Crítica de 'Rocketman': Um foguete à deriva na galáxia do pop

Longa tenta, mas não consegue traduzir a irrealidade fantástica de Elton John nos anos 70

Por: Eduardo Cavalcanti - Colaborador  -  12/06/19  -  09:29
A trilha sonora do filme já está disponível
A trilha sonora do filme já está disponível   Foto: Divugação

“Não sou o homem que pensam que eu sou em casa”, canta um Elton John que contempla a melancolia no clássico 'Rocket Man'. A canção, um dos maiores sucessos dos anos 70, dá título e serve de epígrafe ao filme do diretor Dexter Fletcher, em cartaz nos cinemas, sobre a parte mais turbulenta da vida do cantor inglês.


Nesse período, que durou a maior parte da década, fama e fortuna vinham em doses tão cavalares quanto sexo, drogas e rock and roll. Ok, talvez nem tanto rock and roll assim.


Elton John nunca foi, exatamente, um músico de rock. Ele sempre se alinhou muito mais com cantores-compositores especializados no pop sensível e melódico voltado às paradas do que com artistas dedicados a provocar e testar os limites da música.


Já no quesito sexo e drogas, Elton estava perfeitamente integrado à ética do excesso de qualquer aspirante a Keith Richards. O que não ficava tão evidente para o público, na época, eram as frustrações, os traumas e as desilusões em geral que esse estilo de vida sem freios escondia.


'Rocketman' se propõe a demonstrar que Elton estava mesmo longe de ser o homem que o público pensava que ele era, por baixo dos óculos exagerados, do guarda-roupa de destaque carnavalesco e da aparente irreverência perpétua. As pistas estavam por todos os lados, a começar pelo mais visível – as canções que escalavam os primeiros lugares das paradas.


'Goodbye Yellow Brick Road' (que aparece num momento decisivo do filme), 'Don’t Let the Sun Go Down on Me' e 'Someone Saved My Life Tonight' são baladas que venderam milhões, e que têm títulos autoexplicativos. Elas refletem um estado de espírito sombrio, o oposto do que sugerem as fotos dos shows frenéticos do cantor.


Essas contradições colocaram 'Rocketman' numa encruzilhada conceitual que seu diretor não conseguiu ultrapassar. O filme não se decide entre ser um musical festivo, ou partir para o melodrama. Na dúvida, faz os dois sem grande convicção.


Não só isso. Ele abstrai alguns fatores que explicam a formação da imagem extravagante que foi a marca registrada do músico, durante a maior parte da carreira.


Elton John começou como um cantor sem grande apelo, antes de se reinventar combinando o gosto pelo espetáculo exagerado do pianista brega Liberace com a performance energética do pioneiro do rock and roll Little Richard. Era o tipo de coisa que, por mais absurdo que pudesse parecer, fazia sentido no contexto da cena glam rock britânica que, no início dos 70, celebrava como arte a queda de barreiras de gênero.


Com a aprovação do próprio Elton, Dexter Fletcher não pegou tão leve nas cenas de sexo, nem nas de consumo de drogas. Mesmo assim, fez um filme que, no geral, é morno diante do potencial do personagem que tinha nas mãos, embora o ator Taron Egerton seja brilhante no papel principal e cante com eficiência, ele mesmo, todas as músicas.


Ao contrário de 'Bohemian Rhapsody' – que o próprio Fletcher dirigiu no estágio final, em substituição a Bryan Singer –, as liberdades com datas são aceitáveis, porque funcionam como comentários à ação. Em compensação, 'Rocketman' não provoca o mesmo grau de envolvimento que o filme do Queen.


O que faltou foi alguém que entendesse o que Elton John significava no auge do sucesso. Ken Russell, um dos diretores mais delirantes do cinema, sabia exatamente do que se tratava o cantor, quando o colocou para interpretar ‘Pinball Wizard’ no alucinado musical Tommy (1975), a versão para as telas da ópera-rock da banda inglesa The Who.


Em 2019, o cinema fora do convencional de autores como Ken Russell se insere na categoria dos achados arqueológicos. 'Rocketman' não está preocupado em fugir dos clichês, mas sim em mostrar ao público que seu herói deixou para trás tudo aquilo que foi visto nas duas horas anteriores – a ponto de terminar com um constrangedor exercício de marketing pessoal durante os créditos finais.


Se Freddie Mercury foi submetido a um revisionismo que dificilmente aprovaria se estivesse vivo, ao menos Elton John teve a parte mais interessante de sua história recontada com maior ousadia. Só faltou o talento necessário para fazer com que o filme não fosse mais uma oportunidade perdida de transformar a vida de um astro pop lendário em cinema de verdade.


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