Sem medo de ousar, Flavio Canto comenta trajetória e revela novos desafios

Além de trilhar caminho de sucesso no judô, ele viu no esporte a chance de ajudar quem precisa, com o Instituto Reação. O ex-judoca fala ainda do trabalho na TV e da paixão pelo surfe

Por: Stevens Standke & Da Redação &  -  02/09/19  -  17:33
Flávio Canto é o criador do Instituto Reação, que começou levando o judô para a Rocinha, no RJ
Flávio Canto é o criador do Instituto Reação, que começou levando o judô para a Rocinha, no RJ   Foto: Vanessa Rodrigues/ AT

Engana-se quem acha que as maiores conquistas de Flavio Canto aconteceram quando ainda defendia o Brasil no judô. Na opinião do mobilizador do Criança Esperança, a principal realização da sua vida é o Instituto Reação, que fundou no Rio de Janeiro há quase 19 anos, durante uma fase ruim no tatame, e que se encontra em expansão – promovendo a inserção social de jovens carentes por meio do judô, além de revelar talentos como a campeã olímpica Rafaela Silva. O ex-atleta de 44 anos também tem brilhado na TV, onde, agora, comanda o programa do SporTV Sensei Combate. E há pouco, esteve em Guarujá para ministrar palestra no Simpósio de Educação 2019. No bate-papo, Flavio conta que nasceu em Oxford, na Inglaterra, e por isso tem dupla nacionalidade. Ainda diz que, antes de resolver se aposentar do judô, correu o risco de perder uma perna. Sem falar que teve dificuldade para se acostumar com a superexposição trazida pelo trabalho na TV e pela relação com a ex-mulher, a atriz Fiorella Mattheis.


ENGAJADO Montar o Instituto Reação estava nos seus planos?


Sempre fui um cara muito caótico, que faz várias coisas juntas e vive na correria. Mas passei a praticar judô tarde, com 14 anos. Aí, aos 18, ingressei na faculdade de Direito e, com 19, a minha vida deu uma mudada, porque entrei na seleção principal, adulta. Montei o Reação aos 25 anos. Como havia sido derrotado na seletiva para a olimpíada, me sentia meio perdido e queria dar significado diferente para aquilo. Foi assim que surgiu o instituto. Aprendo demais lá, todos os dias. Tem gente que fala que sou humilde. Na verdade, me deparo com tantas situações no Reação que, quando começo a me achar um pouquinho, vejo algo que me faz repensar as minhas atitudes. Por exemplo, um aluno que teve o pai assassinado na frente dele vai treinar com um sorriso e leva a vida adiante. O instituto dá pé no chão. 


Ele é a maior obra da sua vida?


Já há bastante tempo o Reação é o melhor lugar da minha vida. Nele, exerço movimento que considero muito importante, que é o de mudar mundos. Também tenho feito séries bem legais para a TV, como a sobre os atletas paralímpicos. Quero me sentir relevante, ajudar a melhorar a sociedade.


Desde que fundou o instituto, você não para de investir na sua formação como executivo. Ainda consegue dar aulas no projeto?


Virei cartola (risos). Nos 11 anos iniciais do Reação, eu tinha aulas fixas, para alunos de faixa branca a preta. Agora, os professores do instituto, em maior parte, são judocas formados por mim e pelo meu técnico, o Geraldo Bernardes. Lá pelo 12º ano do Reação, a gente não só cresceu bastante, como a minha vida seguiu por lugares diferentes, entre eles a televisão. Com isso, entendi que seria mais útil na gestão do instituto do que dando aulas e, desde então, procuro melhorar a minha formação nesse sentido. O conselho também contribui demais para uma gestão sólida.


AMPLIAÇÃO Qual é a abrangência do Reação?


A gente começou na Rocinha, depois vieram as comunidades de Cidade de Deus e Deodoro. Hoje, são oito polos no Rio e cerca de 1.800 pessoas atendidas. Estamos entrando em Cuiabá (Mato Grosso), onde o David Moura, peso-pesado da seleção, será o nosso líder. Há anos, temos nos preparado para expandir o movimento. Estamos namorando a ideia de atuar em Brumadinho (Minas Gerais) e, mais para frente, em São Paulo.


Como funciona o instituto?


Temos três programas: o de formação de faixas pretas, o de educação – em que a criança, quando sai do tatame, vai para a sala de aula – e o olímpico, que conta com 220 atletas de alto rendimento. As pessoas comentam bastante que a campeã olímpica Rafaela Silva foi formada pelo Reação, mas não é apenas ela. Temos muita gente boa. Possuímos atletas em todas as seleções de judô, da sub-13 à adulta. 


Imaginava que, um dia, chegaria a esse ponto?


Eu imaginava, porque o nosso DNA está ligado a isso. No início do instituto, em 2000, era ousado falar de alto rendimento em um projeto social. As entidades evitavam participar de competições, por temerem frustrar uma criança que já era excluída. Só que eu olhava para aquilo e pensava: “Essa galera está sendo preparada para ir para a Disney. A vida não funciona assim. Ela, na verdade, é uma grande competição”. Se você oferece um programa que ressignifica a competição, a vitória e a derrota, obtém resultados incríveis. Um aluno nosso aparece em livro da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) dizendo que, apesar de ser ruim no judô, foi graças ao esporte que descobriu o potencial para a Matemática. Esse é o motivo de termos como slogan: “Formando campeões dentro e fora do tatame”.


TRANSIÇÃO Você realmente nasceu em Oxford?


Sim. Na época, o meu pai estava fazendo doutorado em Física Nuclear lá e a gente ficou na Inglaterra até eu completar 2 anos. Tenho dupla cidadania. Aí, minha família voltou para o Rio e, dos meus 9 aos 11 anos, fomos morar de novo fora – nos EUA e na Inglaterra – por causa do meu pai.


Já praticou outros esportes?


Uma porrada! Entre eles, natação, futebol e surfe – ainda pego onda hoje em dia. E cheguei a nadar no Flamengo, que tem uma das melhores equipes de natação do Rio, mas só me destaquei mesmo no judô. A minha família é muito ligada em esporte. Para ter ideia, quando eu era moleque, os meus tios organizavam uma olimpíada da família e a gente tinha um sítio onde todo mundo ficava jogando vôlei e futebol a maior parte do dia. O meu avô foi para a Olimpíada de 92, como dirigente de tênis.


Como o judô entrou na sua vida?


Lembro que o Aurélio Miguel foi o único campeão do Brasil inteiro na Olimpíada de 88. Por causa disso, o judô ficou bastante forte por aqui, e o meu irmão fazia aula com o técnico do Aurélio, o Geraldo Bernardes. Como eu apanhei na escola, resolvi entrar no judô, para poder me vingar da galera que bateu em mim. No final das contas, não me vinguei de ninguém, pois o judô dá equilíbrio. E me apaixonei pelo esporte, nunca mais o deixei.


O curioso é que, por mais que você tenha começado tarde no judô, logo ingressou na seleção brasileira.


O que foi um susto! Afinal, obtive uma vaga na seleção principal com 19 anos. Treinava mais do que todo mundo que conhecia. O Geraldo sempre acreditou em mim e me estimulou a fazer isso. Vou te falar que, até hoje, carrego a sensação de que estou atrasado ou devendo algo. Então, sempre estou ralando, correndo atrás do “tempo perdido” em tudo o que faço na minha vida. 


APOSENTADORIA Quem enxergou o seu potencial para fazer TV?


Em 2003, conquistei uma medalha de ouro no Pan de Santo Domingo (República Dominicana); em 2004, ganhei bronze na Olimpíada de Atenas (Grécia) e, em 2005, me machuquei. Como fiquei fora do Mundial, a Globo e o SporTV me convidaram para comentar o campeonato, experiência que foi bem legal. A partir daí, eles começaram a me chamar para as transmissões dos torneios toda vez em que não estava competindo.


Um belo dia, o SporTV pediu para gravar o piloto do Sensei Combate. A direção do canal estava resistente em fazer o programa, pois o MMA seria tema recorrente. Mas eles achavam que se eu apresentasse, devido à minha imagem de bom garoto, valeria a pena tocar o projeto. Fiquei um período fazendo o Sensei. Com o tempo, por causa dos meus compromissos de atleta, precisei me afastar do programa. Entre 2009 e 2010, voltei a apresentá-lo, a pedido do SporTV. 


Como conciliou a vida no esporte e as atividades na televisão?


Dei um jeito de fazer tudo. Em 2012, eu pretendia lutar na Olimpíada de Londres, só que não estava 100% recuperado de uma lesão no joelho e havia caído bastante no ranking – matematicamente, não tinha chances de ultrapassar o Leandro Guilheiro, que é meu amigão. Como a Globo havia me convidado para fazer o Corujão do Esporte diariamente na olimpíada e eu já estava com 35 para 36 anos, resolvi me aposentar e focar na tevê.


Foi doído decidir se aposentar?


Foi, literalmente. Nos sete meses em que fiquei parado para cuidar da lesão no joelho, passei por quatro cirurgias e tive duas infecções bacterianas. Precisei ficar 20 dias internado, com antibiótico na veia, para não perder a perna, porque existia o risco de a bactéria entrar no osso. Por mais que tivesse participado de competições depois disso tudo, o meu rendimento e a minha motivação não eram mais os mesmos, e achei melhor parar.


A fama fez com que a sua vida, inclusive pessoal, ficasse bem exposta. Leva isso numa boa?


Venho de esporte muito nichado, bem silencioso em comparação com o futebol, o vôlei e o surfe. O judoca fica em evidência em momentos pontuais, como uma Olimpíada, um Pan ou Mundial. No resto do tempo, é bastante tranquilo. Mas isso mudou de figura quando entrei na TV e me casei com uma pessoa famosa (a atriz Fiorella Mattheis). Apesar de a gente ter se separado logo, eu não estava acostumado com tanta exposição. Aos poucos, fui aprendendo a me proteger e, se preciso, ficar quieto.


LAZER O que faz para descansar?


Como tenho diversas atividades, é difícil eu descansar. Quando estou mais tranquilo na TV, preciso dar uma atenção ao instituto e vice- versa. De julho para cá, foi intenso na televisão: fiz 19 programas do Pan-Americano de Lima (Peru) de madrugada, ensaiei o Criança Esperança por duas semanas diariamente das 13 às 20 horas e, depois, comentei o Mundial de Judô e fui para Pindamonhangaba (São Paulo) gravar a segunda edição do Ippon – A Luta da Vida, reality do Esporte Espetacular que será exibido em breve. O pior é que, dessa vez, não maneirei no Reação, concentrei os compromissos do instituto nas manhãs. Agora, em setembro, vou dar uma acalmada.


Qual é o seu plano?


Paz para mim é estar na água, pegando onda. Mas, para descansar de verdade, preciso sair do Rio, senão eu não dou um tempo nas minhas atividades. Gosto de fazer viagens que mesclem o surfe com programações culturais. De quinta que vem ao dia 12, pretendo relaxar no Nordeste, onde vou aproveitar para praticar kitesurf.


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