Crítico literário Alfredo Monte morre em Santos, aos 53 anos

Professor lutava contra as dificuldades impostas pela Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)

Por: Lucas Krempel & Da Redação &  -  01/12/18  -  16:00
  Foto: Alexsander Ferraz/AT

Morreu na sexta-feira (30), em Santos, aos 53 anos, o professor de Língua Portuguesa e Literatura e crítico literário de A Tribuna Alfredo Monte. Ele enfrentava, desde 2015, as dificuldades impostas pela Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).


Muito querido pelos escritores, Monte deixa uma marca inesquecível em todos que conviveram ou foram resenhados por ele. O crítico mantinha sua coluna em A Tribuna desde 1993, todas as terças-feiras.


“Monte dizia que era difícil de acreditar em Deus. Não conseguia entender, em seu maior momento de reflexão, o motivo pelo qual sentia raiva. A raiva por não entender se Deus existia mesmo, o motivo por ter deixado um cara que caminhava quatro quilômetros por dia, adorava sair e tudo mais numa cama com uma doença torturável”, declarou o estudante de Jornalismo Marcelo Lopes, que desde 2015 o ajudava a escrever suas resenhas e ensaios para o jornal.


Vida pós morte? Monte era cético, segundo Lopes. “Ele dizia que só não queria ter que voltar para cá”, lembrou Lopes.


As conversas entre os dois, mesmo com a dificuldade para falar ou se locomover do ensaísta, eram bem variadas. “Falávamos bastante de literatura, era o assunto de todo o tempo. Política, família, dinheiro, faculdade. Mas depois de um tempo a gente filosofava, falávamos sobre Deus, vida, futuro. Chorávamos juntos também”.


Lopes, que era vizinho de Monte, conta que o conheceu antes dele ser diagnosticado com ELA. E, quando passou a ajudar com as resenhas, o contato ficou ainda mais próximo.

“Ele não falava. Usávamos um papel com todo o alfabeto e fazíamos as resenhas. Ele ditava letra por letra. Levávamos quatro ou até seis horas”.


Auxiliar Marcelo Lopes ajuda Alfredo a passar textos para computador
Auxiliar Marcelo Lopes ajuda Alfredo a passar textos para computador   Foto: Rogério Stonoga/AT

Homenagens


“Foi meu querido amigo-irmão-cúmplice literário Alfredo Monte. A literatura brasileira vai saber mais tarde o quanto deve a ele, da pujança da nossa produção recente. Toda homenagem é reconhecimento a ele é pouco”, disse a escritora Maria Valéria Rezende.


O poeta Flávio Viegas Amoreira afirmou que Monte, dono de uma coleção com mais de 10 mil títulos, poderia escrever em qualquer parte do mundo sobre literatura. “Era o crítico literário mais voraz que conheci, um cérebro raro. Sem estrelismo se dedicou aos livros, sem deixar nosso litoral. O conheci sem privar da amizade, mas tinha uma admiração inigualável”.


O escritor Ademir Demarchi também se manifestou e ressaltou a importância da coluna do professor: “Podemos dizer que foi o último crítico literário em atividade no País em um jornal, com coluna regular e diálogo com os lançamentos do mercado editorial, seguindo uma linhagem que teve, no momento mais prestigioso dela, o crítico Antonio Candido como um grande modelo. Isso porque não há mais críticos assim”.


Responsável pelo convite ao crítico literário para ter uma coluna em A Tribuna, o jornalista José Carlos Silvares lembrou do contato com ele no início dos anos 1990.


“Sempre foi um devorador de livros, de uma sensibilidade extrema, e já na sua primeira colaboração para o jornal vi que escrevia muito bem e tinha um estilo próprio. Ele prosseguiu assim durante todo o tempo. Escrevia sempre com o rigor de quem conhece, muitas vezes ácido, crítico, mas profundo no que fazia”.


Para o poeta Marcelo Ariel, Monte é um herói por ter sido professor em Cubatão por muito tempo. Além disso, ele destaca o trabalho desenvolvido em A Tribuna.


“Seu trabalho como crítico foi essencial para minha formação, como leitor e, consequentemente, como escritor. Seus ensaios são como pontos luminosos no meio de uma escuridão cultural densa e quase permanente”.


Editora do Galeria, Carla Zomignani exaltou a forma como o crítico conduziu o seu trabalho nos últimos anos. “Apesar de suas dificuldades pela saúde debilitada, cumpria com seu compromisso semanal com maestria, sempre trazendo resenhas de relevância para nosso leitor. Certamente deixará uma lacuna nas edições de terça”.


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