Em entrevista, Eduardo Dussek fala sobre pandemia, carreira e muito mais

Aos 64 anos, o cantor, compositor, pianista, ator e humorista, foge de padrões e rótulos

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  08/01/22  -  12:59
Eduardo Dussek:
Eduardo Dussek:   Foto: Divulgação

MPB, rock, teatro e humor. Um nome resume e harmoniza todas essas expressões musicais e artísticas como ninguém: Eduardo Dussek. Aos 64 anos, o cantor, compositor, pianista, ator e humorista, foge de padrões e rótulos. Nasceu no Rio de Janeiro, em uma casa de artistas – o pai era gravurista, a mãe, pianista –, desde cedo, Dussek trocou a arquitetura por outras artes.


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A porta de entrada foi o piano, que começou a dedilhar aos 6 anos e chegou a tocar no teatro, para Marieta Severo, por exemplo, ainda aos 15 anos. Por volta de 1978, com apenas 20 anos, já tinha canções gravados por gente de peso, como Ney Matogrosso, As Frenéticas e Maria Alcina. A estreia fonográfica se deu em 1980, com o álbum Olhar Brasileiro.


Mas o sucesso, de fato, veio dois anos depois, com Cantando no Banheiro, que traz clássicos como Barrados no Baile, Cabelos Negros e Rock da Cachorra. Dussek se apresenta hoje no projeto O Som das Palafitas, no canal do YouTube do Arte no Dique, que homenageia os 80 anos de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Nesta entrevista, ele fala sobre a influência de ambos na sua obra – e até na sua expressividade. Também comenta sobre o Mal de Parkinson, de que sofre desde 2015. E de como vê a possibilidade da regeneração do mundo, após a pandemia.


Você é muito mais do que um cantor e compositor, é um showman. Como você se percebeu artisticamente, juntando elementos de música, teatro e humor?


Parti da premissa de que eu queria me comunicar com a pessoa que assiste e isso foi me dando curiosidade... já tinha tido uma preparação de artes plásticas quando era criança, porque meu pai era pintor e gravurista; já minha mãe, era pianista; e minha família tinha um humor muito afiado, sarcástico. Isso tudo foi me influenciando no início. Estudei piano desde os 6 anos. E quando eu quis me libertar da Arquitetura – eu já era formado técnico em edificações e cursava Arquitetura –, eu tinha interesse pela forma, pelo visual. No início, misturei o teatro, fui pianista da Marieta Severo, da Camila Amado, do Marco Nanini, Wolf Maia. Isso acabou influenciando também. Aí, veio a oportunidade de fazer música como compositor, cantor. Abracei tudo isso e lá se vão 40 anos.


Falando apenas de música: você transita por vários ritmos diferentes. O que costumava ouvir que te influenciou?


Em casa eu ouvia de tudo: bossa nova, Beatles, samba de raiz. Morava perto do Morro do Boréu, tinha meus amigos do morro, a gente empinava pipa, depois ia para o samba. Já garoto, cantava muita bossa nova, isso em 1965. Então veio a Tropicália, gostava de Tim Maia, de Rita Lee. O primeiro contato com a Tropicália foi com gilberto gil. Quando eu era pré-adolescente, fui na casa de um amigo que tinha comprado um aparelho estéreo. até então era tudo mono. Aí, ele botou o disco do Gil cantando Lunik 9, “Poetas, seresteiros, namorados, correio/É chegada a hora de escrever e cantar/Talvez as derradeiras noites de luar” por causa do homem na Lua. Fiquei tão impressionado com aquilo, fiquei querendo saber quem era aquele cara. Aí, acabou aparecendo o Caetano com Alegria, Alegria. Depois, vi Bethânia em um programa do Chacrinha, que eu fui convidado a assistir como estudante. Tava lá ‘quem quer bacalhau’, e. de repente, entra uma mulher vestindo um palazzo pijama – como se fosse um macacão, mas era mais chique –, aquela coisa Paco Rabane, estilosa. e com uma peruca louquíssima, uma expressividade, cantando Aquele Abraço. Fiquei tão louco, pensei ‘quero saber que gente é essa’. Depois veio a Gal cantando London London, me apaixonei.


Pelo estilo musical e a teatralidade, você acha que tem algo em comum, por exemplo, com a Blitz? Como se definiria na música?


Evidentemente, tem a ver com a Blitz, aquelas pessoas ligadas ao Circo Voador. Era uma nova linguagem, que varria por sobre aquela cinza que a ditadura deixou ali, Era uma turma que estava se unindo pra fazer o povo rir. Minha teatralidade vem muito daí.


Fale um pouco sobre o sucesso. Há quem diga que é uma droga. Qual a estrutura para vivê-lo sem danos? Como é para você?


O sucesso, como motivo e resultado, é bom para a obra de arte. Mas o sucesso mesmo é uma m... É um saco. Você passa a não ser mais dono de você. As pessoas passam a achar que você é propriedade delas e, de certa forma, elas têm razão: elas estão comprando você no mercado. E ai de você que não faça o que elas querem.


Você cantou o fim do mundo em Nostradamus. Estamos passando por algum ‘fim do mundo’, de alguma maneira? Ou temos futuro.


Acho que sim e acho que não. As pessoas estão precisando de orientações mais veementes do universo. As pessoas estão aprontando muito, em relação à Terra e ao universo, e em relação ao universo de cada um, ao interior das pessoas. Isso é mau. Por outro lado, há uma chance que a natureza está nos dando, que Deus está nos dando, se quiser chamar assim – pra mim, Deus é tudo, não é o cara sentado no troninho; é essa força que te põe de pé, que te faz rir, faz chorar. Mas rimos pelo nosso cérebro e isso não está sendo trabalhado: vide os líderes que temos por aí – nem quero comentar. Precisamos aprender que temos de ser respeitosos com a natureza, respeitosos com as pessoas, considerar qualquer pessoa, ser humano, ser vivo, uma dádiva - temos que agradecer e não atacar as pessoas. Atacam por opção sexual, por raça, por ser mulher, como pode? Tudo isso é muito pesado. Não pense que maus pensamentos não fazem mal, fazem muito mal. Quanto mais pensamento ruim, pior você traduz o seu habitat.


Imagino que a pandemia tenha atrapalhado muita coisa. Como ela afetou você e o seu trabalho? Por outro lado: você acha que a pandemia, de alguma forma, trouxe algo positivo para você e de maneira geral? O mundo sai melhor dessa?


Para mim, a pandemia não afetou muito, porque eu tive a sorte de ter um apoio. Agora, essa pandemia veio para mostrar que a vida não vale nada e vale tudo ao mesmo tempo. Vale, porque você tem como aprender coisas necessárias, vibrar, ir em cima, elevar. Vamos ver se serve para isso. Tenho esperança de que vai transformar esse mundo, tem que transformar, o mundo não vai acabar, o que vai acabar é esse modelo em vigência.


Gilberto Gil foi padrinho da sua banda, nos anos 70. Como se conheceram? E como é, agora, fazer esse show em homenagem a ele e a Caetano? Prepara um repertório especial?


Fui apresentado ao Gil pela Mariinha, uma empresária que estava também na causa negra. Eu precisava fazer uma apresentação de de um projeto do qual eu ia participar, precisava de um padrinho. O Gil já tinha ido em casa com o Sérgio Natureza (jornalista, produtor cultural, poeta e compositor), ele levou o Gil em casa,nessa época, eu fazia shows em casa, botava uns refletores e tocava. O Gil foi, olhou e disse: ‘os refletores são de lata de Leite Ninho, mas o show é profissional’. Eu fiz uma música para o Gil, vou dar duas músicas para ele, vou cantar umas duas ou três dele e homenageá-lo.


Em 2015, você revelou que está com o Mal de Parkinson e expressou a ideia de escrever um livro sobre isso. Essa ideia vingou? Quais são seus projetos?


O livro está fora de cogitação. não me sinto autorizado a falar sobre Parkinson, uma doença que tem multifacetas que devem ser estudadas ainda. Eu tenho meu método de trabalho, de cura, e de me tornar bem, com disciplina, Temos 2% da população com Parkinson no Brasil. é muita gente. e é uma doença muito cara, os remédios são muito caros. tem apenas um na farmácia popular. Estou me ligando a uma ONG que faz um trabalho sobre isso, e também com artes plásticas, que vai ajudar o parkinsoniano. Você tem que ver a doença como um fator de iluminação, não como um castigo. A doença vem porque você se estressou demais, destruiu uma parte do cérebro. Mesmo que seja um contrassenso, você tem que agradecer pela doença, que pode te transformar.


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