De cozinheiro de creche a chef de hotel renomado na Irlanda, conheça a história desse santista

O jovem Felipe Pancas tem uma trajetória inspiradora e hoje comanda as operações do Hotel The Mayson, em Dublin

Por: Fernanda Lopes  -  14/08/20  -  22:14
Felipe Pancas foi para Irlanda sem falar inglês e com o currículo debaixo do braço
Felipe Pancas foi para Irlanda sem falar inglês e com o currículo debaixo do braço   Foto: Danilo Prado/divulgação

Histórias de chefs de sucesso que começaram lavando prato estão cheias por aí. Com o jovem santista Felipe Pancas, de 27 anos, não foi diferente. O inusitado é que ele precisou descer para subir. Vou começar pelo fim: Felipe é chef senior do maior hotel da maior empresa de hospitalidade e entretenimento da Irlanda, a Press Up, e também head chef do restaurante mais conceituado da rede. 


Hoje, tudo é superlativo na vida dele. Comanda muitas pessoas no sofisticado The Mayson Hotel, em Dublin, capital da Irlanda, cidade onde chegou há 4 anos, sem falar inglês, nem conhecer ninguém. Debaixo do braço, a matrícula no curso de idioma e o currículo.


Em Santos, havia se formado em Gastronomia pela São Judas-Unimonte e feito pós-graduação no Senac. A paixão pela comida veio de criança. Uma avó portuguesa, que cozinhava para fora, e outra baiana, que fazia os quitutes regados ao dendê. 


A mesa e a cozinha eram os lugares preferidos do menino, que tinha dificuldades na escola, principalmente após ser diagnosticado com dislexia e déficit de atenção e concentração. “Ser diferente é difícil. Sofri buylling e fui muito desestimulado. Passei por tratamentos complicados até encontrar a homeopatia e o acompanhamento psicológico adequado”.


Queria ser veterinário, mas na hora da escolha no vestibular, a paixão pela cozinha e as boas memórias à mesa o levaram à Gastronomia. Ainda bem! 



Cozinheiro de creche


Antes de partir para Dublin, Felipe tinha começado a ganhar experiência no ofício. Após sair da faculdade, passou em uma seleção para ser cozinheiro da creche municipal Padre Francisco Leite, no Marapé. Seu primeiro emprego registrado. “Ali, aprendi muito. Mesmo sobre catering (serviço de refeições coletivas). Tinha que transformar ingredientes simples em comidas saborosas para crianças que, algumas vezes, só comiam bem ali”. 


Também esteve no então restaurante mais antigo da cidade, o extinto Café Paulista e em uma consultoria para grandes festivais gastronômicos, em São Paulo até ser chef do Milani Di Lui, no Centro Histórico de Santos. 


“Eu não estava completo. Me sentia limitado. Achava que podia crescer mais. Porém, não sabia falar inglês e, como a maioria dos santistas, era bem bairrista e não pensava em sair da cidade até o fim da vida”. 


A mudança


Um primo que ia fazer intercâmbio na Irlanda mudou isso. Ele o incentivou a pensar no assunto. “Decidi fazer seis meses de inglês e ir. No fim, meu primo ficou e fui sozinho sem falar quase nada e matriculado em um curso lá também”, conta, lembrando que bateu de porta em porta em busca de emprego entregando o currículo sem nenhum diálogo pela falta do idioma. 


“Mesmo sendo chef em Santos, pela falta de inglês, comecei lavando pratos em um dos principais pubs de Dublin. Trabalhava 12 horas por dia. De lá, consegui uma vaga em um hotel, da rede que estou até hoje, para ajudante de cozinheiro”. 


Foi aí que a sorte e o talento de Felipe começaram a brilhar, apesar dele ainda não saber disso. “O head chef era estilo Gordon Ramsay, do Hells Kitchen. Bastante agressivo, me pressionava muito e me deu um mês para falar inglês, Eu comecei a conversar com todo mundo na rua, no café, no bar. Precisava falar para aprender. E deu certo”. 


Pressão


Mas a pressão continuou. “Esse head chef era muito exigente. Ele vinha de escola francesa e de restaurante estrela Michelin. Um dia, chegou a me erguer pelo colarinho. Eu ia para casa chorando quase todo dia, pensando que eu não precisava disso, que podia voltar para casa. Mas no dia seguinte estava lá achando que ia ser melhor, mas não era”. 


Belo dia, com a promoção desse chef, Felipe também foi promovido. “Passei de ajudante para junior sous chef .” Daí, foi subindo, passando por vários restaurantes, bares, sempre com êxito. “Mas a saudade de casa falou mais alto e voltei para Santos”. 


Felipe ficou seis meses em casa, foi ser gerente do Haru, restaurante oriental, mas sentia que faltava algo. “É estranho até para eu aceitar que me sentia incompleto em casa. Mas tudo o que eu estava conquistando em Dublin me chamou de volta”. 


Assim que ele chegou já foi contratado novamente como head chef e logo recebeu, daquele seu chef carrasco, um desafio ainda maior: inaugurar o novo e maior hotel da marca na Irlanda, The Mayson. 


“Foi aí que percebi que ele estava me moldando, me testando para ver minha capacidade e me treinando”. Felipe também é head chef do Restaurante Ryleighs, que é considerado o melhor da rede. 


“Tenho saudade de casa, principalmente da minha mãe, cuja ligação é muito forte, mas aqui sou desafiado e reconhecido. Depois que a gente sai e vê o que mundo tem a oferecer é difícil voltar”, finaliza.


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