Documentário de santistas aborda sexualização e preconceitos com mulheres asiáticas

Fetiche Asiático deve estrear em 2022, e traz atuação de asiático-brasileiras, e seus estereótipos

Por: Beatriz Araujo  -  18/11/21  -  11:18
Atualizado em 18/11/21 - 13:54
Documentário de santistas denuncia os preconceitos contra mulheres com ascendência asiática
Documentário de santistas denuncia os preconceitos contra mulheres com ascendência asiática   Foto: Marina Vasconcelos/Divulgação

Submissas, serenas e sexuais. Esses são alguns dentre os tantos estereótipos que acompanham mulheres asiáticas ao longo de suas vidas, deixando profundas marcas psicológicas e, muitas vezes, físicas. Dando voz a essa dor, duas jovens de Santos estão desenvolvendo o documentário Fetiche Asiático, produzido de forma independente a partir de vivências pessoais e mais de 100 depoimentos de mulheres asiático-brasileiras.


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“Não queremos que seja um filme sobre nossas feridas. Queremos poder criar afeto e acolhimento a quem assiste”, ressalta Victoria Lam, que idealizou a produção com Júlia Yamamura, ambas de 22 anos.


Se apropriando de uma linguagem artística, subvertendo pré-conceitos, a ideia é que o projeto traga representatividade a mulheres asiático-brasileiras, amarelas ou marrons, cis, trans ou também não-binárias, que já se sentiram silenciadas ao falar sobre a questão.


Em três atos, entrelaçados com os depoimentos coletados, serão feitas performances repletas de referências a outras produções asiáticas. “Vamos dar espaço a corpos que não estão presentes regularmente na indústria. Que normalmente estão apenas cumprindo um ‘papel de cota”, diz Victoria.


Sensibilidade

O lançamento de Fetiche Asiático está previsto para o ano que vem. O processo tem respeitado o tempo da equipe envolvida, que em sua maioria é composta por mulheres asiático-brasileiras. Ler e digerir os materiais coletados requer sensibilidade. “Os relatos são bem pesados e me levaram a lugares que eu não gostaria de não lembrar. Mas, por mais que seja um processo artístico dolorido, é também um processo de reconhecimento e de luta”, acredita Julia.


Experiências

A partir de um questionário on-line, 150 mulheres brasileiras com ascendência asiática responderam perguntas sobre situações de fetiche a que foram expostas. Destas, mais de 100 enviaram depoimentos pessoais. Com todas essas experiências compartilhadas, Julia e Victoria expandiram ainda mais as percepções sobre situações de violência.


Um dos pontos que mais as chocou foi a quantidade de relatos das mulheres sendo comparadas a atrizes pornô. De acordo com o relatório PornHub 2019 Year in Review, “japonesa” foi a palavra-chave mais buscada por homens no site pornográfico durante 2019 - “coreana” e “asiática” também apareceram dentre as mais pesquisadas.


Além disso, os relatos mostram situações constrangedoras de assédio, em que são abordadas de forma invasiva – pelo estereótipo de submissão sexual que envolve as mulheres dessas etnias.


As jovens ressaltam também a figura do Yellow Fever, ou Asian Fever, que são pessoas que só querem sair com pessoas asiáticas, como uma obsessão fetichista.


A partir disso, de forma mais violenta, foram compartilhados casos de abuso sexual, estupro, stalker e, até mesmo, de cárcere privado.


“É muito doloroso ficarmos perguntando o que fizemos de errado para sermos tratadas assim, do porquê as pessoas não nos enxergarem como realmente somos”, desabafa Julia.


No caso dela, toda essa imersão a fez refletir sobre suas próprias relações, em que já chegou a “romantizar” esse fetiche quando adolescente, por ter sido a tônica de sua primeira relação amorosa, em meio a outras situações de aversão e preconceito. “Ninguém me explicou que aquilo podia acontecer”, diz, na esperança de que isso mude. O documentário virá para ajudar.


"Eu não queria ser asiática. Não queria estar nesse lugar de fetichização, só podendo ser uma mulher quieta e submissa. Todo esse fetiche e estereótipos sobre nós nos afastam de quem nós realmente somos e podemos ser", declara Victoria Lam, uma das idealizadoras do documentário.   Foto: Marina Vasconcelos/Divulgação

Reconstrução

"Com o aumento do hype em doramas e k-pop, a conversa sobre o preconceito com asiáticos tem aumentado muito, o que é muito importante. Mas não se fala sobre o fetiche, que é tratado como tabu por ir para um lado mais sexual. Temos que falar sobre isso para nos reconstruirmos", ressalta Júlia Yamamura.


Ásia vai muito além do 'oriental'

A Ásia vai além das gueixas japonesas, dos imperadores chineses e do regime de ditadura da Coreia do Norte. Inclusive, o oriental “não existe”, conforme desmistificam Victoria e Julia, sendo um conceito criado pelo ocidente em vista da diversidade da cultura asiática.


As jovens se aprofundaram nessas questões históricas ao fazerem o curso Decolonialidade e Arte Asiática, ministrado por Ricca Lee, militante no assunto, no ano passado. Foi após esse curso, inclusive, que elas se aproximaram e passaram a trabalhar juntas.


Culturas distintas

Victória ressalta que a Ásia não se limita ao leste asiático – Japão, China e Coreia. Mas que, sim, engloba 45 países de pessoas amarelas e marrons.


Além disso, a jovem cita que é comum pessoas asiáticas serem “lidas” como pessoas brancas em certos ambientes, sendo privilegiadas muitas vezes por conta disso. “Isso é muito violento. Porque quando convém, em situações ofensivas, de xenofobia, preconceito ou fetiche, aí você é lida como uma asiática”.


Para ela, no processo de formação de identidade, isso faz com que a pessoa não entenda que lugar ela ocupa. Emerge, então, a importância do documentário Fetiche Asiático, criando uma rede de apoio por meio da arte. Mais informações serão divulgadas no Instagram @vivilam16 e @juliayamamura.


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