Legado e luta de Pagu permanecem vivos

A trajetória da jornalista marcou a história cultural do Brasil, como aponta a escritora e doutora Lúcia Teixeira

Por: Carla Zomignani & Editora &  -  07/06/20  -  15:25
Luta de jornalista está mais viva do que nunca entre nós.
Luta de jornalista está mais viva do que nunca entre nós.   Foto: Divulgação/Acervo Centro Pagu Unisanta

Mara Lobo, King Shelter, Solange Sohl, K B Luda, Ariel, Gim... Estes eram alguns dos pseudônimos que a jornalista, escritora e militante política e cultural Patrícia Galvão (1910-1962) usava em suas colunas nos jornais onde atuou, entre eles A Tribuna. Pagu, como era mais conhecida, foi uma mulher à frente do seu tempo e, se viva fosse, completaria 110 anos neste 9 de junho.

Na verdade, o tempo correto do verbo usado acima é no presente. Sim, porque o legado e luta de Pagu permanecem vivos (e atuais). Afinal, muitas das mazelas do mundo combatidas por ela, entre os anos 1930 e 1950, por meio de seu ativismo político e cultural, continuam a nos desafiar. 

A trajetória de Pagu marcou a história cultural do Brasil, como aponta a escritora e doutora Lúcia Teixeira, que desde 1988 pesquisa a vida e obra da jornalista, tendo publicado três livros sobre ela (ver matéria abaixo).

Também por iniciativa de Lúcia, foi montado, em 2005, o Centro Pagu Unisanta, que reúne mais de 3 mil documentos e cartas (algumas ainda inéditas) que servem como base de pesquisa em níveis nacional e internacional.

“Todo material de pesquisa que recolhi desde 1988 e se encontrava espalhado pelo Brasil e o mundo, orienta e serve de base para livros, teses, filmes, minisséries, uma forma de tornar acessível a todos a oportunidade de saber mais sobre a história de Pagu, da cultura brasileira e do Movimento Modernista, que completa 100 anos em 2022”, destaca Lúcia, que também vai relançar o site nesta terça-feira, totalmente repaginado e com amplo acervo digitalizado.

Algumas das cartas inéditas, aliás, têm marcas de lágrimas. E foram endereçadas ao modernista Osvald de Andrade (com quem foi casada e teve o filho Rudá), durante sua prisão em 1936, em São Paulo.

Aliás, Pagu foi a primeira mulher do Brasil a ser presa política. Isto ocorreu em Santos, em 1931, devido à sua bandeira ideológica.
A política, por sinal, sempre esteve muito presente na vida de Pagu, o que se refletia em parte na produção literária e jornalística. Ela militou em Santos, São Paulo e Rio de Janeiro. 

No livro Parque Industrial (1933), por exemplo, denuncia as mazelas e hipocrisias da sociedade, defendendo, sobretudo, as mulheres, exploradas por sua condição de gênero social ou como trabalhadoras. No romance A Famosa Revista, escrito 12 anos depois, a crítica é contra o partido que destrói valores éticos.

“Falar da história recente do Brasil e do mundo, o que Pagu viveu, reviveu, revirou, se reinventou, tem muito a ver com o momento atual, que exige esperança, responsabilidade, resistir contra totalitarismos, aprender com o passado para lidar com o presente, destruindo ódios e intolerâncias”, aponta Lúcia.

Poder da arte


O poder da arte como arma de transformação e diálogo também sempre permeou a luta e o trabalho de Pagu, seja por meio dos seus artigos em jornais como A Tribuna – onde mantinha colunas sobre cultura, seja pela defesa da classe artística. 

Tanto assim que Pagu fez campanha pela construção do Teatro Municipal de Santos, conseguindo seu intento; incentivou a formação de grupos amadores e de teatro de vanguarda. Participou, ainda, da fundação da Associação dos Jornalistas Profissionais e da União do Teatro Amador.

Também foi em Santos que Patrícia Galvão viveu seus últimos 22 anos, ao lado do jornalista e escritor Geraldo Galvão Ferraz, um homem apaixonado e dedicado que entendia a ânsia de viver dela e dava a sustentação para os seus sonhos irrealizados.

Em 12 de dezembro de 1962, aos 52 anos, Patrícia Galvão morria em Santos, vencida pelo câncer.
 


Trilogia reúne vida e obra da jornalista


Lúcia Teixeira escreveu três livros sobre Pagu: Pagu – livre na imaginação, no espaço e no tempo (1988), Croquis de Pagu (2004) e Viva Pagu (2010). No resumo do terceiro livro da trilogia Pagu: Viva Pagu – Fotobiografia de Patrícia Galvão, escrito em coautoria com o jornalista Geraldo Galvão Ferraz, filho de Pagu (falecido em 2013), a vida da jornalista é apresentada em três blocos.


O primeiro fala das origens da família e vai até os 18 anos da biografada, quando conheceu o poeta modernista Raul Bopp, que a apresentou a Oswald de Andrade.

O segundo bloco começa com o início de sua relação com Oswald, com quem teve o filho Rudá, em 1930, e vai até sua libertação, em 1940, muito debilitada depois de passar quatro anos e meio em vários presídios políticos, passando a ser a primeira mulher presa no Brasil por motivos políticos, em 1931. Entre 1933 e 1935 visitou a China, o Japão, a União Soviética e passou uma temporada em Paris, onde também foi presa.

Durante a estada em Moscou, desencantou-se com o comunismo, mas pouco depois de retornar ao Brasil, em 1935, foi presa em consequência do fracassado movimento comunista de 1935. Parte considerável da iconografia deste bloco é formada por reproduções facsimilares de cartas (principalmente as enviadas para Oswald, de quem se separou em 1935, e Rudá) e de informes e prontuários do Deops, mostrando que era vigiada de perto pelo Governo Getúlio Vargas.

Os últimos 22 anos de sua vida são apresentados no terceiro bloco, período no qual a militância política aos poucos deu espaço à militância cultural. Pagu casou-se com Geraldo Ferraz, com quem teve o filho Geraldo Galvão Ferraz e ambos trabalharam em vários jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Santos (A Tribuna) – cidade onde se fixaram em 1954. 

Ela manteve intensa atividade como cronista e crítica literária, além de se envolver cada vez mais com teatro, traduzindo, produzindo e dirigindo peças de autores praticamente ignorados no Brasil dos anos 1950, como Francisco Arrabal, Eugène Ionesco e Octavio Paz. Tornou-se uma das principais animadoras do teatro amador santista, origem de nomes como Plínio Marcos.

O volume traz ainda uma cronologia; uma bibliografia de obras de Patrícia Galvão; uma bibliografia sobre ela; um breve capítulo sobre o envolvimento de Pagu com Santos, muito presente na vida dela na adolescência, na fase de militância política – quando residiu na cidade e trabalhou como operária – e nos últimos anos de vida. 

 


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