Unicef já está presente em Praia Grande e em outras cidades da região; conheça as principais ações

Adriana Alvarenga, coordenadora da instituição no Estado de São Paulo, ainda faz um alerta importante

Por: Stevens Standke  -  08/06/20  -  23:31
  Foto: Guido Bompan (Unicef/Divulgação)

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) tem uma forte atuação em São Paulo e, recentemente, deu o pontapé inicial nas suas atividades em sete municípios localizados entre o Litoral Sul e o Vale do Ribeira: Praia Grande, Mongaguá, Peruíbe, Itanhaém, Iguape, Ilha Comprida e Cananéia. O foco nessas cidades é combater todos os tipos de violência contra as crianças e os adolescentes, o trabalho infantil e as distorções na área da educação.


Na entrevista a seguir, Adriana Alvarenga, coordenadora do Unicef no Estado, não só mostra dados regionais impactantes como avalia o reflexo da pandemia de covid-19 nos planos e nas ações da entidade.


Como é o trabalho do Unicef em São Paulo?


Três aspectos são prioritários desde o começo da nossa cooperação com o País – que se divide em ciclos de cinco anos, o atual teve início em 2017. Nossos pilares no Estado, portanto, são o desenvolvimento e os direitos das crianças pequenas, de até 6 anos; os direitos sexuais e reprodutivos, com uma preocupação muito grande com a gravidez não planejada na adolescência; e o enfrentamento de todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes.


Mas, com a pandemia, tivemos de adaptar rapidamente nossas ações para conseguir responder ao que está acontecendo. Nesse sentido, surgiram mais duas frentes, que são: ajudar a conter a transmissão do coronavírus, disseminando informação para vários públicos, e distribuir doações tanto de produtos de higiene pessoal e de limpeza da casa quanto de alimentos para as populações mais vulneráveis, graças a parcerias com algumas empresas.


Junto a isso, trabalhamos para viabilizar a continuidade dos serviços que citei no começo do nosso bate-papo. Nós, por exemplo, auxiliamos crianças e adolescentes a como estudar em casa, ofertamos cursos a distância para profissionais de saúde e assistência social e procuramos mobilizar as crianças e os adolescentes para que se mantenham ativos e conectados uns com os outros, de uma maneira saudável.


O ano de 2020 marca a chegada do Unicef ao Litoral Sul de São Paulo. O que motivou a escolha da região?


Nós temos uma parceria nacional com o Ministério Público do Trabalho, que nos proporciona a oportunidade de passar a atuar em determinados locais do País. Nessa etapa de ampliação das nossas atividades, escolhemos sete municípios, entre o Vale do Ribeira e o Litoral Sul: Cananéia, Iguape, Ilha Comprida, Itanhaém, Peruíbe, Mongaguá e Praia Grande. Identificamos neles algumas condições similares que requerem atenção. Nosso foco principal nessas cidades é o enfrentamento de todas as formas de violência contra as crianças e os adolescentes, com um olhar especial para o trabalho infantil, que tende a ficar mais evidente nos municípios de maior porte.


Também há grande preocupação com o desenvolvimento da criança na primeira infância e com questões relacionadas à educação. Notamos que, apesar de parte considerável das crianças estar na escola, existe uma distorção no que se refere a idade x série, o que implica em dificuldades de aprendizado que precisam ser revertidas para se obter sucesso na trajetória escolar.


São Vicente não ia participar dessa etapa?


Ia, mas isso acabou ficando pendente. Quando iniciamos o trabalho de mobilização, de visitar cada cidade, São Vicente estava lidando com problemas decorrentes das fortes chuvas do verão. Mesmo assim, mantivemos o diálogo para formalizar a adesão do município e, quando tudo caminhava para uma conclusão, veio a pandemia. Continuamos em contato com São Vicente, para tentar uma articulação.


O impacto da covid-19 foi impressionante. Um dia, estávamos visitando as cidades do Litoral Sul; no outro, nos vimos em isolamento social. Tínhamos organizado para o mês de junho, nesses municípios, ações para capacitação de gestores públicos e toda uma frente de trabalho com adolescentes. Mas tivemos de replanejar as atividades e adaptá-las para o formato on-line. Ou seja, não deu para iniciar do jeito como a gente queria.


No Litoral Sul, no momento, também estamos compartilhando materiais para auxiliar no enfrentamento do coronavírus, além de conteúdos úteis para a área da educação.


Onde a situação do trabalho infantil é mais alarmante?


Os principais dados de trabalho infantil estão desatualizados, porque vêm do Censo, que é de 2010 – a nova edição desse levantamento estava prevista para 2020, mas acabou adiada para 2021, por causa da pandemia. Para ter uma noção dessa realidade, cruzamos as informações do Censo com outras referências, como quais municípios participam do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) – esses dados são mais recentes, de 2017, e mostram que Mongaguá, Cananéia e Iguape aderiram a essa iniciativa.


A última informação que temos é que Praia Grande, São Vicente e Itanhaém contavam com situação mais preocupante, devido a um número alto de crianças e adolescentes trabalhando. E por meio do diálogo com o Ministério Público do Trabalho e com as prefeituras das cidades do Litoral Sul, descobrimos que esse problema fica ainda maior nos períodos de férias e nos feriados, com o aumento do turismo. Nessa hora, há bem mais crianças e adolescentes vendendo coisas nos semáforos e nas praias, sem falar da exploração sexual infantil.


Geralmente esses jovens trabalham para ajudar a família?


As causas do trabalho infantil são diversas. Muitas vezes, existe essa pressão para contribuir com a renda familiar; em outros casos, a criança ou o adolescente não frequenta mais a escola, que é um ambiente de proteção, importante para a pessoa dar um rumo diferente para a sua vida. Também há situações em que principalmente o adolescente quer começar a ter o seu próprio dinheiro.


Ao detectar esse desejo, o adulto deve proporcionar possibilidades de esse jovem ingressar no mundo do trabalho de uma forma protegida, ou seja, por meio de um estágio ou de um programa de aprendiz. Trabalhar na rua e deixar de ir para a escola são atitudes que mais prejudicam do que ajudam o adolescente.


O que mais deve ser feito para mudar isso?


É preciso conscientizar as famílias de que empurrar a criança ou o adolescente para o trabalho precoce não favorece a construção de um futuro melhor. Por outro lado, devemos incentivar a população em geral a não contribuir com esse tipo de trabalho.


Vou dar um exemplo: quando você compra algo de uma criança ou adolescente no farol, a sensação inicial é de que está fazendo o bem para aquela pessoa, só que, na realidade, você está fazendo justamente o contrário. O mais recomendado é orientar aquele jovem a procurar um serviço de assistência social ou informar entidades e profissionais de assistência social de ocorrências de trabalho infantil ou de exploração sexual.


A gente também precisa mudar a mentalidade de que é melhor uma criança ou adolescente trabalhar do que estar na rua. Nada disso! O melhor é as crianças e os adolescentes estarem estudando, se formando, protegidos pela família e pela comunidade, pois existe hora para tudo.


Que outras formas de trabalho infantil merecem atenção?


Tem o trabalho infantil doméstico, que é mais escondido e igualmente preocupante. Nele, a criança pode ser forçada a trabalhar na casa de alguém ou obrigada a cuidar de outra criança em troca de moradia, de um pacote de bolacha... Há ainda as piores modalidades de trabalho infantil: o tráfico, a atividade sexual forçada e tudo mais que possa prejudicar a segurança e a saúde da criança.


O Unicef utiliza quais outros indicadores?


Costumamos levar em consideração os dados de uso do Bolsa Família, que são de 2019. Quanto mais a população de um município adere ao programa, significa que maior é a pobreza na cidade. Para você ter ideia: 67% da população de Ilha Comprida utilizam o Bolsa Família; 46,2% em Iguape; 43,6% em Itanhaém; 42% em Peruíbe; 39% em Cananéia; 35,4% em Mongaguá; 15,5% em Praia Grande; 15,4% em São Vicente.


E como tem sido o reflexo da pandemia nos índices de violência doméstica praticada contra crianças e adolescentes?


Acho importante fazer uma observação antes de responder à sua pergunta: normalmente nós coletamos os dados desse tipo de violência em diferentes fontes e, quando vamos cruzá-los, eles nem sempre conversam entre si. Portanto, é preciso haver uma melhor interação entre os serviços de saúde, assistência social, educação, justiça...


Agora, quanto ao reflexo da pandemia nos casos de violência doméstica contra crianças e adolescentes, a tendência é que eles aumentem, do mesmo modo como vem acontecendo com a violência contra a mulher.


Qual é a recomendação nessa hora?


Antes da pandemia, como as crianças e os adolescentes não ficavam o tempo inteiro em casa, o professor, por exemplo, podia identificar que determinado aluno estava sofrendo violência doméstica e tinha como tomar as medidas necessárias. Hoje, com o isolamento social, as crianças e os adolescentes correm o risco de se tornarem vítimas caladas.


Daí a importância de os conselhos tutelares e os vizinhos estarem bem atentos aos sinais de alerta. Inclusive, por causa disso, o Unicef pretende lançar em julho uma campanha nas cidades do Litoral Sul específica para o combate à violência doméstica. Enquanto isso não acontece, temos distribuído o material que produzimos para o Brasil como um todo e que explica como acionar o conselho tutelar quando ele está fechado, como denunciar um caso de violência doméstica na polícia e assim por diante.


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