'Seinfeld': um show sobre tudo

Comédia chega aos 30 sem ser superado como modelo para as sitcoms que testam os limites do humor

Por: Eduardo Cavalcanti & Colaborador &  -  14/07/19  -  22:09
  Foto: Divulgação

Antes da Netflix transformar as séries e seriados na maior atração da TV - e dos smartphones -, existiu o que ainda é o nirvana dos shows de comédia. 'Seinfeld', que estreou em julho de 1989 e ficou quase uma década no ar, completa 30 anos como um dos mais bem-sucedidos exemplares do humor norte-americano, tanto em termos de audiência (bateu vários recordes de público), quanto em originalidade e ousadia.


Um produto típico dos anos 90, em sua visão cínica – e, em última análise, niilista – de mundo, 'Seinfeld' subverteu a noção de individualismo como um dos valores mais caros ao ‘american way of life’. Seus quatro personagens principais eram movidos pela ética da satisfação imediata e pelo desprezo sem remorsos a boa parte dos valores morais tidos como a norma pela sociedade.


Só que o que poderia ter sido uma crônica amarga da geração que chegou aos 30 no fim da década de 80 se tornou uma das mais hilariantes e inteligentes comédias de situação – as sitcoms – da TV. A razão é simples. O humor impiedoso de 'Seinfeld' atinge tudo e todos, a começar pelos próprios personagens.


Ao contrário de 'Friends', outro seriado de enorme sucesso da mesma época, que também continuou a ter apelo junto às gerações seguintes, Jerry Seinfeld e seus amigos Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus, de 'Veep'), George Costanza (Jason Alexander) e Cosmo Kramer (Michael Richards) eram tudo menos modelos com os quais o público pudesse se identificar. Na verdade, o ponto de atração dos quatro era justamente esse, funcionar como um espelho invertido da normalidade.


Se nas histórias do Super-Homem (herói referenciado, de uma forma ou de outra, em quase todos os episódios) houvesse sitcoms, 'Seinfeld' seria o 'Friends do Mundo Bizarro'. Seus personagens, longe de inspirar simpatia, despertam vergonha alheia. E estão anos-luz à frente, em termos de humor.


'Seinfeld' foi inovador não só no conteúdo, mas também na forma. Num episódio de 1997, The Betrayal, a ação é contada de trás para frente – três anos antes desse tipo de narrativa aparecer em Amnésia (2000), um dos primeiros filmes do diretor Christopher Nolan. E em The Chinese Restaurant, da segunda temporada, a história acontece em tempo real.


Outro episódio-chave faz um brilhante exercício de metalinguagem no seriado dentro do seriado Jerry. Ele traz os mesmos personagens refazendo o conceito de show sobre nada, como define George Costanza ao tentar vender o roteiro da sitcom aos executivos de um canal de TV. George é o alter ego do roteirista Larry David, coautor de 'Seinfeld', que baseou muitas das histórias em fatos que ele próprio viveu.Por mais inacreditável que possa parecer, o mais frenético dos quatro amigos, Kramer, foi baseado num antigo vizinho de David.


Mas o principal responsável pelo sucesso da série foi mesmo Jerry Seinfeld, um comediante de stand-up de Nova Iorque com a aparência de bom moço de sitcom familiar e o tipo de humor cáustico e autodepreciativo não muito diferente de outro cronista da cidade, Woody Allen. Criador do seriado junto com Larry David, ele é o suposto (e enganoso) ponto de equilíbrio em meio às excentricidades dos demais personagens.


O trunfo de 'Seinfeld' é não seguir convenções como finais felizes, mensagens edificantes e romances apaixonados, e se concentrar no absurdo das situações cotidianas, quando protagonizadas por indivíduos neuróticos e com uma visão de mundo destituída da mais elementar noção de bom senso. Seriados comprometidos com a inovação e dispostos a fazer com que o mau comportamento volte a ser a norma no humor estão longe de ser comuns, e outras exceções, como 30 Rock e Arrested Development, só confirmam a regra.


Para um show sobre nada, 'Seinfeld' ainda é, mais que qualquer coisa, um show sobre tudo o que é necessário para fazer rir.


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