Madô Martins publica milésima crônica no próximo domingo

Colunista de A Tribuna fez sua estreia há 20 anos e mantém tom coloquial nos textos

Por: Da Redação  -  03/11/20  -  12:41
Atualizado em 03/11/20 - 13:05
Obra brinda o leitor com belas aquarelas de Simone Schumacher e foto emblemática de Pablo Basile
Obra brinda o leitor com belas aquarelas de Simone Schumacher e foto emblemática de Pablo Basile   Foto: Arquivo Pessoal

No próximo domingo, a colunista Madô Martins publica sua crônica número 1.000 em A Tribuna. A sequência ininterrupta teve início há 20 anos. Inicialmente era mensal, mas logo virou passou a ser semanal, na página 2 do Galeria.


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“Tudo começou com o honroso convite da editora Beth Capelache, para preencher o espaço antes ocupado pelo saudoso Narciso de Andrade e onde também escreveram Roldão Mendes Rosa, Lydia Federici e Zezinha Aranha de Rezende, entre outros”, comenta a autora.


A primeira crônica de Madô Martins, publicada em 23 de julho de 2000, já contava com uma característica mantida até hoje, o tom coloquial. 


“Era um desafio escrever crônicas com data marcada, para quem sempre se considerou, acima de tudo, poeta. Mas já havia um flerte com a prosa, desde a coluna Conhecendo a Cidade que eu assinava no Diário Oficial de Santos, contando a história dos antigos comerciantes e curiosidades locais”, lembra a escritora.


A cronista conta que passou por uma ótima escola de texto nos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. 


“Era uma época em que havia matérias de página inteira e o estilo de cada repórter contava muito. Antes disso, ingressei no jornalismo profissional no extinto Cidade de Santos, atuando como copydesk por quase cinco anos, o que também foi importante para o aperfeiçoamento da minha linguagem”.


Hoje, poesia e prosa caminham juntas na carreira literária de Madô, que tem 16 livros publicados. Na crônica, desdobra-se na criação semanal para as edições de domingo do caderno Galeria, editado por Carla Zomignani, e outra, quinzenal, para a revista virtual Rubem, onde Henrique Fendrich reúne cronistas de todo o País. 


De toda essa vivência, nasceram dois livros: Voo de Borboleta, editado pela Leopoldianum, da Universidade Católica de Santos, e Som das Conchas, pela Editora Kazuá. Ambos trazem coletâneas dos trabalhos apreciados pelo público leitor dos dois veículos.


“Os leitores são o principal incentivo”, diz a cronista. “É muito gratificante receber mensagens, cumprimentos e até, confidências. Alguns me dizem que recortam e guardam as crônicas de domingo, outros, que a coluna é a primeira coisa que leem no jornal dominical, e ainda há os que se identificam completamente com minhas linhas, afirmando viver situações análogas”. 


Sempre inspirada


Talvez por isso, inspiração nunca faltou para os mil textos de A Tribuna e os 200 na Rubem. “Tenho o cuidado de criar com exclusividade para um e outro veículo, sempre pensando no que seria prazeroso para o leitor”.


Assim, longe de ser obrigação, escrever crônicas “é um hábito instigante e realizador. Não falho nem quando saio de férias”.


A primeira crônica: Uma Rua


Uma rua é só uma rua, até que se more nela. Quando fui morar onde estou, há mais de dez anos, não gostei nada do que vi.


A praia ficava longe, crianças encardidas brincavam descalças na esquina, homens de rua dormiam sob as marquises, caminhões e caminhões a caminho do cais faziam tudo tremer.
Eu vinha de um bairro nobre, de um revés da vida, e me sentia mesmo banida do Paraíso. A rua era a prova disso.


Com o tempo, o estranhamento foi passando. Comecei a reparar que a rua tinha árvores frondosas, idosas, que abrigavam uma cidade de passarinhos e cigarras.


Conheci gente boa, solidária, alguns até agora meus vizinhos. E fui colecionando pequenas afetividades sem notar como ia ficando carregada a mochila da memória: a floração anual dos ipês-rosa na pracinha, o apito do amolador de facas, os cães sem nome, tão familiares...


Notei que na rua sobreviviam muitos sobrados e bangalôs. Suas janelas, especialmente aos domingos, ainda hoje exalam música e perfumes de pratos apetitosos. Inclusive onde moro, há também jardins, visitados por borboletas, beija-flores, bem-te-vis, rolinhas e, claro, gatos boêmios, seresteiros às vezes.
Algumas pessoas tornaram-se referência do lugar. Penso que, se por algum motivo não pudesse enxergar, certamente saberia o ponto exato onde me encontro, pelos seus cumprimentos.


Na padaria, os donos portugueses, que sabem de cor meu pedido diário. Em frente a ela, a banca de jornais com o casal de espanhóis, sempre solícito. Mais adiante, o sobrado com sacada, onde o par idoso passa o entardecer conversando em poltronas de madeira e de lá nos acena.


As crianças viraram garotas e rapazes, que continuam na esquina, agora exibindo as bicicletas, os skates, as motos, as pranchas de surf.


Os cachorros envelheceram, mas ainda posam de donos do território, seguindo antigas trilhas. Os ipês florescem pontualmente, pintando a praça com rosas delicados.


O amolador ganhou a companhia de outros ambulantes, entre eles, o vendedor de mandioca que lembra uma figura de Diego Rivera. Sempre que posso, o fotografo com os olhos.


Ele acomoda as raízes em círculos sobre um carrinho de pedreiro, e as cores das cascas escuras se fundem com o tom indefinido do carrinho, que por sua vez combina com o cimento da calçada.


No círculo de mandiocas empilhadas, brilham as pontas cortadas, de um branco imaculado. Anacrônico e silencioso, o vendedor vai parando de quando em quando para vender seu produto, pesado numa balança de mão cujo prato de latão está totalmente embaçado pelo uso.


Os caminhões continuam provocando terremotos de baixa intensidade e às vezes, por causa deles, penso em migrar para outra casa.


Mas aí a mochila de boas lembranças pesa sobre os ombros, o olhar circula pelas árvores, as casas, as pessoas, até a praça dos ipês e percebo que mudei ou mudou o Paraíso.


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