Do ritmo de aventura ao romantismo, 80 anos de Roberto Carlos

Nesta segunda (19), Roberto Carlos Braga, o homem que carrega e se confunde ao artista, completa mais um aniversário

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  19/04/21  -  07:02
  Carreira de Roberto Carlos é desvelada em livro
Carreira de Roberto Carlos é desvelada em livro   Foto: Foto: Reprodução/Twitter

São tantas emoções. Basta pensar na frase para a mente evocar um sorriso, um jeito, uma voz. Desde 1959, quando foi crooner da Boate Plaza, em Copacabana, a persona que encarna a frase vem traduzindo a melodia do Brasil. Hoje, Roberto Carlos Braga, o homem que carrega e se confunde ao artista, completa 80 anos. “Me sinto bem. Me sinto com menos idade do que tenho. Sou um cara com muitos sonhos aos 80 anos”, disse Roberto, em uma entrevista que jamais aconteceu.


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Entrevista que jamais aconteceu? Explica-se: chegar ao Rei não é tarefa para qualquer plebeu.


Entramos em contato com a assessoria há duas semanas. Fomos informados de que Roberto não dá entrevistas por telefone, nem por videoconferência. E que está recluso, por causa da pandemia.


Mas havia uma opção: receber por escrito as respostas a perguntas enviadas pela imprensa desde março, que Roberto se comprometeu a responder. E eu achando que estava bem adiantado ao entrar em contato duas semanas atrás.


Talvez tenha subestimado os 140 milhões de álbuns vendidos, em cinco línguas, e em pelo menos 30 países. É, devo ter subestimado o brilho da coroa e o alcance do reinado.


“É uma demonstração de carinho que recebo das pessoas e à qual eu agradeço muito, muito”, escreve, sobre ser chamado de Rei.


Meu pequeno cachoeiro


Mas um rei não chega ao trono do dia para a noite. Aos 9 anos, ele estreou na Rádio Cachoeiro de Itapemirim, cantando Amor Y Mas Amor, um bolero de Bobby Capó. O cachê foi um punhado de balas. Mas o cantor mirim agradou tanto, que bateu cartão na emissora ao longo dos anos 50. Começou ali a se aproximar dos palcos e a se afastar da Medicina, profissão que a mãe sonhava para o filho. “Faria tudo igual (hoje)”, Roberto não titubeia.


O “tudo igual” inclui a mudança para o Rio de Janeiro, na segunda metade dos anos 50. Nessa época, se forma a Turma da Tijuca, grupo de jovens aspirantes ao estrelato que incluía boa parte do “PIB” musical brasileiro das décadas vindouras: Jorge Benjor, Tim Maia e Erasmo Carlos. Sobre este: “É meu irmão, meu parceiro em quase todas as canções que fiz até hoje”.


Nesse período, o coração do jovem cantor estava dividido entre o êxtase sutil da bossa nova e a flama explosiva do rock. João Gilberto, Elvis Presley... Na dúvida, pega-se tudo. Em 1961, Roberto lança o primeiro disco, Louco por Você, atirando pra todos os lados. Havia rock, havia bossa, mas também havia bolero e até chá-chá-chá.


“Se você tivesse 19, 20 anos hoje, que tipo de música estaria fazendo?”, é uma das perguntas da lista da assessoria. “Estaria fazendo o mesmo tipo de música que faço hoje. Esse Cara Sou Eu (2012) e Sereia (2017) são exemplos disso”.


Mas pra chegar aí, houve uma grande depuração. Naquele primeiro álbum, a porção roqueira se sobressaiu e deu o tom da carreira. Surgiram Parei na Contramão, É Proibido Fumar e O Calhambeque.


Jovem guarda


Em 1965, a TV Record se viu com um problemão: as transmissões de futebol foram proibidas e não havia o que veicular nos domingos à tarde. A emissora, então, recorreu à agência de publicidade Magaldi, Maia e Prosperi, para elaborar algo.


Os idealizadores não se fizeram de rogados e lançaram mão de uma frase do revolucionário russo Vladimir Lênin para batizar o programa: “O futuro pertence à jovem guarda, porque a velha está ultrapassada”. Com o nome em punho e o formato definido, faltava um apresentador.


O olhar recaiu sobre aquele jovem com jeito tímido e voz afinada, que já fazia um certo sucesso com a juventude. Em 22 de agosto de 1965, ao lado dos amigos Erasmo Carlos e Wanderléa, Roberto comandava o Jovem Guarda pela primeira vez. No final daquele ano, lançou o álbum com Quero que Vá Tudo pro Inferno, um sucesso estrondoso. Já era o cantor a caminho de seu trono.


Soul romântico


No final dos anos 60, com o Jovem Guarda desgastado, Roberto foi para a Itália. Mas nada de período sabático: participou do prestigiado Festival de San Remo, defendendo Canzone Per Te. A vitória por lá, mais a incursão na soul music dos álbuns da época, distanciaram-no da imagem de cantor jovem e imaturo.


A guinada para a “vida adulta” foi sedimentada em 1970, na aclamada temporada de shows no Canecão. Com orquestra, maestro e grande produção, naquele palco morreu o rei da juventude e nasceu o Rei da Música Brasileira. Roberto Carlos chega aos 80 anos com a aura da eternidade.


Pandemia


“A Ciência é que realmente pode orientar o povo, o que deve ser feito em relação à vacina (...) Me vacinei, estou mais tranquilo e agora estou para receber a segunda dose da vacina. Repito: a vacina é muito importante e todos devem se vacinar. VACINA, SIM!!!”, diz Roberto.


“Quero pedir que levem a sério, sigam rigorosamente as orientações das autoridades do setor de saúde. Usem máscaras, lavem as mãos, usem álcool em gel, mantenham o distanciamento o máximo possível e tomem a vacina”, acrescenta.


Ocupado


Roberto tem na manga um dueto com Liah Soares para integrar a trilha da próxima novela da Globo, Um Lugar ao Sol, ainda sem data de estreia. Para 2022, estão previstas turnês no México, nos Estados Unidos e na Europa, além dos projetos Emoções em Alto Mar e na Praia do Forte. Também começará a ser rodado um filme biográfico, com direção de Breno Silveira. Será o quarto filme com Roberto Carlos no “papel principal”. Os outros: Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1967), Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa (1969) e Roberto Carlos a 300 km/h (1971).


A princípio implacável, crítica foi se curvando ao Rei


Se Roberto Carlos é rei, deve a coroa ao público. À crítica especializada, na maior parte de sua trajetória, o rei sempre foi sapo. Mas, como nos contos de fadas, recentemente o encantamento vem sendo quebrado. É o que mostra o livro Querem Acabar Comigo – Da Jovem Guarda ao Trono, a Trajetória de Roberto Carlos na Visão da Crítica Musical, do jovem jornalista Tito Guedes, do Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB).


“A relação dele com a crítica é muito específica. Por exemplo, sempre houve artistas que a crítica abraçava, como Caetano, Gil. E havia outros que nem se davam ao trabalho de falar, como Waldick Soriano, Reginaldo Rossi. Roberto acaba ficando no meio dos dois, principalmente a partir dos anos 70. A crítica o achava relevante para falar dos discos dele, mas não o legitimava”, analisa.


Assim como a carreira do Rei foi evoluindo, da mesma forma a relação da crítica com ele se modificou ao longo das décadas. Ainda nos anos 60, na Jovem Guarda, o tipo de crítica era mais crua, e até ofensiva, incluindo chamá-lo de “debiloide”, por fazer sucesso cantando sobre um calhambeque, como Tito cita no livro.


“A crítica reflete o período histórico. Nos anos 60, havia uma ditadura militar, era o alienado a serviço da música americana. A crítica compartilhada da visão de que o artista tinha que se posicionar politicamente”.


Já nos 70, a relação se tornou mais complexa, a crítica se empenha em aceitar o artista, mas com ressalvas. “Era muito recorrente um elogio à voz, ao intérprete Roberto Carlos, em quem viam uma ascendência de João Gilberto, mas não gostavam do repertório”.


Tito relembra uma definição de Zuza Homem de Mello, já nos 80, que descreve bem a ambiguidade observada. “Ele dizia que existiam dois robertos: um era o intérprete, o cantor magnífico, importantíssimo para a América Latina, para a cultura brasileira; o outro era o compositor, fraco, que seguia modismos”.


A partir dos anos 90, uma nova geração de críticos se debruçou sobre os álbuns dos anos 60, da Jovem Guarda, considerando-os obras-primas. Outros já apontam a fase da soul music, entre 1968 e 1971, com quatro álbuns, como a mais inspirada.


Descompasso


Em Querem Acabar Comigo (título de uma canção de Roberto, de 1966), Tito Guedes uniu o interesse por Roberto Carlos à observação de um fenômeno comum: o descompasso entre a opinião da crítica, seja ela literária, musical ou cinematográfica, e o gosto popular. “Isso acontece, por exemplo, nos best-sellers, que raramente são os livros abraçados pela crítica; na música, sempre aconteceu: os artistas que os críticos colocam no topo raramente são os que estão no topo das paradas”.


O lançamento é da editora Máquina de Livros e sai por R$ 42,00.


Canção Detalhes


“É o símbolo dessa transição (canto jovem para romântico). A crítica não gostava da Jovem Guarda. Quando ele começou nessa época (1970) a tocar no Canecão, Elis Regina foi ver o show, ele começou a se aproximar desse padrão da MPB e a ter parte de sua obra apreciada pela crítica” - Tito Guedes, Jornalista e pesquisador de música


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