Encontro de Marés, uma reflexão feminina

Romance foca no preconceito e na violência contra a mulher negra

Por: Egle Cisterna & Da Redação &  -  14/01/20  -  12:12
Atualizado em 14/01/20 - 12:14
Manuela Marques Tchoe é baiana, mas mora há 15 anos na Alemanha
Manuela Marques Tchoe é baiana, mas mora há 15 anos na Alemanha   Foto: Divulgação

Além de belezas naturais do Brasil, o romance Encontro de Marés, de Manuela Marques Tchoe, traz como pano de fundo problemas pouco discutidos na literatura nacional, como a exploração sexual infantil e as mulheres negras.


O livro conta a história de mãe e filha separadas por circunstâncias cruéis da vida. A obra é ambientada em cenários nacionais, como Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ), Ouro Preto (MG), Chapada Diamantina (BA) e Blumenau (SC), e se passa ao longo de quase três décadas.


Na trama, Rosa é uma criança inocente que vive com sua carinhosa avó Dalva na Salvador dos anos de 1980. Aos 12 anos, ela tem a infância interrompida quando seu pai, Benedito, a sequestra e a obriga a se prostituir.


Outra personagem é Mariana, que, anos mais tarde, chega ao Rio de Janeiro a contragosto, obrigada a trabalhar em um projeto na favela da Rocinha e encarar o passado. Quando criança, fora deixada em um orfanato e adotada por um casal de alemães. Para tentar esquecer traumas, ela nega suas origens. Aos poucos, Mariana reconecta-se com o Brasil, decide buscar respostas sobre o passado e descobre que sua vida está entrelaçada à de Rosa.


A autora, uma brasileira que mora há 15 anos na Europa, destaca que a ideia do romance surgiu como uma história entre mãe e filha, que mais tarde tomou a proporção de abordar diversos temas positivos e negativos do Brasil. “Por um lado, quis abordar a prostituição infantil no Nordeste, que é pouco discutido no mundo literário. Quando se aborda questões sociais no Brasil, foca-se muito na violência e na pobreza das grandes cidades, o que eu também inseri na obra, mas não de forma tão marcante como a prostituição infantil”.


Apesar do tema considerado pesado, ela procurou dar leveza ao texto, não mostrando apenas o aspecto negativo do País, mas também a beleza da cultura nacional, como a MPB, gastronomia, candomblé e diversas paisagens do País.


Outro fato que desperta a curiosidade é o fato de Manuela, loira de pele clara, optar por escrever sobre mulheres negras. “Eu acho imensamente importante abordar essa luta, porque são elas, em sua maioria, que estão mais vulneráveis para passar pelas situações descritas na obra”.


Morar em Munique, na Alemanha, também aumentou sua vontade de falar de preconceito. “Foi a primeira vez que eu sofri preconceito. Não pela cor da pele, mas por ser mulher e estrangeira. É claro, não é a mesma coisa e não chega nem perto do que muitas mulheres negras passam. Mas ter sofrido isso foi uma forma de abrir os olhos, porque tive, querendo ou não, privilégios associados ao fato de ser branca na Bahia. E quando você está no exterior, esse ‘privilégio’ desaparece completamente".


Esse é o segundo livro de Manuela, que também é autora de Ventos Nômades, uma coleção de contos que cruzam continentes e exploram o desejo de viajar e a vida de imigrante. Atualmente, ela trabalha em mais dois projetos: o livro de crônicas Comida de Gringo, que deve ser lançado neste semestre, e um romance que retrata a experiência dela no Egito, com um egípcio.


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