Paula Oliver canta samba empoderado contra violência: 'Um ato de resistência'

Durante o isolamento social, a artista mudou de carreira e abraçou sua paixão pela música com propósito

Por: Bia Viana  -  07/07/21  -  08:54
Atualizado em 07/07/21 - 10:14
 Paula Oliver ouviu seu chamado artístico e embarcou no lançamento do primeiro disco, o EP Quero Voar
Paula Oliver ouviu seu chamado artístico e embarcou no lançamento do primeiro disco, o EP Quero Voar   Foto: Divulgação

A mineira Paula Oliver aproveitou o isolamento imposto pela covid-19 para se reinventar. Apaixonada por música desde pequena, a assistente de juiz ouviu seu chamado artístico e estreia na música com o EP Quero Voar. “Foi um mergulho dentro de mim mesma”, conta, destacando sua verdade em um samba de empoderamento.


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O término do casamento de quase 23 anos e a nova rotina em meio à pandemia contribuíram para a mudança. “Foi um despertar espiritual. Deste contato comigo mesma, surgiram as inspirações. O samba me escolheu, a música me escolheu, e eu aceitei!”, descreve Paula. A inspiração em letra e música veio espontânea aos ouvidos — como “um sopro divino, sempre em ritmo de samba”, lembra a cantora.


Daí surgiram as quatro faixas do disco: A Cantada, Quero Voar, Reza Forte e Lembranças. Com diferentes narrativas, elas se aproximam pela energia audível de Paula Oliver, que ao acreditar em suas músicas, fortalece a si mesma. “Eu busquei com minhas músicas, construir pontes, pois penso que o amor deve ser o filtro de todo e qualquer pensamento e decisão que tomamos”.


Feminismo no samba


Pela música, um grito de libertação. Com o aumento da violência contra a mulher diante do isolamento pela covid-19, a importância de discutir temas difíceis através da arte, como feminicídio, agressão e relacionamentos tóxicos, é um chamamento para a luta. “Eu senti a necessidade de trazer para a roda atual estes temas de uma maneira leve a amorosa, mas dando o recado necessário. Exaltar o divino feminino por meio do empoderamento das mulheres é a outra ponta da meada”.


A recepção do público tem sido positiva, e Paula reflete sobre seu propósito no samba. “Fico feliz que as pessoas tenham entendido a mensagem e espero que toque os seus corações de alguma forma. Se minha música fizer o bem a uma única pessoa, já terei atingido o meu objetivo”.


Mesmo sendo um segmento mais masculino, o samba a recebeu naturalmente, como se o encontro já fosse predestinado. “Temos visto a presença marcante de muitas mulheres no samba e essa abertura se deu graças a outras mulheres sambistas que vieram lutando para conseguir um espaço no nicho há décadas, tais como Dona Ivone Lara, Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes. Sem elas, talvez eu não tivesse tido a mesma oportunidade. Por isto, minha eterna gratidão e admiração”, homenageia a artista.


Parcerias


Paula Oliver conta com colegas de prestígio em sua estreia musical, como Xande de Pilares, Dudu Nobre e Milton de Mori. “[Dudu Nobre] é um ser humano ímpar, talentoso e muito generoso. Ele abraçou meu trabalho como se fosse dele e me deu a honra de gravar uma música composta por ele e Xande de Pilares. Ele também me colocou em contato com o maestro Rildo Hora, que fez o arranjo”, conta.


Cello Garcia, seu parceiro de composição, foi quem passou o contato de Dudu Nobre. Ele ofertou a Reza Forte, composta junto a Xande de Pilares. “Essa música teve como arranjador o maestro Rildo Hora e nos sopros o querido Dirceu Leite. Tudo foi fluindo naturalmente e os presentes não paravam de chegar e me surpreender”. O clipe de Reza Forte deve ser lançado ainda em junho, além de outros dois sambas que já estão prontos, que devem ser lançados no segundo semestre.


O desafio foram as gravações, freadas pela quarentena. “Parte do disco foi gravada em São Paulo, com arranjos de Milton de Mori, e outra parte no Rio de Janeiro, no estúdio do Dudu Nobre, na Barra da Tijuca. Mesmo com esse desafio geográfico, conseguimos produzir o disco e lançar em plena pandemia. É um trabalho de muitas mãos e muitos corações. Sem este esforço conjunto, não teria conseguido”.


Mudança de carreira


Antes da música, Paula Oliver atravessou um longo caminho de autodescoberta, começando no meio jurídico. “Fui aprovada em concurso público em 2010, em Campinas. Depois fui transferida para Belo Horizonte e por fim, para Pouso Alegre, cidade onde resido atualmente. Trabalhei com vários juízes e desembargadores na minha trajetória forense”. Atualmente, Paula é assistente de Juiz em Pouso Alegre, mas conta que a música sempre marcou presença em sua vida. “A música sempre esteve em mim, desde criança. Eu é quem não estava na música”.


“A vida me levou para a carreira jurídica. Em 2016, quando quebrei meu pé direito em nove lugares e fui obrigada a me afastar das minhas atividades cotidianas, comecei a repensar meus planos futuros. Ali começou o processo de minha inserção na música de forma profissional, percebi que tinha que fazer algo e ouvir o chamado do meu coração, da minha alma”.


Desde então, passou por experiências valiosas, como trabalhos com a Meyer Big Band e o Studio Marconi Araújo, onde fez aulas de performance vocal com o maestro. Após uma prova de canto em 2016, numa cadeira de rodas, surgiu o convite para o primeiro show solo. “Dali por diante, não parei mais e hoje concilio a carreira jurídica com a musical”.


A jornada é tripla, conciliando o trabalho e a criação de suas quatro filhas. Inspirada na mãe e em suas meninas, pensa que suas músicas devem “exaltar o divino feminino que há em todas nós” em um samba crítico e feminista. “As músicas expressam a minha verdade. A verdade de uma mulher de 45 anos, que tem quatro filhas, que prega o amor em tudo que faz. Que respeita as diferenças, as opções, opiniões, desejos dos outros e que sabe que não nos cabe julgar ninguém. Todos têm os seus próprios processos de vida, experiências, e temos que respeitar tudo e todos. Enfrentar de maneira amorosa a hipocrisia é um ato de resistência”. O EP Quero Voar já está disponível nas plataformas digitais, e os arranjos para um show de lançamento aguardam o fim da pandemia para encantarem o público ao vivo.


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