'O que você espera com esse filme é que o público saia se sentindo melhor', diz Jonathan Pryce

Ator foi indicado ao Oscar como Melhor Ator pela interpretação do Papa Francisco em "Dois Papas", da Netflix

Por: Paoula Abou-Jaoude & De Los Angeles, Especial para A Tribuna &  -  06/02/20  -  10:18
Atualizado em 06/02/20 - 10:24
O ator fala sobre o desafio de viver o pontífice
O ator fala sobre o desafio de viver o pontífice   Foto: Divulgação

O ator galês Jonathan Pryce tem uma vasta carreira no cinema e na TV. Recentemente, ficou marcado como o Alto Pardal, de Game of Thrones. Mas foi sua atuação como papa Francisco, em Dois Papas (Netflix), que rendeu sua primeira indicação ao Oscar, como Melhor Ator, após mais de 40 anos de carreira. Na entrevista abaixo, o ator fala sobre o desafio de viver o pontífice.


Como o senhor se envolveu neste projeto?


Quando meu agente me ligou perguntando se eu queria interpretar o Papa Francisco, minha primeira reação foi dizer não. Naquele momento, não era muito fã da Igreja Católica, mas eu gostava do papa. Daí veio o roteiro, que é um extraordinário trabalho de Anthony McCarten, muito bem pesquisado, mas que também apresentava situações mais leves para ambos os personagens. Mas a coisa que me conquistou mesmo foi o fato de que Fernando Meirelles estaria dirigindo aquela história sobre dois velhos homens que tagarelam por duas horas. Não ia ser uma cinebiografia convencional. Ia ser algo que tinha muito a dizer politicamente.


Como o sr. se preparou para interpretar o Papa Francisco?


Começou quando ele foi eleito papa e a internet encheu-se de imagens comparando nossas semelhanças físicas. E minha admiração por ele começou a progredir. Ao fazer uma pesquisa, queria descobrir e ter uma ideia dos elementos que o tornaram o homem que ele é. Ele não era uma figura santificada desde o começo. É sempre interessante interpretar homens poderosos. Você descobre as fraquezas, os defeitos deles, que tipo de motivação eles têm. E ele ainda era visto, na Argentina, como uma pessoa de personalidade bastante divisora, por causa da possível colaboração dele com os Coronéis. E ele era um homem que não queria mais ser arcebispo. Ele queria ser um padre e poder voltar a trabalhar em sua comunidade local. Ele é um homem muito complicado, o que só torna o personagem ainda melhor para ser estudado. Ele ainda seria fascinante se fosse apenas um personagem fictício. Durante o processo de pesquisa, uma coisa que foi destacada, e a qual o Fernando comentou no final do filme, é quando estou saindo da Capela Sistina, e ele diz: “Isso é extraordinário, você personifica o homem em sua plenitude, e como você faz isso é incrível”. Ele ainda disse: “até seu andar é extraordinário”. E eu não tive coragem de dizer para ele que, por toda minha vida, as pessoas me perguntaram por que é que parece que eu ando mancando (risos). E eu não disse a ele que Francisco e eu temos o mesmo tipo de andar. É fantástico. Foi um absoluto privilégio participar desse filme e ter criado esse personagem com a ajuda do Fernando.


Houve identificação com alguns dos diálogos do filme?


Senti uma grande simpatia por algumas coisas que ele falou politicamente sobre a sociedade. Foi isso o que me conectou a ele. Antes de começarmos a filmar, Fernando perguntou para o Tony (Hopkins) e eu se éramos religiosos. Eu respondi que não, mas que esperava sê-lo ao final das filmagens (risos). O que você espera com esse filme é que o público saia se sentindo melhor como seres humanos, e se sentindo melhor pelos outros. E é isso que eu, assim como outros milhões de atores por aí, querem: que o público experimente algo que vai melhorar a vida deles e não apenas duas horas de entretenimento.


Esse trabalho o levou a ter uma percepção diferente sobre religião?


Bem, o que você tem é uma divisão entre Estado e Igreja. Minha atração pelo papel do Papa Francisco não era a do lado de líder religioso, mas de uma pessoa que poderia instigar mudanças no mundo. As coisas que ele falou no filme sobre meio ambiente, refugiados, cuidado com o próximo, e a construção de pontes e não muros, eram coisas muito importantes para mim. E eu sei o quanto elas eram importantes para o Fernando também. Mas não dá para negar que fiquei espiritualmente comovido de alguma maneira. Não sou religioso. Cresci como Protestante no País de Gales. Eu frequentei a igreja até minha adolescência. Mas algo aconteceu comigo quando estava indo embora de Buenos Aires. No último dia de filmagens, fui me despedir de um padre jesuíta que estava nos ajudando no set como consultor, com dicas sobre rituais e tradições. E ele me disse: “antes de você partir, posso te abençoar?” E me lembro que quase chorei com aquela pergunta. Para mim, não era apenas uma confirmação de que estava fazendo um bom trabalho, mas sim uma coisa que significou algo maior para mim. Nunca alguém tinha me benzido antes, ou depois das filmagens.


O sr. acha que Francisco é um líder religioso de relevância no mundo atual?


Para mim, esse papa, em particular, tem relevância para o resto do mundo. E eu acho que esse era o problema com o Papa Bento XVI. Ele representava uma parte insular do Vaticano e existia um entendimento de que ele não conseguia alcançar uma certa relevância mesmo se ele quisesse. Ele pode ter inicialmente rejeitado os ideais de Bergoglio quando este último se tornou papa, mas agora ele vê o Francisco como uma pessoa que promove mudança e que podia, talvez, fazer muitas coisas que ele queria fazer, mas não pôde. 


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