A luta pelas domésticas vira livro, por Preta-Rara

Lançamento será na Tarrafa Literária, na próxima sexta-feira (27)

Por: Egle Cisterna & Da Redação &  -  23/09/19  -  15:32
  Foto: Divulgação

Depois de mais de dois anos colhendo depoimentos de trabalhadoras domésticas sobre situações de preconceito, crueldade e até assédio vividas por essas mulheres na página do Facebook 'Eu, empregada doméstica', a rapper e historiadora Preta-Rara resolveu reunir essas histórias em um livro, para que servissem de reflexão e pudessem ajudar muitas das que continuam a passar constrangimentos e perda de direitos.


Em 'Eu, empregada doméstica - a senzala moderna e o quartinho da empregada', lançado pela Editora Letramento, ela apresenta depoimentos inéditos, além de contar um pouco da própria história familiar.


O lançamento oficial acontece em Santos, cidade natal de Preta-Rara, na próxima sexta-feira (27), durante a Tarrafa Literária, no Teatro Guarany, às 19 horas. Lá, Preta Rara participa da mesa 'Mulheres numa Noite Quente', junto com Jarid Arraes.


“A intenção com o livro é chocar e chacoalhar as estruturas coloniais que este País ainda vive todos os dias e provocar a empatia. Não somente para se colocar no lugar do outro, mas para rever os seus conceitos, para tomar parte. Você lê e se coloca neste lugar que é de gerar esse incômodo de falar no almoço de domingo com o amigo, que tem trabalhadora doméstica, com amiga que é trabalhadora doméstica”, explica a autora.


História de família


A santista Joyce Fernandes (o verdadeiro nome de Preta-Rara), de 34 anos, começou a trabalhar como empregada doméstica aos 18, depois de terminar o Ensino Médio e não conseguir emprego. Filha e neta de domésticas, ela trabalhou sete anos em casas de família, passando por algumas experiências que não deixaram boas lembranças.


E ela sabe que não é um caso isolado. “A quantidade de relatos que a gente tem daria para fazer até uma terceira edição do livro, pois, em dois anos de página no Facebook, são mais de 6 mil relatos”, afirma.


E foi durante a preparação do livro que ela descobriu uma história familiar que mais mexeu com ela.


“Minha mãe foi escrava. Uma mulher em Uberaba, Minas Gerais, passou em frente à casa da minha bisavó e viu minha mãe brincando e perguntou se minha mãe podia brincar com os filhos dela, que era ali perto. Aí a minha avó deixou e ela ficou um bom tempo sem ver minha mãe, porque essa mulher raptou minha mãe e a trouxe para Campinas, para ser empregada doméstica”, lembra ela, ao revelar que a mãe, na época com 9 anos, dormia numa casinha ao lado da casinha do cachorro, sem qualquer direito ou remuneração.


O sequestro só foi descoberto porque a família foi viajar e deixou a mãe da escritora trancada em casa. “Ela menstruou e ela não sabia o que era menstruar. Achou que estava morrendo e começou a gritar”, conta. Com o barulho, um vizinho pulou o muro e viu a menina. “Ele achou que minha mãe estava roubando a casa, porque ele tinha acesso à casa, mas nunca tinha visto minha mãe, pois quando essa família recebia visitas, eles escondiam e trancavam minha mãe”, revela.


O livro apresenta relatos em sua maioria em primeira pessoa, mas de forma anônima. A orelha foi escrita pela deputada federal Benedita da Silva, ex-trabalhadora doméstica, responsável pela PEC das Domésticas. A historiadora Taina Silva Santos, que tem uma pesquisa na Unicamp sobre escravidão e trabalho doméstico faz prefácio com o contraponto histórico desta relação. “Pedi também que ela contasse a história de vida da mãe dela, que contraria as estatísticas. Ela é uma filha de doméstica e a mãe batalhou muito para que ela não fosse doméstica”, diz Preta-Rara.


Além da Tarrafa Literária, a publicação pode ser comprada no site da editora e, em breve, estará disponível em livrarias.


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