Artistas que vivem dos palcos tiveram as rotinas de trabalhos, shows, ensaios e projetos cancelados do dia para noite por causa das medidas adotadas para o enfrentamento do coronavírus. Sem a presença do público, o show deles não pode nem começar, o que dirá continuar.
Ator e produtor cultural, Luiz Fernando Almeida viu seus planos de carreira irem por água abaixo no último dia 16. “Os trampos foram caindo um a um. Estava em processo criativo para uma nova montagem e interrompemos os ensaios, que aconteciam na Unisanta. Eu tinha um trabalho em publicidade e um filme que rodariam no fim deste mês e, por enquanto, estão cancelados. Devem ser remanejados. Para quando? Não sabemos”.
O cantor, músico e compositor Fernando Negrão está apreensivo e seus prejuízos começaram com um cancelamento de uma viagem de lazer que faria com a mulher, para Salvador. “Me pegou tão de surpresa que não tenho nem plano B. Ainda bem que tinha um dinheiro na conta que segura um mês e consigo pagar minhas contas. Mas se for além disso, eu sei lá”, conta o sambista, que tem feito lives para não perder o contato com os fãs.
Com Marcos Canduta e e Débora Gozzoli, da dupla Choro de Bolso, não está sendo diferente. “De cara, foi a Livraria Realejo, onde a gente se apresentava na sexta-feira. A Tasca do Porto, que tocamos aos domingos, não abriu. Estava marcado um evento muito legal no Clube do Choro, que dançou. Fora isso, tínhamos uma viagem para Caraguatatuba que rodou também”, lista Canduta. “Sinceramente, a gente ainda não sabe direito o que fazer”, lamenta Débora.
Garantias
Cantora e produtora cultural, Maria Sil desabafa: “No momento, não consigo pensar em alternativas privadas para o enfrentamento dos efeitos da pandemia no setor criativo e cultural do Brasil. Com o cancelamento de contratações de shows, eventos, gravações, as minhas atividades estão todas suspensas. Para mim, é hora do Estado se responsabilizar e garantir, por meio do INSS, um ganho mínimo para que nós, profissionais livres e da cultura, consigamos nos manter minimamente neste cenário”.
Maria Sil mora com a mãe, que é aposentada, mas a artista conta que tem amigos que moram sozinhos, e têm a totalidade da sua renda vinda de eventos culturais. “Precisamos ser amparadas”, clama Maria Sil, que teria uma roda de conversa no Sesc Santos, um filme a ser gravado em abril e um show.
Com o músico Heitor Gomes a história se repete, como um coro: “Tínhamos muitos eventos, um deles no último domingo, no Ginásio do Ibirapuera, na Capital, durante o NBB (Novo Basquete Brasil), em que tocaríamos no intervalo E ainda apresentações no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, inclusive com celebração oficial ao Charlie Brown Jr”.
Em meio ao caos, colocar a mão na massa e usar a criatividade são a saída. Para tentar driblar a crise, Maria Sil tem mandando currículo para diferentes áreas, mas acredita ser difícil uma colocação pelo momento e por ser quem é.
“Apenas 10% das travestis e mulheres trans estão em empregos formais. Tem uma petição on-line pedindo a liberação de licença via INSS para os trabalhadores que utilizam a MEI e são formalizados. Acho isso um caminho possível, mas é preciso pressão popular e boa vontade política”.
Enquanto isso, Canduta e Debora, que fazem pães de fermentação natural, pretendem ampliar o negócio. “Eu vou continuar fazendo e entregando. Também trabalho em rádio”, diz ele. “Eu parei de anunciar meus pães, mas vou voltar. É o jeito”.
Negrão pensa em vender seus CDs na rua, pela internet e até dar aulas. “Mas para poucas pessoas, porque não pode aglomeração, né? Vamos esperar para ver o que vai dar”.
Já Luiz Fernando defende que os artistas precisam de ajuda. “Eu não posso mais fazer testes presenciais. E, como a gente ganha cachê teste, acabei perdendo uma grana semanal porque estava fazendo sempre. Por isso, acho que o Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos) poderia colaborar nesse sentido, exigindo que os testes feitos em casa, também conhecidos como selfie tapes, fossem pagos”, desabafa.
Se por um lado ele está triste – “minha temporada do Dama da Noite, nove anos em cartaz, planejada para abril, na Capital, também está cancelada” – por outro ele entende a situação: “Sei que as medidas são para algo maior. Com essas dinâmicas do isolamento social, tenho me alimentado intelectualmente, lendo muito, aproveitando para adiantar projetos que precisam ser escritos, vendo filmes e séries, ouvindo música. Mas eu sou do povo, do contato físico e é difícil. Mas é o momento de pensarmos coletivamente. Até porque o individualismo é a pior das prisões”.
Chama o síndico
Já Heitor Gomes tem organizado a casa e colocado em dia algumas tarefas, como a de síndico da Vila onde mora. “Nada que tire meu tempo para estudar, gravar e compor. Claro que deixei de fechar algumas datas que tenho paralelo às bandas que toco de maior expressão, como o CBJR e o Pavilhão 9. Tenho, há um bom tempo, o desejo de ter um canal de aulas e trabalhar vídeos no YouTube. Devo começar em breve”.