O 'Tremendão' Erasmo Carlos: música brasileira perde mais um gigante

O amigo de fé, irmão camarada de Roberto Carlos morreu nesta terça (22), aos 81 anos, no Rio de Janeiro

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  23/11/22  -  08:38
Erasmo Carlos, o Tremendão, continuava compondo e fazendo shows
Erasmo Carlos, o Tremendão, continuava compondo e fazendo shows   Foto: Divulgação

Fama de mau, mas gigante gentil. De um jeito ou de outro, Tremendão. A música brasileira sentirá falta das várias facetas de um de seus maiores compositores: Erasmo Carlos. O amigo de fé, irmão camarada de Roberto Carlos morreu nesta terça (22), aos 81 anos, no Rio de Janeiro. Ele foi internado às pressas no Hospital Barra D’Or e intubado, vítima de uma paniculite (inflamação da camada de gordura abaixo da pele), agravada por infecção cutânea .


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O trabalho mais recente de Erasmo foi o álbum O Futuro Pertence à... Jovem Guarda. Lançado em fevereiro, o disco traz oito releituras de sucessos da época da Jovem Guarda que ficaram marcados na voz de outros cantores. Na última edição do Grammy Latino, dia 17, ele ganhou na categoria melhor disco de rock de Língua Portuguesa ou Álbum Alternativo.


“Ele era o mais roqueiro da dupla com o Roberto. Se existiu uma Jovem Guarda, se teve um lado mais rock and roll na música do Roberto, se deveu mais a ele, que sempre foi o cara mais selvagem”, analisa o jornalista e articulista de música de A Tribuna, Julinho Bittencourt. “Fora isso, os discos do Erasmo, isolados, eram muito bons. Ele era um excelente compositor”, conclui.


Pensar e sentir da juventude

Para o jornalista, crítico musical e escritor Jotabê Medeiros, autor do livro Roberto Carlos – Por Isso Essa Voz Tamanha, em que inevitavelmente também analisa a obra de Erasmo, o gigante gentil foi muito mais do que apenas um grande compositor. “Ele foi responsável, junto com o Roberto, por inaugurar a música jovem brasileira”, resume.


Jotabê explica que, até o florescimento da dupla de compositores Roberto e Erasmo, a música jovem era inteiramente baseada em versões de canções de rock norte-americanas, com arranjos e ritmo quase idênticos aos originais.


“Não havia uma expressão que falasse a língua dessa geração. E eles chegaram expressando o que a juventude pensava e sentia e assumiram o papel de liderança geracional”. Uma juventude periférica, enfatiza Jotabê, pelas raízes de ambos, mas especialmente de Erasmo. “Ele era o cara de rua”.


Veia roqueira

Jotabê concorda com Julinho sobre a “veia roqueira” de Erasmo, se não em oposição, muito mais incisiva do que a de Roberto. “A contribuição do Erasmo é mais visível por essa coisa rebelde. Em meados dos anos 60, ele era considerado o maior compositor dessa geração”.


Porém, enfatiza a simbiose artística com Roberto. “Ele se adapta à música do amigo. Se o Roberto é ecológico, ele vai junto; se é religioso, também. Mas quando ele passa a compor com Roberto, ele moderniza a obra deste”.


Referência

A figura de Erasmo parte da música, mas a transcende, para se tornar uma referência de juventude, para outras gerações, segundo analisa Jotabê.


“Ele manteve essa influência por décadas, como um molde do que é ser jovem. Por exemplo, no Rock in Rio, ele estava lá. Gente como Titãs, Paralamas, Lulu prestaram homenagens a ele, que envelheceu de maneira íntegra e balizou a estética para os que vieram depois dele”.


O encontro com Roberto, a vida e a obra

Os primeiros passos de Erasmo na música se deram ainda na década de 1950, quando formou o quarteto The Snakes ao lado de Arlênio Lívio, José Roberto China e Edson Trindade. Os três eram ex-integrantes do grupo The Sputniks, no qual haviam tocado junto com Tim Maia e Roberto Carlos.




Foi por volta daquela época que Erasmo se deparou pela primeira vez com aquele que seria um de seus grandes parceiros na música. “Eu estava lá em casa, na Tijuca, e um amigo em comum bateu na porta com o Roberto Carlos. ‘Queria te apresentar um amigo que é cantor’. Já conhecia ele da televisão. Eu colecionava muitas letras de música, fotos de artistas de rock and roll, e ele precisava de uma letra que eu por acaso tinha”.


“Era Hound Dog, de Elvis Presley. Ficamos conversando e rolou um papo legal de rock. Ele falou: ‘Aparece lá pela televisão’. Aí eu comecei a sair do trabalho, ir para lá, só para ver. Eram 15 minutos de programa. Fui ficando amigo da equipe, das dançarinas, dos músicos”.


“Com o Roberto Carlos, também, a gente foi convivendo e ficando amigo. Houve muitas brigas, por exemplo, de turmas, mas que nos aproximaram muito. Aquela coisa de ‘brigamos juntos’, sabe? Dessa amizade de amigo, a gente foi se identificando musicalmente, também. Com meu conjunto vocal, fui fazendo coro para ele. Até o dia em que nós resolvemos fazer uma música, um rock em português, Parei na Contramão”.


Anos depois, ao lado de Roberto e Wanderléa, Erasmo Carlos foi um dos apresentadores do histórico Jovem Guarda, programa da TV Record exibido entre 1965 e 1968. “Na Jovem Guarda, ninguém fumava, nem bebia. Só depois experimentei maconha e outras drogas, como ácido”.


Nas redes sociais, o parceiro de uma vida, Roberto Carlos, externou sua emoção: “Minha dor é muito grande, nem sei como dizer tudo o que eu penso desse meu amigo querido, meu grande irmão. Meu ídolo por tudo, pela sua lealdade, sua inteligência, sua bondade, por tudo o que eu conheço dele. Um ser humano maravilhoso esse meu irmão. É um privilégio para mim ter um amigo, um irmão assim por todos esses anos. Difícil encontrar palavras: o meu amigo Erasmo Carlos. Ele viverá para sempre em meu coração”.


80 anos

Ao completar 80 anos, em junho de 2021, Erasmo Carlos deu uma série de entrevistas. “Com 80, podia estar jogando cartas com os aposentados na praia. Não. Estou aqui, trabalhando. Gosto do que faço. Quis a vida que eu fosse um compositor, que eu aprendesse alguns acordes que me permitissem fazer minhas músicas. O resto é minha imaginação que faz”.


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