Daft Punk: humanos, afinal

Dupla francesa de música eletrônica levou o underground ao Grammy

Por: Eduardo Cavalcanti & Colaborador &  -  14/03/21  -  15:40
Daft Punk: humanos, afinal
Daft Punk: humanos, afinal   Foto: Divulgação

Na entrega do Grammy de 2014, o público viu uma cena bem pouco comum em qualquer cerimônia desse tipo, quando o Daft Punk, a dupla francesa de música eletrônica, levou os principais prêmios da noite, entre eles o de Álbum do Ano. Os vencedores, vestidos como o robô Gort, do filme O Dia em que a Terra Parou, não disseram uma única palavra de agradecimento, e sequer tiraram os capacetes.


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Podiam ser os músicos mesmo. Ou podiam ser outras pessoas. Qual a diferença? E quem se importa? A natureza do som eletrônico é o artificial, o anônimo, o intercambiável – e ainda assim, estamos aqui, indicava o Daft Punk, recolhendo estatuetas na noite do maior, mais conservador e incontáveis vezes menos confiável prêmio da música mundial.


A dupla formada pelos franceses Thomas Bangalter and Guy-Manuel de Homem-Christo surfava a maior onda de sucesso de uma carreira de 20 anos com o álbum Random Access Memories (2013) e o mega-hit internacional Get Lucky No último dia 22 de fevereiro, sete anos depois do Grammy, o Daft Punk anunciou que encerrava atividades.


É provável que nenhuma outra dupla ou banda de música eletrônica tenha agitado tanto o noticiário, ao anunciar seu fim. Todo esse impacto tem a ver com o sucesso comercial, mas não só ele. O Daft Punk, em apenas quatro álbuns de estúdio, conseguiu fazer com que a house, por definição um estilo desenvolvido especificamente para pistas de dança, chegasse ao mainstream.


Cruzar a linha que separa o underground do lado visível da música sempre foi uma manobra de alto risco, porque o que está em jogo, quase sempre, é a credibilidade de quem tenta passar para o outro lado.


O Daft Punk saiu sem um arranhão sequer, porque não precisou sacrificar nada. Pioneiros como o Chemical Brothers e Fatboy Slim já tinham preparado o público dos anos 90 para a transição da house pura à sua versão big beat. A dupla francesa só teve de pegar o caminho de volta.


Ajudou que a visão inteiramente pós-moderna do Daft Punk incluía um conceito audiovisual moldado por dois futuros cineastas cultuados, Spike Jonze e Michel Gondry, e um autor de animes, Kazuhisa Takenouchi, que fizeram com que os vídeos de Da Funk, Around the World e do álbum Discovery se tornassem tão reconhecíveis quanto as músicas – quando não, ainda mais.


Para o contingente mais conservador do público de rock, músicos eletrônicos fazem parte de uma versão alternativa da realidade, na qual a disco music dos anos 70 venceu a disputa por supremacia na música pop. Isso é uma enorme bobagem. Músicos de um lado e de outro da cerca a toda hora deixam claro que não existe cerca alguma. O Daft Punk se encaixa em qualquer definição que se queira dar para o rock como um gênero sem regras, e mesmo que não se encaixasse, essa discussão nunca fez qualquer sentido.


Claro que o punk no nome da dupla é uma ironia, e tem origem na época em que os dois músicos usavam instrumentos elétricos, numa banda convencional. Mas também não é absurdo dizer que o som do álbum de estreia, Homework (1997), tem de fato muito mais a ver com o movimento de ruptura que revolucionou o rock, do que o punk pop que fazia sucesso na mesma altura dos anos 90.


De modo intencional, ou não, Random Access Memory, além de blockbuster, acabou servindo como testamento musical para o Daft Punk, na medida em que prestava tributo a duas figuras fundamentais na evolução da música house: Giorgio Moroder, inventor da disco 100% eletrônica, e Nile Rodgers, que definiu o estilo de produção ‘pós-disco’. O círculo se fechou, e a dupla pode ter acabado no momento certo, no auge.


Mas deixa um vácuo que só poderá ser ocupado por outros músicos igualmente inovadores e com potencial para o sucesso crossover, algo que, por enquanto, não se vê no horizonte da cena eletrônica.


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