Uma Páscoa menos doce e mais reflexiva sobre como viver o hoje e o amanhã

A música gravada por Gonzaquinha, nunca foi tão atual: “Somos nós que fazemos a vida como der, ou puder, ou vier..."

Por: Joyce Moysés  -  12/04/20  -  20:50
  Foto: adobe stock

“Se é amor ou sofrimento, se é alegria ou lamento”, nesta Semana Santa pode faltar chocolate, mas não tempo para pensar. Uma das letras mais impactantes da música brasileira, gravada por Gonzaquinha, nunca foi tão atual: “Somos nós que fazemos a vida como der, ou puder, ou quiser. Sempre desejada. Por mais que esteja errada. Ninguém quer a morte. Só saúde e sorte”. É que o drama da pandemia colocou a todos em situação de perigo e pensar na morte faz pensar na vida, segundo a psicanalista e professora Ana Suy Sesarino Kuss, autora dos livros “Amor, desejo e psicanálise” e "Não pise no meu vazio”.


Não se trata de romantização, segundo Ana, mas do que a psicanálise chama de dualismo pulsional. “Curiosamente, neste ano ‘comemoramos’ 100 anos da publicação do texto de Freud (“Além do princípio de prazer”) que funda o conceito de pulsão de morte. Em tempos de coronavírus, quando começamos com ‘é só uma gripe’, passamos pelo ‘opa, mas meus pais/meu filho/ eu mesmo sou do grupo de risco’, até chegarmos ao ‘basta estar vivo para correr risco’, mais do que nos questionar sobre o perigo que se aproxima, nós nos questionamos sobre a vida que temos e que queremos.”


A empresária de eventos Rose de Almeida concorda e recomenda: “aproveite este momento e vista-se por fora para trocar sua roupa interior. A pessoa que você quer ser, depois que tudo isso passar, vai agradecer! Afinal, é hora de renovação, de abandonar velhos hábitos, de criar novas sensações, de investir em novos sentimentos e atitudes”.


Menos consumismo Rose é uma das muitas pessoas que estão avaliando consumir menos. Ela, que adorava usar sapatos coloridos, combinar acessórios, ter sempre roupas novas para ocasiões especiais, leu o livro da


famosa organizer Marie kondo e tirou tudo do armário, amontoando na cama. Aquela montanha de coisas mostrou que algo estava errado. Antes, ela tinha visto uma palestra da caçadora de desperdícios Tiemi Yamashita. E ainda leu na internet sobre um homem que pega o colar de pérolas numa caixinha de veludo, que a esposa guardava para usar numa ocasião especial. Esse marido acha, então, que o velório dela é a ocasião especial.


“Essas coisas me tocaram e eu passei a tirar a etiqueta das roupas novas e a usá-las. Também reduzi as compras, vendi roupas de festa em brechó, dei algumas peças a mulheres da família, mandei colares para um bazar... Tudo que a gente possui de coisas físicas só pesa nossa bagagem espiritual. E o espírito é livre, tem de flutuar sem peso excessivo gerado por nossos quereres e posses”, defende a empresária.


Saudade dos abraços Para questões como “Onde e com quem estou fazendo a tal da quarentena?”, “Como está sendo esse convívio em tempo integral, que sabe-se lá até quando seguirá?”, “Qual o meu nível de desconforto?”, a psicanalista tem uma explicação: “Escolher uma coisa é não escolher as outras; ou seja, escolher o que ganhar é escolher o que perder. E nessa situação de confinamento, há perdas significativas. “Não vou nem falar das viagens, pois não temos para onde ir. Sinto tanta falta de coisas simples, como abraçar os amigos, ir comer a lasanha da minha mãe e ficar deitada na areia da praia feito lagartixa para pegar uma cor!”, conta a expert em assinatura digital Chris Caruso.


A psicanalista explica que essa situação de perdas, de castração, pode ser libertadora. “Quando estamos diante de uma pandemia, reclusos com pessoas específicas, é inevitável nos questionarmos acerca da nossa própria vida e das nossas escolhas. ‘Se queres suportar a vida, prepara-te para a morte’, Freud nos advertiu em 1915. Então, diante desse cenário que mais parece amostra grátis de fim do mundo, é natural que a gente se pergunte: que raios estamos fazendo com nosso tempo (finito) de vida?”


A resposta é particular, única, sendo que dificilmente passaremos pela “visita” de um vírus tão contagioso, cujo tratamento ainda é desconhecido, sem essa questão. “No cotidiano, ela estava abafada pela correria, os boletos, as atividades, as happy hours... Mas agora, fazendo a quarentena ou não (para quem trabalha em funções essenciais), chega


sem defesas a reflexão sobre o que realmente importa nessa vida. E invariavelmente, queridos, a resposta que se tem, com inúmeras variações, é que o que importa é amar e ser amado. Haja trabalho!”, conclui Ana.


Vidas em risco Ninguém melhor que este pai para reafirmar, hoje e sempre, a importância do amor. “Ter uma filha médica no front da guerra contra a Covid-19 é um misto de grande orgulho e preocupação, sobretudo por saber que a escassez de equipamentos de proteção (EPI’s) expõe os profissionais de saúde a um risco elevado”, conta Pedro Martins, CEO de uma holding de cinco consultorias e uma escola de negócios, que fica com o coração ainda mais apertado lembrando da sua Inês, de 27 anos, entubando pacientes 12 horas por dia numa CTI, com uma única máscara comum, que deveria ser usada apenas por uma hora.


“O número de profissionais da saúde infectados nos países onde a pandemia está mais adiantada é exponencial. A minha filha e todos os colegas estão arriscando a vida por nós. Nesta Páscoa, o que eu peço é um pouco mais de responsabilidade, compaixão, e menos egoísmo dos que não respeitam o isolamento social rígido e dos que estão desperdiçando EPI’s profissionais, pois pouparão agora muitas vidas, e depois da pandemia, muitos empregos e empresas da falência.”


Rose também dá seu recado para quem vai continuar como ela no isolamento social: “Domingo de Páscoa é um dia especial, você está vivo, provavelmente abrigado num lar com a família ou mesmo sozinho, vendo a vida pela janela. “Então, use uma roupa nova hoje mesmo, aquela que aguardava uma ocasião especial para sair do armário. Vista-se para você, pro espelho, para alguém com quem divide este momento de reclusão. Vista-se para fazer um carinho no seu corpo, para iluminar sua mente, para dançar pela sala com seu amor como se fossem Ginger Rogers com Fred Astaire. Ih, já viram que sou do grupo de risco... Mudanças pedem outras mudanças, e é assim que os progressos acontecem.”


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