Submissas, serenas e sexuais. Esses são alguns dentre os tantos estereótipos que acompanham mulheres asiáticas ao longo de suas vidas, deixando profundas marcas psicológicas e, muitas vezes, físicas. Dando voz a essa dor, duas jovens de Santos estão desenvolvendo o documentário Fetiche Asiático, produzido de forma independente a partir de vivências pessoais e mais de 100 depoimentos de mulheres asiático-brasileiras.
“Não queremos que seja um filme sobre nossas feridas. Queremos poder criar afeto e acolhimento a quem assiste”, ressalta Victoria Lam, que idealizou a produção com Júlia Yamamura, ambas de 22 anos.
Se apropriando de uma linguagem artística, subvertendo pré-conceitos, a ideia é que o projeto traga representatividade a mulheres asiático-brasileiras, amarelas ou marrons, cis, trans ou também não-binárias, que já se sentiram silenciadas ao falar sobre a questão.
Em três atos, entrelaçados com os depoimentos coletados, serão feitas performances repletas de referências a outras produções asiáticas. “Vamos dar espaço a corpos que não estão presentes regularmente na indústria. Que normalmente estão apenas cumprindo um ‘papel de cota”, diz Victoria.
Sensibilidade
O lançamento de Fetiche Asiático está previsto para o ano que vem. O processo tem respeitado o tempo da equipe envolvida, que em sua maioria é composta por mulheres asiático-brasileiras. Ler e digerir os materiais coletados requer sensibilidade. “Os relatos são bem pesados e me levaram a lugares que eu não gostaria de não lembrar. Mas, por mais que seja um processo artístico dolorido, é também um processo de reconhecimento e de luta”, acredita Julia.
Experiências
A partir de um questionário on-line, 150 mulheres brasileiras com ascendência asiática responderam perguntas sobre situações de fetiche a que foram expostas. Destas, mais de 100 enviaram depoimentos pessoais. Com todas essas experiências compartilhadas, Julia e Victoria expandiram ainda mais as percepções sobre situações de violência.
Um dos pontos que mais as chocou foi a quantidade de relatos das mulheres sendo comparadas a atrizes pornô. De acordo com o relatório PornHub 2019 Year in Review, “japonesa” foi a palavra-chave mais buscada por homens no site pornográfico durante 2019 - “coreana” e “asiática” também apareceram dentre as mais pesquisadas.
Além disso, os relatos mostram situações constrangedoras de assédio, em que são abordadas de forma invasiva – pelo estereótipo de submissão sexual que envolve as mulheres dessas etnias.
As jovens ressaltam também a figura do Yellow Fever, ou Asian Fever, que são pessoas que só querem sair com pessoas asiáticas, como uma obsessão fetichista.
A partir disso, de forma mais violenta, foram compartilhados casos de abuso sexual, estupro, stalker e, até mesmo, de cárcere privado.
“É muito doloroso ficarmos perguntando o que fizemos de errado para sermos tratadas assim, do porquê as pessoas não nos enxergarem como realmente somos”, desabafa Julia.
No caso dela, toda essa imersão a fez refletir sobre suas próprias relações, em que já chegou a “romantizar” esse fetiche quando adolescente, por ter sido a tônica de sua primeira relação amorosa, em meio a outras situações de aversão e preconceito. “Ninguém me explicou que aquilo podia acontecer”, diz, na esperança de que isso mude. O documentário virá para ajudar.
Reconstrução
"Com o aumento do hype em doramas e k-pop, a conversa sobre o preconceito com asiáticos tem aumentado muito, o que é muito importante. Mas não se fala sobre o fetiche, que é tratado como tabu por ir para um lado mais sexual. Temos que falar sobre isso para nos reconstruirmos", ressalta Júlia Yamamura.
A
Culturas distintas
Victória ressalta que a Ásia não se limita ao leste asiático – Japão, China e Coreia. Mas que, sim, engloba 45 países de pessoas amarelas e marrons.
Para ela, no processo de formação de identidade, isso faz com que a pessoa não entenda que lugar ela ocupa. Emerge, então, a importância do documentário Fetiche Asiático, criando uma rede de apoio por meio da arte. Mais informações serão divulgadas no Instagram @vivilam16 e @juliayamamura.