Andreia MF: história de luta e superação

Drama de trançadeira e líder comunitária de Praia Grande vira livro pelas mãos do jornalista Lincoln Spada. Mas precisa de ajuda

Por: Egle Cisterna & Da Redação &  -  12/12/19  -  13:02
Aos 50 anos, Andreia sonha estudar e se tornar defensora pública
Aos 50 anos, Andreia sonha estudar e se tornar defensora pública   Foto: Linda Mikal Leão / Divulgação

Os 50 anos de desafios e lutas da líder comunitária, trançadeira, rapper, líder do movimento Mães do Cárcere e defensora pública popular em Praia Grande Andrelina Amélia Ferreira, conhecida como Andreia MF, está perto de se tornar um livro de memórias.


Escrito em conjunto com o escritor e jornalista Lincoln Spada, 'Manual de como trançar rumos' tem fotos de Linda Leão e ilustrações de Isabela Sessa, e conta a história da infância difícil, do abandono, do abuso sexual, da vida de moradora de rua, da violência doméstica que acabou moldando a vida de Andreia MF e a transformou em exemplo de superação.


Caçula de um foragido do Esquadrão da Morte e de uma doméstica, ela cresceu em um barraco testemunhando agressões à mãe e com ratos a brincar após enchentes. Depois de perder os pais, aos 14 anos e sofrer abusos, Andreia, que morava na Zona Leste de São Paulo, vai morar nas ruas, onde vive por todo tipo de violência, chegando a passar pela antiga Febem e pelo sistema penitenciário.


“O momento mais difícil de relatar para o livro foi o abuso que sofri quando era criança, porque, naquela época, as pessoas não falavam nisso e a culpada era sempre a vítima”, lembra ela.


Depois de se casar, Andreia MF passou por traição e a violência doméstica. Acabou engravidando ao visitar o marido no Carandiru. E foi justamente pelos filhos que ela resolveu mudar sua vida e ajudar outras mulheres a não passar por toda a violência que ela passou.


Ela teve cinco gestações – quatro de um mesmo marido. O primeiro filho foi levado por parentes; teve um aborto; um outro, que morreu prematuro; e um que morreu atropelado há cerca de três anos. Hoje, ela vive com o mais novo, de 26 anos, e se considera mãe de vários pelas ruas da comunidade.


“Não me tornei uma pessoa rica, como em final de novela, mas descobri outra riqueza, outro sentido para minha vida”, diz a líder comunitária, que quer voltar a estudar em 2020. “Quero ser defensora pública, nem que seja velhinha com uma bengalinha, mas quero entrar no Fórum como uma profissional”.


Memórias


O encontro entre Spada e Andreia aconteceu por conta de uma matéria de A Tribuna, quando ele era repórter do jornal, em 2013, e a entrevistou sobre as revistas vexatórias de crianças em presídios.


“Foi uma denúncia que acabou sendo feita por ela e foi das matérias mais significativas para mim. Andreia já tinha demonstrado para mim, naquele momento, que não tem medo de se colocar à frente destas situações e acabou ficando uma amizade”, conta o autor.


Andreia havia comentado que o sonho dela era colocar suas memórias em um livro, que servisse de exemplo para outras mulheres. “E tinha que ser uma escrita fácil, que chegasse a todo canto: um livro que fique dentro da penitenciária e que a madame possa colocar do lado da cabeceira da cama dela”, diz a trançadeira.


Desde janeiro, os dois começaram a se encontrar semanalmente para que Spada ouvisse as histórias de Andreia e começasse as pesquisas sobre os fatos relatados. “Eram conversas profundas.Ela tinha todos os estigmas em uma única pessoa e, mesmo assim, se tornou um farol”, diz ele, que considera que Andreia reúne várias Andreias, o que faz com que a líder comunitária consiga entender os problemas das mulheres que a procuram.


E para realizar o sonho de ter o livro publicado, eles estão fazendo uma campanha de crowfunding (financiamento coletivo), onde toda a arrecadação vai custear os serviços de edição e gráfica para a tiragem do livro pela editora Imaginário Coletivo.


A campanha vai até a próxima segunda-feira (16) e, para produzir 500 livros, eles precisam de R$ 6.800. “Mesmo que agente não consiga o dinheiro para essa quantidade de livros, não vamos deixar de fazer. Vamos fazer quantos conseguirmos, pois essa é uma história que merece ser contada”, reforça Spada.


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