Crescem obras de autores negros nas livrarias

Mas representatividade ainda é tímida

Por: Egle Cisterna & Da Redação &  -  15/11/20  -  13:36
Autores negros estão cada vez mais presentes nas prateleiras das livrarias
Autores negros estão cada vez mais presentes nas prateleiras das livrarias   Foto: Adobe Stock

Se antes, os escritores negros no Brasil ocupavam um espaço restrito na publicação de livros, neste domingo (15), esses autores estão cada vez mais presentes nas prateleiras das livrarias, se destacando em prêmios literários e nas listas das publicações mais vendidas no País.


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Contudo, do cultuado Machado de Assis à filósofa santista Djamila Ribeiro – que com Pequeno Manual Antirracista (Companhia das Letras) figura entre os livros mais vendidos e é uma das finalistas do Prêmio Jabuti – às vésperas do Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20, a representatividade da população negra aparece ainda de forma tímida nos livros. 


O início de uma popularização da literatura negra – aquela que tanto é escrita por autores, como tem entre seus temas e personagens negros – é percebida também entre os editores da região. O livreiro José Luiz Tahan, da Editora Realejo, afirma que esse crescimento é muito perceptível nos últimos anos. “Esse aumento é, em parte, pelas pessoas terem consciência do dito racismo estrutural, da consciência da desigualdade no Brasil, que se abate muito no campo social e racial”, avalia. 


O editor da Imaginário Coletivo, Márcio Barreto, concorda e complementa: “(isso se deve também) às questões das afirmações dos territórios, dos lugares de fala. Então, a literatura vem abrindo para um espaço maior para o escritor negro”, afirma ele, que tem no catálogo da editora escritores negros e obras voltadas para as questões raciais. 


Aos 72 anos, o trabalhador portuário Bartolomeu Pereira de Souza, o Bartô, se prepara para lançar seu segundo livro, Santos Libertária, que deve tratar da lacuna na história santista sobre o período da abolição da escravatura. “Há uma dificuldade muito grande para nós que estamos na base da pirâmide, mas é muito importante quando um negro se destaca. Hoje, temos jovens negros escrevendo a própria história, dos seus ancestrais. Essa parcela da população, que é a maioria, começa a ver a sua história contada a partir dos seus”, acredita Bartô. 


Em 2018, ele lançou Memória na Pele, contando um pouco de sua vida, do nascimento no agreste baiano, passando pela chegada a Santos, do trabalho no Porto à efervescência política na Cidade. “Os autores negros têm esse papel de resgate de sua ancestralidade. Quando você descobre quem veio antes de você, isso nos fortalece”, pondera o autor. 


O escritor Michel Leite Viana, autor de Eu sou Periferia, considera que as chances para os moradores da periferia – onde muitos são negros e migrantes nordestinos – tem melhorado. “A oportunidade existe, mas ainda é necessário bancar a própria obra. Caso contrário, não há esse espaço”, diz ele, que prepara sua segunda obra, Geral no Parque, sobre a vida no Parque das Bandeiras, que deve ser lançada no próximo ano. 


Reflexo das lutas


Para o poeta e dramaturgo Marcelo Ariel essa percepção de maior visibilidade que ocorre atualmente não se deve a uma mudança estrutural na sociedade. “É o resultado direto das lutas dos movimentos de descolonização e do combate ao racismo. O sistema literário e praticamente todo o sistema cultural ainda é majoritariamente branco e segregacionista. E, quando inclui, é para excluir melhor depois. Os livros e o pensamento de Djamila Ribeiro, Jefferson Tenório, Edmilson de Almeida Pereira, Cidinha da Silva, Paulo Scott, Silvio de Almeida, Baco Exu do Blues, Elza Soares, Preta-Rara e muitas outras e outros, são armas e escudos contra o racismo estrutural, que ainda é a base da sociedade brasileira”, avalia o escritor.


Ainda falta protagonismo, diz pesquisa


Apesar de estarem mais presentes na literatura, o equilíbrio na representatividade ainda está distante. Pesquisa coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília (UNB), aponta que entre 2004 e 2014, apenas 2,5% dos autores publicados não eram brancos e só 6,9% dos personagens retratados nos romances eram negros, sendo que só 4,5% eram protagonistas da história. 


Na pesquisa, que deu origem ao livro Literatura Brasileira Contemporânea: um Território Contestado (Editora Horizonte), sobre os 258 romances de autores brasileiros publicados pelas três mais importantes editoras do País, entre 1990 e 2004, Regina constatou que o romance contemporâneo privilegia a representação de um espaço social restrito. 


“Suas personagens são, em sua maioria, brancas, do sexo masculino das classes médias. Sobre outros grupos, imperam os estereótipos. As mulheres brancas aparecem como donas de casa; as negras como empregadas domésticas ou prostitutas; os homens negros, como bandidos. Assim, o campo literário, embora permaneça imune às críticas que outros meios de expressão simbólica costumam receber, reproduz os padrões de exclusão da sociedade brasileira”, afirma a pesquisadora em seu livro. 


Homenagem


Após o lançamento de dois livros deixados inéditos por Ruth Guimarães (1920-2014, foto) – Contos Negros e Contos Índios (ambos da Faro Editorial) – chega agora às livrarias a edição comemorativa de 70 anos do livro Os Filhos do Medo (Unipalmares).


O lançamento acontece quinta-feira, às 16h10, dentro da programação da FlinkSampa – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, durante live com a presença dos escritores Conceição Evaristo e Joaquim Maria Botelho (filho de Ruth), e integra as celebrações do centenário de nascimento de Ruth. uma das primeiras escritoras negras a se destacar no País. Natural de Cachoeira Paulista, aos 20 anos e já morando em São Paulo, ela mostrou seu trabalho a Mário de Andrade, que a orientou por alguns anos sobre as técnicas de pesquisa folclórica. A escritora publicou, ao longo dos 93 anos de vida, 51 livros.


O que ler


  • Amoras - Emicida - Companhia das Letras, 44 páginas
  • O crime do Cais do ValongoEliane Alves Cruz - Editora Malê, 202 páginas
  • Quarto de Despejo - Carolina Maria de Jesus - Editora Ática, 200 páginas
  • Escritos de uma VidaSueli Carneiro - Polén Livros, 296 páginas
  • Pequeno Manual Antirracista - Djamila Ribeiro - Companhia das Letras, 136 páginas
  • Olhos D’ÁguaConceição Evaristo - Editora Pallas, 116 páginas
  • Na Minha Pele - Lázaro Ramos - Editora Objetiva, 152 páginas
  • Livro do Avesso - Elisa Lucinda - Editora Malê, 156 páginas
  • Redemoinhos em Dia Quente - Jarid Arraes - Editora Alfaguara, 152 páginas 
  • Eu, Empregada Doméstica – A Senzala Moderna e o Quartinho da Empregada - Preta-Rara - Editora Letramento, 212 páginas

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