Plágio na música: entenda o que caracteriza cópia deslavada de coincidência

Conheça, ou relembre, casos clássicos mundiais, inclusive um envolvendo santista

Por: João Pedro Feza, especial para A Tribuna  -  07/01/22  -  09:27
Pode-se dizer que o plágio, para valer, precisa ser uma cópia intencional
Pode-se dizer que o plágio, para valer, precisa ser uma cópia intencional   Foto: Imagem Iluistrativa/Pixabay

Um dos fatos mais curiosos da retrospectiva musical de 2021 foi, sem dúvida, a acusação de plágio do compositor mineiro Toninho Geraes contra Adele. O brasileiro, conforme amplamente noticiado, viu semelhanças além do tolerável entre sua Mulheres, sucesso na voz de Martinho da Vila desde 1995, e Million Years Ago (2015), da estrela britânica.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Ocorre que também Mulheres tem alguma similaridade melódica com Acilara Tutunmak, do turco Ahmet Kaya, lançada em 1985 – e também regravada, em ritmo de rock, pelo compatriota Haluk Levent. E agora?


O mundo da música popular é recheado de casos coincidentes. De forma resumida, pode-se dizer que o plágio, para valer, precisa ser uma cópia (parcial ou integral) intencional. De melodia (notas em sequência), não da harmonia (notas simultâneas). Ou cópia da letra.


Quando alguém canta acompanhado ao violão, faz a melodia com a voz, enquanto o instrumento desenvolve a harmonia. Djavan tem canções melodicamente diferentes, mas com harmonias parecidas.


Nem sempre uma melodia semelhante convencerá os juízes. Até porque, dependendo do desfecho, abre-se precedente de dimensões planetárias. A história mais emblemática de negativa formal de plágio tem a ver diretamente com o Led Zeppelin.


A consagrada banda foi acusada de usurpar a introdução de Taurus, do grupo Spirit, de Los Angeles, para criar Stairway To Heaven. Em 2016 e 2020, a Justiça ficou ao lado dos ingleses. Mas que parece, parece...


Até tu, beatle?
Outro peso pesado da música que se viu enrolado com plágio foi o ex-beatle George Harrison. Tudo por conta de seu clássico My Sweet Lord (1970) – que, aliás, ganhou um clipe novo em 15 de dezembro passado.


Pois bem: Harrison enfrentou longa batalha judicial por violação de direitos autorais, porque a belíssima canção se parece (muito) com He’s So Fine (1963), da banda feminina americana The Chiffons.


Teria sido “plágio inconsciente”, segundo o cantor, mas não convenceu: teve de desembolsar uma grana alta de indenização para colocar ponto final na história. Seja como for, Harrison ainda teve desenvoltura suficiente para compor This Song, na qual satiriza a confusão, inclusive num clipe divertidíssimo onde ele próprio aparece nos tribunais.


Também John Lennon aprontou das suas (inconscientemente?) em Come Together (1969). O próprio Paul McCartney cita, em livro, que havia mesmo achado a música parecida com You Can’t Catch Me (1956), de Chuck Berry. Tanto que Paul sugeriu mexer no andamento. Assim foi feito, mas... Lennon acabou processado pela empresa dona dos direitos.


O desfecho foi inusitado: Lennon combinou de gravar um disco solo de covers e incluiu You Can’t Catch Me para que a música recebesse parte na arrecadação do trabalho. O resultado é o álbum Rock’n’Roll, de 1975.


Levaram na boa
Outra semelhança incrível ocorre entre Unpublished Critics, da banda Australian Crawl, de 1981, e a conhecidíssima Sweet Child O’ Mine, de Guns N’ Roses, de 1987. Interessante aqui é que a banda australiana, já desfeita, não só não processou o Guns como tocava as duas em seus shows. Levou na esportiva.


A cantora canadense K.D. Lang também não se importou de os Rolling Stones pegarem sua Constant Craving (1992) para criarem Anybody Seen My Baby (1997). Os próprios Stones tomaram a iniciativa de inserir o nome dela nos créditos, o que assegurou 25% do faturamento da canção para a artista.


Brasileiros
Também lá fora se inspiraram (ou agiram na mão grande) com músicas daqui. Um exemplo é Flowers (1988), do Talking Heads, ex-banda de David Byrne, que colou em Alagados (1986), dos Paralamas do Sucesso. São amigos, não teve briga.


O episódio mais rumoroso talvez tenha sido de Rod Stewart que, com sua Da Ya Think I’m Sexy? (1978), chupinhou Taj Mahal (1972), de Jorge Ben Jor. Rod chegou a um acordo financeiro com o brasileiro.


O mesmo Rod que, na segunda parte de Killing of Georgie (1976), não teve vergonha de copiar Don’t Let Me Down (1970), dos Beatles. “Parece mesmo. Não há nada de errado com um bom plágio”, afirmou, sem consciência pesada, em 2016.


Santista e Águas de Março
Sempre entre as três melhores canções brasileiras de todos os tempos em qualquer lista, Águas de Março (1972), de Tom Jobim, teria tido como uma de suas inspirações Água do Céu, gravada, em 1956, pela santista Leny Eversong. Será?


A música interpretada por Leny tem como compositora Inara Simões de Irajá. Um trecho: “A gente voou, a nuvem tapou, o raio brincou, o céu trovejou”. Vale ouvir e comparar.


Convém informar que Leny, nascida Hilda Campos Soares da Silva, destacou-se por sua voz poderosa. Brilhou nos EUA, inclusive no icônico programa de Ed Sullivan, em 1957. Morreu, aos 63 anos, em 1984.


Voltando a Águas de Março: também já foi associada a Pisa Baiana, samba-maracatu dos irmãos João Valença e Raul Valença registrado por Carlos Galhardo em 1938 (“É pau, é pedra, é seixo miúdo...”). Nada que ofusque a originalidade da genial criação de Tom, o ‘maestro soberano’.


Tudo sobre:
Logo A Tribuna
Newsletter