'É a ficção baseada em fato real. É algo sobre esses soldados invisíveis', diz diretor de '1917'

O cineasta inglês Sam Mendes lançou apenas oito filmes, desde sua estreia com o premiado Beleza Americana (1999)

Por: Paoula Abou-Jaoude & De Los Angeles, Especial para A Tribuna &  -  09/02/20  -  12:24
Atualizado em 09/02/20 - 12:45
  Foto: Divulgação

O cineasta inglês Sam Mendes lançou apenas oito filmes, desde sua estreia com o premiado Beleza Americana (1999), que lhe rendeu o Oscar de Diretor. Agora, pouco mais de 20 anos depois, pode faturar mais uma vez a estatueta, com 1917. Na entrevista a seguir, Mendes falou sobre as inspirações e os desafios na hora de gravar essa superprodução. 


Você disse que seu avô foi a inspiração para o filme. Que tipo de histórias ele te contava? 


Meu avô era muito carismático e um grande contador de histórias, mas, por qualquer que tenha sido a razão, ele nunca contou histórias sobre suas experiências na Primeira Guerra para os filhos dele, mas sim para os netos. Quando estava na casa dos 70 indo para 80 anos, a gente ia visitá-lo em Trinidad. A gente sentava na varanda e ele nos contava histórias. Em uma delas estava o fato de que ele tinha sido destacado, várias vezes, para missões de entregar uma mensagem. Ele era muito baixinho e bastante ligeiro. E por causa que, no inverno, o nevoeiro ficava em quase 1,80 m de altura – e ele tinha 1,63 m de altura, eles o recrutaram, pois ele ficaria invisível no meio da névoa (risos). E ele ganhou uma medalha por isso. Meu avô era muito auto-depreciativo a respeito dessas histórias. Elas nunca eram sobre heroismo. Elas eram sobre a sorte que ele teve de sobreviver e continuar seu serviço. 


Deve ter sido incrível ouvir essas histórias, não? 


Eu costumava observar seus costumes. Ele lavava as mãos incessantemente. E um dia perguntei ao meu pai o porquê de meu avô fazer aquilo. E meu pai me disse que era porque ele se lembrava da lama nas trincheiras e o fato de que os soldados nunca conseguiam ficar limpos. Aquilo ficou enraizado na minha cabeça de uma maneira que não consigo descrever. Acredito que meu coração, quando eu tinha 11, 12 anos, foi aberto quando ele me contou essas histórias. No filme, não é a história de meu avô em especial, mas é a ficção baseada em um fato real. É algo sobre cada um desses soldados “invisíveis”, que agora repousam em uma lápide sem denominação e que desapareceram dos arquivos públicos. 


uais foram suas principais preocupações com a logística, ao decidir rodar o filme como um longo plano, desenrolado em tempo real? 


Minhas preocupações eram a de que tudo tinha que estar perfeito antes que prosseguíssemos, assim captaríamos um take perfeito de tudo. E isso não quer dizer que eu queria que os diálogos fossem falados propriamente ou que ninguém tombasse em cena. Era o ritmo da cena que tinha de ser perfeito. Depois, enquanto estava rodando, eu tinha que julgar o ritmo do filme inteiro. É esse detalhe que a maioria dos cineastas só vai se preocupar quando as filmagens acabam, pois é quando as cenas podem ser editadas, encurtadas, alongadas ou completamente eliminadas. E nesse filme eu não tinha essa opção. Tudo tinha que estar enxuto enquanto rodávamos. Por causa disso, passamos semanas ensaiando. 


Alguma dificuldade o surpreendeu nas filmagens? 


Muitas (risos). O tempo, por exemplo, foi uma delas. O tempo tinha que estar miserável e isso tinha que aparecer na continuidade. Então, quando estava chovendo muito ou o sol saía, a gente ensaiava. Quando as nuvens cinzas voltavam, a gente filmava. Então, esse desafio de rodar dez minutos perfeitos criavam um estresse extra. E tinha momentos durante as filmagens que eu me perguntava por que decidi fazer isso contra mim (risos). Mas aí você consegue o take perfeito e tudo vira mágica. 


Dê um exemplo de um momento assim. 


Existem várias cenas assim (risos). Tem uma com o bebê. O bebê tem que “interpretar” durante 7 minutos, mas ela só aparece em cena na segunda metade do take. E também tiveram sequências técnicas, como quando George MacKay tinha que atravessar uma ponte que foi bombardeada e ele tem que passar por uma cordilheira de três centímetros de largura, enquanto a câmera flutuava no canal, e ele tem que pular no canal. Tivemos incontáveis problemas técnicos e momentos de muita emoção, que tinham de ser desempenhados com extrema precisão pelos atores. Por vezes, tivemos um take de 8 minutos no qual, quando aproximávamos da marca dos 7 minutos e 45 segundos, alguém cometia um erro e tínhamos que voltar ao começo de novo, pois não dava mais para usar aquele take. 


Por que era importante fazer este filme? 


Acho que vivemos num momento em que estamos perdidos. Falo por mim a respeito disso. O que significa sacrificar e o que é sacrificarmos pelos outros. Nós vivemos uma cultura de auto-obsessão hoje em dia. E existe toda uma geração entre nós, de homens e mulheres, que sacrificaram tudo por algo maior que eles. Eles se sacrificaram para ter uma Europa livre e unificada. Uma coisa maior que eles e que poderia, um dia, ajudar os filhos e os netos deles. A ideia de um mundo livre. Uma coisa que podemos fazer hoje é lembrar-se disso. Sei que isso parece muito idealismo de minha parte, mas se você não pode ser um contador de histórias idealistas, então o que é que sobra?  


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