Maiores de 60 declaram seu amor à escrita

Em vez de pendurar as chuteiras, autores da chamada Terceira Idade mudam o rumo das suas histórias e se aventuram na literatura

Por: Egle Cisterna & Da Redação &  -  07/01/20  -  12:21
Aos 77 anos, Maria Valéria começou a escrever aos 60
Aos 77 anos, Maria Valéria começou a escrever aos 60   Foto: Adriano Franco/Divulgação

Enquanto muitos sonham em passar dos 60 anos para chegar à aposentadoria e não pensar em mais nada, outros descobrem nesta fase da vida, a chamada Terceira Idade, um potencial para desenvolver um ofício diferente. E ser escritor torna-se a nova função de quem, por anos, acalentou o amor pela escrita.


“Até na natureza, os frutos são mais saborosos são aqueles que estão maduros. Manga verde só vai te trazer amargura”, filosofa o escritor gaúcho Valdi Ercolani, que publicou seu primeiro livro há 20 anos e, atualmente, aos 80, prepara o quinto livro que encerra uma saga inspirada na sua vida.


Após vivenciar de perto muitos dos acontecimentos da história do País, nos anos 60 e 70, percorrer o mundo, trabalhar com artes gráficas e cinema, ele sentiu que estava pronto para exercitar a escrita, com subsídios suficientes para deixar alguma coisa registrada para o futuro.


“Mas ainda não sabia ao certo o que colocar no papel. Levei cinco anos para definir isso, uma coisa que estava o tempo todo na minha frente, a um palmo do meu nariz”, conta ele, que decidiu se inspirar na sua infância na área rural do Rio Grande do Sul. Assim nasceu Inocêncio e a Criança Divina, livro com um quê autobiográfico de Ercolani.


A história do personagem principal, Inocêncio, se transformou em uma saga e o autor prepara agora o quinto e último livro. “Inocêncio já compreendeu sua jornada e corrobora dos ensinamentos, mas descobriu mais coisas e enfrentou seus dragões. É o Inocêncio avô que retorna agora para passar o conhecimento para aqueles que vão começar sua jornada”, adianta ele. A nova obra ainda não tem data para ser lançada.


A santista Maria Valéria Rezende também se iniciou no mundo dos livros de romances e contos com idade avançada. “Usava os textos que escrevia para presentear amigos. Nunca pensei em publicar um livro. Mas um amigo que morava em São Paulo enviou o presente para uma editora, que me procurou para meu primeiro trabalho, Vasto Mundo”, lembra a vencedora de quatro prêmios Jabuti, hoje radicada na Paraíba.


Sua primeira publicação, lançada em 2001, é uma série de contos onde o narrador principal é o chão da vila onde se passam as histórias. O livro ganhou uma nova versão em 2015 e foi traduzido e publicado na França em 2017.


A escritora, que está com 77 anos, já perdeu a conta de quantas obras publicou desde então. Mas sabe que não vai parar tão cedo. “Já estou fazendo mais dois. Um já estou redigindo e outro com a ideia na cabeça. Mas não entro nesta pressão, nesta rotina de escritor de me colocar uma data para publicar.”


O português Silvestre Gomes, que veio no início da juventude para o Brasil, também colocou suas memórias e a ficção para escrever E Agora? em 2017, quando tinha 67 anos, relembra a diáspora portuguesa, quando ele e milhares de jovens deixaram os vilarejos para não terem de servir o exército nas colônias do continente africano. De lá para cá, ele que tem um restaurante no Centro de Santos, já publicou outros dois títulos pela editora portuguesa Chiado: A Lapa e O Diário e o Livro.


Outro exemplo claro de quem seguiu o coração e se destacou na literatura é a escritora Cora Coralina, considerada uma das maiores poetisas de língua portuguesa do século 20, que começou a publicar seus livros aos 75 anos de idade.


Para a psicóloga e gerontóloga Sonia Fuentes, escrever nesta fase é uma oportunidade de por para fora as lembranças e se diferenciar e dar sentido à vida. “O psiquiatra americano Erik Ericson já dizia que na última fase da vida, que começa aos 60 anos, é quando você deve experimentar e ter o dever de por para fora as coisas que carrega. Colocar isso no papel é um caminho”.


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