a veterana, que vive Eurídice na terceira idade, sabia que muitas das perguntas seriam direcionadas para ela. Gentil em todas as respostas, resumiu o filme para os jornalistas. “É uterino, vaginal. É um filme que não é fácil de ver no cinema brasileiro”.
Mesmo com quase 70 anos de carreira, Fernanda demonstra ter nenhum estrelismo. Aceita bem as mudanças de cena e os pedidos do diretor, de 53 anos. Até brincou com a situação durante a coletiva.


“Você faz a cena e ele diz é isso. Quando ele volta depois de ter visto a cena rodada, você faz tudo diferente! Se você estava no chão, agora você vai para a cama, para a porta. Se você gritava, agora você fica contido, se o outro vem de pauleira em cima de você, agora você vai para cima dele. Então com ele é assim. Cada vez que você volta para a cena, não é para apurar aquilo que talvez tenha sido definitivo. Não existe definição. Estamos sempre em estado de parto dizendo agora vai nascer, agora vai. Mas isso dá um frescor. É uma aventura alimentadora. O cinema é uma viagem maior do que interplanetária”.


Ao comentar mais sobre sua personagem, que sonhava ser pianista e estudar em Viena (Áustria), mas acabou afastada de seus objetivos para se dedicar ao casamento com Antenor (Gregorio Duvivier), Fernanda retratou de forma perfeita.


“A grande tragédia da personagem é que ela se crucificou, se suicidou diante do processo da vida. Acho que a vocação dela não foi tão absoluta a ponto de passar por cima”. E completou que não teve o mesmo destino por um motivo: “a vocação”.


Questionada se o mundo deveria ser mais feminino, se saiu muito bem na resposta: “O macho é necessário. O machão não. O machão é um horror”.


Sempre elegante nas respostas, a atriz ainda comentou as críticas do diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, Roberto Alvim, que a chamou de sórdida e mentirosa, fato que indignou a classe artística.


“Não preciso de nada. Essas pessoas precisam de tratamento. Eu estou bem, mas essas pessoas não estão”, cutucou.


Longevidade


Fernanda debutou em cena em 1950, quando estrelou o espetáculo Alegres Canções nas Montanhas, de Julien Luchaire. De lá para cá, ela colecionou diversos papéis marcantes no teatro, TV e cinema. Quase sempre premiada ou indicada.


Com o filme Central do Brasil, de 1998, ampliou o seu alcance para o mercado internacional. Venceu o Urso de Prata (Alemanha), Festival de Havana, além de ter sido indicada para o Oscar e Globo de Ouro. Esperançosa com a indicação de A Vida Invisível, ela falou sobre a importância de ainda estar atuando em grandes projetos.


“Na minha idade ainda possuo fôlego e ainda me convidam para participar de um filme como esse, eu ainda existo”.


Os realizadores do longa também estão confiantes. Adiaram a estreia do filme no cenário comercial para o dia 21 de novembro. A decisão visa ampliar a participação do diretor e do elenco nos eventos e atividades de lançamento por todo o Brasil e conciliar a agenda de Aïnouz com suas viagens internacionais na campanha pelo Oscar 2020.


Logo A Tribuna
Newsletter