Diretor do Sesc-SP fala sobre cultura, jornalismo e arte

Danilo Santos de Miranda é figura quase obrigatória em encontros e debates que versam sobre cultura e bem-estar social no Brasil

Por: Carlota Cafiero & Colaboradora &  -  04/08/19  -  16:18
Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc no Estado de São Paulo
Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc no Estado de São Paulo   Foto: Vanessa Rodrigues/ AT

Nascido em 1943, formado em Filosofia, Ciências Sociais e Administração, Danilo Santos de Miranda é figura quase obrigatória em encontros e debates que versam sobre cultura e bem-estar social no Brasil e no exterior. Diretor do Serviço Social do Comércio (Sesc) no Estado de São Paulo, entidade com a qual está envolvido desde 1968, Miranda possui grande capacidade de refletir e falar, muitas vezes de improviso, sobre questões delicadas da sociedade contemporânea. Por esta qualidade, unida à sua representatividade no mundo cultural, ao comandar 35 unidades do Sesc que promovem exposições, shows, peças, mostras de filmes, oficinas, atividades esportivas e programas sociais, ele foi convidado para abrir o seminário A Região em Pauta - Cultura, promovido por A Tribuna, na última segunda-feira (29). Antes de sua participação no encontro, concedeu entrevista.


A imprensa nacional virou uma espécie de bode expiatório para os males sociais. Que defesa podemos fazer a favor do bom jornalismo?


A boa informação é algo indispensável para a tomada de decisão por parte de qualquer cidadão, em relação à sua vida particular ou social. Mas é importante dar crédito a quem merece crédito e ter cuidado, um critério para verificar a origem das informações e checar as várias fontes. Certamente, o jornalismo é fundamental para a sustentação da democracia. Imprensa e democracia são elementos indissociáveis. Não há democracia sem imprensa livre. Não há imprensa livre sem democracia. Qualquer ataque à liberdade de expressão é algo muito perigoso, e a gente já observa algumas atitudes nesse sentido, em relação à informação, que comprometem um pouco essa perspectiva.


E em relação à livre expressão de ideias por meio da arte?


Pensar de maneira diferente é um direito inalienável das pessoas, e a liberdade de pensamento é também indispensável à democracia. A cultura é uma área que oferece uma grande quantidade de elementos sensíveis e questões delicadas com relação a comportamento, política e visões de mundo. A cultura manifestada através das expertises e opiniões significa correr riscos, no sentido de trazer para o debate temas sensíveis que são mal vistos por aqueles que possuem uma visão unificada e dura da realidade, por aqueles que não admitem a diferença. O grande segredo da questão cultural é a diversidade, é admitir que o outro tem o mesmo direito de pensar e se expressar. Esse é um dos elementos chaves para o desenvolvimento cultural de um país e uma nação.


O senhor acha perigoso quando a Ancine (Agência Nacional do Cinema) é levada pelo governo a estabelecer limites aos temas abordados no cinema?


Acho isso até inconstitucional, pois a nossa Constituição respeita a livre opinião, sem falar do risco para a sociedade de modo geral quando você boicota algum direito. Por exemplo, existem mil formas de novas famílias hoje em dia, e se você não vê isso, não está correspondendo ao que é a realidade.


E quando o pedido de censura vem do próprio público? Sabemos que o Sesc já teve de lidar com manifestações contrárias da plateia a espetáculos.


As manifestações vêm de uma minoria fanatizada por um pensamento único. Não se trata propriamente de um debate aberto e paritário, ou seja, com muita gente de um lado e muita gente de outro. Geralmente é um grupo reduzido com intenções de provocar uma espécie de boicote. Mas, apesar de raro, percebo que essa tendência na sociedade brasileira vem aumentando. Tivemos, por exemplo, o caso de uma peça, nascida em Santos inclusive (O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Rainha do Céu, com a atriz transexual Renata Carvalho), que, no Sesc Jundiaí, foi impedida pela justiça de ser apresentada (em fevereiro de 2018). Mas depois dos julgamentos em todas as instâncias, esse boicote foi derrotado. A liberdade na área artística permanece inalienável.


O Sesc valoriza a formação das crianças ao promover contação de histórias, teatro e literatura infantis, mas há um movimento, por parte da sociedade, pedindo a exclusão de obras que tragam personagens como bruxas e duendes. Como lidar com questões tão subjetivas?


Esclarecer é a questão central. Não se trata de fazer as pessoas acreditarem em algo, mas de fazê-las entender que a criança se desenvolve por meio do contato com a imaginação e a fantasia. É uma questão de caráter técnico e pedagógico, estudada por especialistas. Estamos falando de educação infantil, não de questões morais e ou religiosas.


Quais das manifestações culturais são mais presentes no nosso dia a dia?


A música e a dança são as linguagens mais permanentes no nosso dia a dia. Fazem parte do nosso funcionamento enquanto sociedade. Os brasileiros se envolvem muito cedo com a música e a dança, desde a relação da mãe com a criança. A música e a dança existem independentemente de incentivo, de programas, de política. Querer controlar isso não tem como, porque quem faz cultura não é a autoridade, o poder público, mas o povo.


O senso comum diz que o brasileiro não consome cultura tanto quanto deveria. O senhor concorda com isso?


Mesmo que a imprensa não mostre, a cultura está presente em nosso cotidiano. Tem gente que acha que não tem nada a ver com cultura, mas ouve música, fala, se veste, come, e não sabe que está inserido num processo cultural.


É justo esperar que os artistas ajudem a melhorar o mundo?


Esse é o papel do artista ético, que se coloca numa missão, numa posição de querer melhorar a sociedade por meio da contestação, da oposição. O artista ético reivindica o melhor para a sociedade, porque pensa no interesse do povo, da maioria, do interesse público. É uma pessoa que se opõe contra o estabelecido, contra uma visão unificada da realidade.


Isso me faz lembrar Tarsila do Amaral, cuja exposição bateu recorde de público no Masp.


Total. Uma mulher da classe agrária brasileira, poderosa e rica, fazendeira, de uma família tradicional, que vai estudar em Paris, onde recebe novas ideias, e passa a pintar negros, fábricas, operários. Mas ela coloca essas coisas de maneira discreta, sem ativismo político. Trabalhou no sentido de trazer o Brasil verdadeiro. Veja Abaporu, a tela mais importante, com milhões de pessoas indo atrás, parando a Avenida Paulista para ver essa obra de Tarsila. Isso tem a ver com o desejo nosso de ver nossas raízes.


Ela representou o Brasil que a grande mídia ainda não mostra.


Esse Brasil está lá embaixo, mas precisa meter a mão e trazê-lo para cima. Foi o que Tarsila fez, assim como na exposição (Gold – Mina de Ouro Serra Pelada) do (fotógrafo) Sebastião Salgado, que está no SESC da Avenida Paulista, a mesma avenida em que estava o Abaporu da Tarsila. Por que eu digo isso? A série fotográfica dos anos 1980 mostra garimpeiros desejosos de mudar de vida, que fizeram aquela invasão, aquele formigueiro, em Serra Pelada. É um fenômeno que não se vê mais. É a imagem do Brasil buscando sua identidade, indo atrás, não do ouro propriamente dito, mas de uma vida melhor, de milhares de pessoas que não tinham outra perspectiva e se mandaram de qualquer parte do País para lá (na região da Amazônia Paraense). Isso é uma coisa extraordinária do ponto de vista do significado. Vejo semelhanças entre Abaporu de Tarsila e Serra Pelada de Sebastião.


Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro disse que o índio quer a mesma coisa que a gente, para justificar o fim das reservas indígenas. O que o senhor pensa sobre essa afirmação?


É uma questão técnica, de especialistas. Tinha de chamar, em conjunto, antropólogos, sociólogos, estudiosos do preservacionismo, da questão do indígena, da história do indígena. Também tinha de ouvir os índios. Até hoje, passados mais de 500 anos, o branco europeu que chegou aqui errou em relação ao índio, e não vai ser agora que vai acertar. Vejo muitas fotografias sobre a Amazônia, do próprio Sebastião Salgado, de tribos indígenas que não tiveram contato com o branco, nas quais observo um padrão de bem-estar e felicidade em seus rostos. Alguma coisa está errada na nossa proposta. Eu não tenho competência para analisar isso, mas o que estamos querendo oferecer não é aquilo que os índios necessitam. Qualquer afirmação precipitada em relação a isso é perigosa.


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