Easy Rider: contracultura sobre rodas

Filme deu forma definitiva ao 'road movie' e ao mito da motocicleta como símbolo de liberdade

Por: Eduardo Cavalcanti & Colaborador &  -  04/08/19  -  15:30
Easy Rider permanece como um dos poucos filmes que podem reivindicar o status de marco cultural
Easy Rider permanece como um dos poucos filmes que podem reivindicar o status de marco cultural   Foto: Arte/ Mônica Sobral

Peter Fonda joga fora seu relógio de pulso numa das sequências iniciais de Easy Rider e pega a estrada na sua chopper sem destino, como explica o título no Brasil. Nesse momento, o filme do diretor e ator Dennis Hopper criou dois mitos, o da motocicleta como símbolo de liberdade e o da contracultura como artefato pop; e deu forma a um gênero, o road movie. Não foi pouco, e não é por menos que o longa-metragem se tornou uma lenda cinematográfica, desde que estreou, em julho de 1969, em pleno ápice dos sixties.


Easy Rider não é só um filme. É um acontecimento celebrado há 50 anos pelo seu significado na história do cinema, o ponto em que Hollywood reconheceu a cultura jovem como legítima, e não só mais uma lucrativa fonte de filmes B apelativos sobre rebeldia sem causa. No processo, sancionou a tomada do poder por uma legião de novos diretores/autores (Coppola, Scorsese, William Friedkin, Brian De Palma, Spielberg).


Esse movimento, conhecido como Nova Hollywood, teve em Easy Rider uma de suas vitrines mais notórias. Livre dos clichês de motociclistas arruaceiros que apareciam nas telas desde que Marlon Brando inventou o tipo em O Selvagem (1953), a jornada de Hopper e Fonda era uma celebração do espírito contracultural do turn on, tune in, drop out, seguido pelos hippies que queriam cair fora da sociedade. Mas também trazia um alerta. A intolerância estava sempre à espreita para colocar um preço na busca pela liberdade.


A odisseia das choppers (as motos customizadas, de garfo longo, dos personagens principais) começava rumo a uma festa e terminava no coração das trevas. Era um prenúncio do fim de uma era, a do sonho hippie de paz e amor, e o início de outra – a da contracultura como um conceito assimilável pelo público em geral e, portanto, lucrativo. Todos os filmes sobre a contestação, pacífica ou radical, dos anos 60 vinham com o carimbo de alternativo, underground, Easy Rider levou sexo, drogas e rock and roll ao mainstream, e de lá eles não saíram mais. Born to Be Wild, da banda de acid rock Steppenwolf, toca durante os créditos iniciais e ainda é o hino oficial de todo grupo de motociclistas na galáxia. Esse também foi o filme que inaugurou o conceito da trilha sonora como coletânea musical descolada, juntando também faixas de Jimi Hendrix, Byrds e The Band – todos no auge do sucesso, na época.


Todo esse pacote passou não só a ser a regra entre as produções da Nova Hollywood, como tornou identificável o filme de estrada, o road movie. Steven Spielberg fez sua estreia com um dos melhores desse gênero, Encurralado (1971). E o cultuado diretor alemão Wim Wenders ganhou a Palma de Ouro, em Cannes, com o brilhante Paris, Texas (1984), embora praticamente toda a sua filmografia reflita, de algum modo, a obsessão por esse tipo de narrativa. Oliver Stone fez de seu Assassinos por Natureza (1994), das músicas ao enredo, uma versão perversa de Easy Rider.


É possível que muita gente tenha absorvido as influências e referências culturais do filme sem ter, efetivamente, visto qualquer uma de suas cenas. Para o público mais jovem, há a atração extra de ver Jack Nicholson antes do estrelato, mas já desenvolvendo os mesmos maneirismos que acompanham o ator até hoje. Mesmo assim, com toda a fama do filme, será inevitável um certo estranhamento em relação aos cortes e transições de cena, sem qualquer conexão com as técnicas de edição atuais, assim como às diversas escolhas de lentes e ângulos inusitados.


Apesar desses experimentalismos típicos da época, Dennis Hopper realizou um punhado de outros filmes ao longo da carreira, e poucos deles chegaram perto de ser tão acessíveis. Antes, ele fez The Trip (1967), um exploitation sobre viagens de LSD, e, mais tarde, os cultuados The Last Movie (1971) e Out of the Blue (1980). Mas foi como ator que Hopper se tornou mesmo conhecido, principalmente a partir do papel do psicopata Frank Booth, no neo-noir surrealista Veludo Azul (1986), de David Lynch.


Inúmeros filmes contraculturais, do Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni, até as comédias da dupla stoner Cheech & Chong e além, vieram no rastro das Harleys icônicas de Dennis Hopper e Peter Fonda. Mesmo assim, Easy Rider permanece como uma das raras produções cinematográficas que podem reivindicar, sem risco de erro, o status de marco cultural. Nisso, ele não tem como ser superado.


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