Um sopro de esperança no combate ao câncer de próstata

Pesquisador israelense desenvolveu tratamento inovador para a doença, que dispensa radioterapia e cirurgia

Por: Stevens Standke & Da Redação &  -  08/04/19  -  14:08
Avigdor Scherz elaborou um método inovador para o combate ao câncer de próstata
Avigdor Scherz elaborou um método inovador para o combate ao câncer de próstata   Foto: Vanessa Rodrigues/ AT

É animador conversar com o químico e biofísico Avigdor Scherz. Afinal, junto com o professor Yoram Salomon (falecido em 2017), o pesquisador do Instituto Weizmann de Ciência, de Israel, elaborou um método revolucionário de combate e cura do câncer de próstata. A chamada terapia fotodinâmica vascular dirigida (VTP) é um baita sopro de esperança, pois, além de livrar pacientes com tumores em estágio inicial de fazer radioterapia e prostatectomia, mostra potencial para ser utilizada também contra outros tipos de câncer. Na entrevista concedida durante visita a São Paulo, Scherz afirma que o tratamento praticamente não tem efeitos colaterais e, até o ano que vem, deve ser autorizado no Brasil.


O pesquisador ainda conta que, por incrível que pareça, a técnica foi viabilizada graças a pigmento extraído de uma bactéria marinha e pode funcionar como uma espécie de vacina para futuros tumores.


MÉTODO Como a terapia fotodinâmica vascular dirigida é realizada?


Ela utiliza a droga chamada Tookad Solúvel. Após anestesiar o paciente, inserimos esse composto com catéteres muito finos, de cerca de dois milímetros cada, na região da próstata em que o câncer cresce. Você sabe exatamente onde fazer a infusão, porque o procedimento é guiado por ultrassom. A fórmula que desenvolvemos tem vida útil de, no máximo, 60 minutos e, depois de três, quatro horas, não há mais vestígios dela no organismo. Ela atua apenas dentro da próstata; mesmo circulando pela corrente sanguínea, não vai para outras partes do corpo. Mas essa substância não faz nenhum efeito se não receber um estímulo luminoso. Durante 20 minutos, aplicamos um laser infravermelho, que ativa a droga. Assim, ela começa a destruir os vasos sanguíneos do tumor, até necrosá-lo. Demora de 60 a 80 horas para isso acontecer, e nenhuma estrutura que fica ao redor do câncer é afetada por esse tratamento. 


Quanto tempo leva o procedimento?


De uma a duas horas. Geralmente, a pessoa precisa fazer apenas uma sessão. Caso o tumor não seja totalmente eliminado na primeira vez, torna-se necessária somente mais uma sessão para acabar com o que restou do câncer. 


O que acontece com o tumor após necrosar?


O sistema imunológico se incumbe de coletar essas células mortas e as elimina por meio das fezes e da urina. O organismo demora algumas semanas para realizar esse processo de “limpeza”. Depois de um mês, você não encontra mais nenhum rastro do câncer no corpo.


VACINA Há algum efeito colateral?


Algo importantíssimo é que a terapia fotodinâmica vascular dirigida livra o paciente de passar pela radioterapia e pelo procedimento radical da prostatectomia. Enquanto essa cirurgia costuma causar impotência e incontinência urinária, o tratamento com Tookad Solúvel é bem seguro. Em apenas 1% dos casos, há incontinência; problemas nas funções retais ocorrem em 1% a 2% dos pacientes; somente a impotência se mostra mais recorrente: em 10% a 15% dos quadros, mas é uma condição temporária, que some dentro de três meses.


A terapia é indicada para qualquer câncer de próstata?


Neste momento, ela é adotada para tumores em estágio inicial. Cerca de 80% das pessoas que foram submetidas à substância não tiveram uma reincidência do câncer. Nos 20% restantes, dentro de cinco anos, o tumor reapareceu na mesma área ou em uma região não tratada do órgão. E, em 60% desses casos, o paciente precisou fazer prostatectomia, devido ao avanço do quadro. O que anima é que a terapia fotodinâmica vascular dirigida provoca uma imunidade antitumor muito forte. Em outras palavras: é como uma vacina, por fazer com que o organismo desenvolva a capacidade de atacar e eliminar micrometástases e o surgimento de cânceres similares em outras partes do corpo.


Acredita que o composto que criaram poderá ser aproveitado no combate a outros tipos de tumor?


Creio que sim. Nós estamos adaptando a fórmula para tratar o câncer de próstata mais avançado. E pelo que temos constatado, o Tookad Solúvel poderá ser usado contra tumores detectados em outros órgãos. Em um ano, vamos fazer testes para averiguar sua eficiência contra os cânceres de mama, de pâncreas e do trato urinário. Não vai demorar para nós termos uma posição quanto a isso.


BACTÉRIA O Tookad Solúvel é produzido a partir de quê?


Para fabricar o composto, extraímos pigmento de uma bactéria marinha. Trata-se de uma clorofila bacteriana, que é modificada quimicamente para se chegar ao Tookad Solúvel. A vantagem aqui é a seguinte: geralmente a produção de clorofila bacteriana requer um ambiente sem oxigênio e exposição direta à luz. A bactéria da qual retiramos a molécula para a nossa droga consegue fazer isso em ambientes regulares, ou seja, com presença de oxigênio. Se não fosse assim, as despesas seriam ainda maiores.


FAMÍLIA Mas qual foi o ponto de partida para o desenvolvimento da terapia fotodinâmica vascular dirigida?


Como em muitos avanços registrados na Ciência, tudo começou por causa de um caso na família. Após dois anos, o câncer retornou e esse parente precisou enfrentar uma quimioterapia agressiva. Aquilo me fez pensar que deveria haver um jeito diferente de tratar o tumor, algo que fosse mais simples e menos sofrido. Fui ver o que tinha ao meu alcance para ajudar. Pensei: sou biofísico e químico, conheço a bactéria marinha que citei, o processo de fotossíntese, como os lasers funcionam e sei um pouco de computação, e posso tentar explorar tudo isso que a natureza oferece. Tive a sorte de encontrar o parceiro de pesquisa ideal no Instituto Weizmann de Ciência, em Israel: o professor Yoram Salomon, que morreu de mieloma múltiplo em 2017. Com o auxílio de colegas, preparei vários compostos até chegar à fórmula que utilizamos hoje em dia. Quando acertei na composição, eu e o professor Salomon decidimos iniciar os testes em animais – tipo de procedimento que ele sabia como conduzir da melhor forma possível. Nós achávamos que o tratamento que estávamos desenvolvendo deveria ser diferente de tudo o que se fazia em termos de fototerapia dinâmica e, no final das contas, deu certo.


Conseguiu ajudar o seu parente que estava com câncer?


Não, ele obteve a cura sem mim. Mas espero poder contribuir para que muita gente se livre da agonia trazida por essa doença. Até o momento, a terapia fotodinâmica vascular dirigida já foi utilizada por 70 mil pessoas ao redor do mundo.


DIFUSÃO O tratamento já se encontra disponível em quantos países?


A terapia tem sido usada em Israel, no México e em 27 nações da comunidade europeia, entre elas o Reino Unido. Em breve, o método deve começar a ser implantado nos Estados Unidos. O Food and Drug Administration (FDA, órgão regulador do país) vem se mostrando bem favorável à aprovação dotratamento por lá. No que se refere ao Brasil, estamos em fase de negociação com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela já autorizou o laser e os cateteres que utilizamos. Agora, analisa o pedido de <liberação da droga que nós desenvolvemos. Pelo que vi, tudo caminha bem. Acredito que, no prazo de um ano, já teremos o aval para introduzir a metodologia no Brasil. Espero sinceramente que, com essa expansão global, a nossa técnica provoque uma verdadeira mudança de paradigma.


Qual é o preço do tratamento?


Ainda não tenho ideia exata de quanto ele custará por aqui. Mas, para se ter uma base de valor, nas nações europeias, a terapia fotodinâmica vascular dirigida sai, em média, a 13 mil euros (cerca de R$ 56,5 mil). Temos feito um enorme esforço para incluir esse método nos sistemas públicos de atendimento e nos planos de saúde dos países. Essa popularização será uma realidade, em breve, na Alemanha, na Itália e também na França.


EVOLUÇÃO Há quanto tempo trabalha nesse projeto?


Me dedico a essa pesquisa desde o início da década de 90. Portanto, estamos falando de quase 30 anos de trabalho. A princípio, eu não focava exclusivamente nesse tema. Também estudava como as cianobactérias (bactérias que se associam às algas azuis para obter energia por meio da fotossíntese) estavam reagindo e resistindo às mudanças climáticas e ao aquecimento global. Mas, com o tempo, o tratamento do câncer se tornou a minha prioridade. Entendi que minha meta devia ser achar uma maneira de destruir tumores e fazer com que o corpo lutasse contra as células cancerígenas.


Quando é que vocês realmente começaram a ter resultados significativos?


Quatro anos depois do início da pesquisa, vimos que a droga funcionava em animais. Nós queríamos que a substância atacasse o tumor como um todo, porque, até hoje, vários compostos agem de forma individualizada, ou seja, eles eliminam uma célula cancerígena aqui, outra li e assim por diante. Para acabar com o tumor de uma vez só, como a gente pretendia desde o princípio, normalmente deve-se removê-lo cirurgicamente. Após publicar as nossas primeiras constatações, atraímos o interesse de uma companhia privada, que, em 1996, assinou contrato para patrocinar nosso estudo.


O que aconteceu na sequência?


Descobrimos que a fórmula da droga que estávamos utilizando no período não era estável o suficiente, ela não conseguia aguentar muito tempo de armazenamento. Entre 2000 e 2003, fizemos um grande esforço para equilibrar as moléculas do Tookad Solúvel. E no fim de 2003, submetemos para aprovação a nossa primeira patente. De lá para cá, registramos diversas patentes até chegarmos à fórmula <QA0>
atual, que tem efeitos colaterais praticamente zerados. 


E por que partiram justamente do câncer de próstata?


Foi o que melhor respondeu a todas as possibilidades proporcionadas pela droga. Sem falar que, na hora de dar sequência a esse tipo de estudo, é mais fácil para obter o aval das autoridades responsáveis.


Confira reportagem completa na edição deste domingo (7) de AT Revista.


Logo A Tribuna
Newsletter