Saber perder é fundamental para a saúde emocional

Seja uma eleição, seja uma promoção, é preciso saber aceitar uma derrota cuidando para não perder muito mais...

Por: Por Joyce Moysés  -  30/11/20  -  01:00
Lidar com a derrota faz parte do crescimento
Lidar com a derrota faz parte do crescimento   Foto: adobe stock

Somos educados numa sociedade que aplaude o sucesso, que fala “vai lá que você consegue”, “se você quer, você pode”, “é preciso ser competitivo na vida” e por aí vai. Como fazer as pessoas entenderem que não são derrotadas na vida só porque tiveram uma perda? “Se competimos o tempo todo, ficamos focados em quem perde e quem ganha, não no bem comum. A sensação de perda gera frustração? Isso é natural”, de acordo com Regina Truffa Tarabay, psicóloga clínica e terapeuta de casal e família.


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A psicóloga acredita ser necessário que a sociedade estimule mais a visão de coletividade, pois quando a competição é demasiadamente incentivada, ela trava muitas atitudes positivas nos ambientes, cega a pessoa para o lado mais construtivo da situação. “E o instinto de preservação pode falar mais alto.” Quando a pessoa passa a ver o outro como inimigo, não como aquele que pode de alguma forma contribuir para o seu autoconhecimento, perde chances preciosas de evoluir.


Regina concorda que é um desafio lidar com as emoções de raiva e frustração, para dar a volta por cima, ter resiliência. Mas é necessário buscar esse aprendizado. Uma inspiração é o superastro do basquete americano Michael Jordan, que disse certa vez: “Eu errei mais de 9.000 arremessos na minha carreira. Perdi quase 300 jogos. Em 26 oportunidades, confiaram em mim para fazer o arremesso da vitória e eu errei. Eu falhei muitas e muitas vezes na minha vida. E é por isso que tenho sucesso.”


Filhos que não sabem perder “É difícil ensinar aos filhos, por exemplo, porque muitas vezes nem aprendemos. A raiva, a decepção, a tristeza são reações que vão aparecer mesmo – então, não adianta negá-las. O


primeiro passo é assumir, identificar esses sentimentos como naturais e usar para mostrar que podem se olhar mais e perceber o que realmente querem, e não como munição de ataque ao outro”, diz Regina.


Numa pesquisa rápida sobre o tema “saber perder” no Google, é muito comum encontrar conteúdos direcionados a educar os filhos pequenos a esse respeito. “Geralmente crianças que não sabem perder têm na origem familiar estímulos velados de competição. Por isso, a família pode aprender a lidar melhor com isso, identificando o universo causal que muitas vezes ela própria está alimentando sem perceber”, alerta a psicóloga.


E o que dizer de um adulto que mostra publicamente sua dificuldade de aceitar que perdeu? Talvez você tenha lembrado do presidente americano Donald Trump, e sua enorme resistência em reconhecer ter sido derrotado na eleição do início de novembro. No Programa Papo de Segunda (canal GNT), o filósofo e escritor Francisco Bosco opinou considerar sintomático um líder populista como ele não saber lidar com perda, por acreditar que se fortalece atacando, “para depois se apresentar como o salvador da pátria”.


Psicologicamente como explicar essa reação tão negativa à perda? É para mascarar a própria fragilidade? “Só alguém frágil e medroso levanta tantas barreiras. É como o Coringa, que se armou, se mascarou tendo como alimento suas feridas. Trump utilizou de todos os recursos para negar a realidade. E o que nos coloca no mundo adulto é justamente lidar de maneira mais madura e construtiva com a realidade”, responde Regina.


Quanto ao ganhador... As pessoas também rejeitam aquele que fica pondo holofotes na sua conquista, por achar que está humilhando o(s) “oponentes” perdedore(s). Uma medida positiva no comportamento do ganhador seria, para muitos, a dos alemães quando ganharam do Brasil no 7X1. Uma prova disso é que muitos brasileiros não os odiaram depois. Alegam que esses estrangeiros não tripudiaram sobre a tristeza dos canarinhos...


“Ganhar sem humilhar o oponente é o que pode minimizar a rejeição. Não existe o dia sem a noite, o doce sem o salgado, o frio sem o


calor e nem o ganhador sem o perdedor”, comenta a psicóloga, reforçando ser importante comemorarmos nossas conquistas, mas sempre sem desqualificar o outro.


Somos avessos ao risco Paula Sauer, planejadora financeira CFP e professora de Economia da ESPM, avisa que a dor de perder é bem maior que a alegria de ganhar. “Segundo a Teoria das Perspectivas de Daniel Kahneman e Amós Tversky, de 1979, teoria que é chave na Economia Comportamental, não somos avessos ao risco - e, sim, à perda. A sensação de perder, para nós, é muito ruim, corresponde a 2,5 vezes mais que a alegria proporcionada pelo mesmo ganho.”


A economista destaca que “não gostamos de perder nada (uns quilinhos talvez e só)”, e um efeito disso é nos colocamos em situações de risco para evitar essa perda e essa dor. Muitos experimentos são feitos nesse sentido.


“Em um deles, realizado por Sholo Bernartzi e Richard Thaler em 2007, são entregues maçãs a macaquinhos, sendo duas para uns e só uma unidade para outros. Ao receber o ‘presente’ ficam felizes, mas o pesquisador retira uma das maçãs daqueles que receberam duas. Esses macaquinhos que tiveram a maçã retirada, ficam muito zangados, e se arriscam para pegar de volta”, detalha Paula.


Perdas significativas O efeito colateral é que o tal medo de perder faz com que as pessoas realmente percam mais do que ganhe. “Esse viés faz com que as pessoas se exponham a mais situações de risco, para evitar ou tentar recuperar-se de uma perda”, avisa a expert em finanças. E, num cenário de mais risco, é maior a probabilidade de os eventos ocorrerem de forma diferente do imaginado, do desejado, podendo inclusive ocorrer mais perdas.


Este ano, a pandemia avivou em muita gente a sensação de que podia perder muita coisa material e emocional. A economista lembra que “muitos de nós efetivamente perderam muitas coisas, como renda, empregos, contato com pessoas queridas. Perderam parentes e amigos amados. Todas essas situações conduzem a um sentimento de perda, impotência e luto. É muito delicado”.


Em um cenário desses, para muitas pessoas é até difícil enxergar alguns ganhos. Paula observa que, após um período de adaptação, muitas passaram a gostar do home office, da maior proximidade com a família, do tempo com os filhos e pets. “Mas é como se fossem resultados de eventos separados. Ou seja, os ganhos não são suficientes para compensar as perdas de mesmo valor.”


Queda do poder Quanto ao cenário das eleições norte-americanas, a economista também vê no comportamento do atual presidente Donald Trump evidências de aversão à perda.


“Durante o processo eleitoral, e o clima de ‘já ganhou’ dele remete ao experimento com as maçãs. É como se ele tivesse ganho uma maçã, retirada depois, enquanto ocorria a contagem dos votos. A dor da perda da reeleição foi tão grande, que ele fez ameaças, reclamou na Justiça, pediu recontagem dos votos... arriscando-se, assim, a perder mais votos na recontagem e também a simpatia de seus eleitores.”


Para alguns psicólogos, a birra do Trump também foi vista como sinalização de fantasias infantis não superadas. Crianças acharem que são donas do mundo é tolerável até que vão crescendo e sendo ensinadas a serem colaborativas, a terem empatia, a dividirem os brinquedos etc. Se crescem mantendo o anseio de que a realidade se dobrará aos seus desejos para que possam reinar absolutas sem fazer concessões ao outro, precisam ser avisadas que alguma hora vão se frustrar. Freud já avisava que um pouco de mal-estar é inevitável à própria condição humana.


Paula completa que muitos agem com a resistência de Trump para, além de buscar recursos a fim de tentar reverter o resultado, “ganhar tempo para aceitar sua derrota, que é muito dolorida. Eu mesma procuro ser bem ‘pé no chão’. Enquanto não vejo as coisas acontecendo concretamente, não canto vitória, não, porque a sensação de perda dói demais”.



 


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