Redes sociais e pandemia: entenda como elas mexeram com emoções

As ferramentas digitais são hoje intermediárias entre as pessoas e todo o resto. Portanto, deve haver uma reflexão grande sobre o tamanho desse elo

Por: Joyce Moysés  -  18/10/20  -  15:45
  Foto: Adobe Stock

Assistir ao documentário O Dilema das Redes (Netflix) está deixando muita gente reflexiva. Quem não viu, mas é ativo nas redes sociais, deve ter uma noção do que se trata pela proliferação de comentários. Ou pode ainda ter lido em A  Tribuna o crítico de cinema André Azenha comentar que “chega a ser assustador” o que contam ex-executivos de companhias fortes do universo digital sobre as estratégias para ficarmos tão “plugados, antenados e necessitados da internet”.


Mesmo não sendo possível afirmar ligação direta com o filme dirigido por Jeff Orlowski, a empresa de análise e pesquisa Decode levantou que cresceram 250% no Google as buscas para saber como desativar ou excluir conta no Facebook, no período de 9 a 29 de setembro; além de como excluir Instagram (100%), desativar notificações (110%) ou desativar temporariamente (120%). Segundo a mesma pesquisa, não houve mudança prática.


Bruno Scartozzoni, pioneiro do storytelling corporativo no Brasil, co-fundador da StoryTalks, fez um post no Linkedin para registrar suas impressões sobre documentário afirmando que “a internet moleque e inocente morreu. Agora é tudo sobre algoritmo e dinheiro... estamos mais conscientes sobre os efeitos disso agora. O documentário mostra técnicas banais para quem trabalha com marketing digital (por exemplo, teste A/B e growth hacking). Será que são banais mesmo, ou a gente deveria refletir sobre isso?”


O storyteller lembra que a disputa pela atenção das pessoas não é novidade. “A diferença é a escala: hoje há uma velocidade e um alcance inéditos. Caberá à sociedade desenvolver mecanismos e práticas para atenuar esses problemas. Muito em breve será assunto corriqueiro...”


Sim, tem consequências 
Para o psicólogo Haendel Motta, O Dilema das Redes pode ser visto como um filme sobre o conceito psicanalítico de “sintoma”. Enquanto na medicina é sinal de uma causa (os de Covid-19 incluem febre, tosse seca, cansaço), na psicanálise é um tipo de retorno do que ficou de fora da narrativa. Por exemplo, o cara enriquece e vê que trabalha mais agora, para manter o que adquiriu, do que antes...


E o que fazer, então, diante do “sintoma” das redes? “Estar advertido para saber lidar com isso”, responde o psicólogo, acrescentando que “tudo traz um preço, uma contraparte, um mal-estar incluído na promessa de bem-estar. Não devemos nos alarmar com cartazes anti-digitais: vivemos, como dizia Carl Sagan, uma ‘adolescência tecnológica’, agora é amadurecer nossa relação com ela.”


Para Haendel, que tem pós em Clínica Psicanalítica e mestrado em Psicologia Clínica, o dilema não está apenas no vício em redes, “mas na tremenda Terra do Nunca que o mundo virou, com Peter Pan o tempo todo cantarolando o fácil, o rápido, o simples assim, o divertido, o tik, o tok, o eu-eu-eu, o mundo adulto tão chato, o seja pura positividade...” Ele sugere reagirmos a esse filme “nos tornando usuários menos suscetíveis, mais críticos e amadurecidos, capazes de subtrair e não só acumular mais notificações e apps”.


Frente à discussão, o Facebook se posicionou, publicando uma carta virtual aberta em que acusa o filme de ser sensacionalista e oferecer “uma visão distorcida de como as redes sociais funcionam”. Também listou sete erros do documentário, defendendo-se de cada um. 


Por exemplo, afirmou que constrói seus produtos para criar valor, não para serem viciantes; que o usuário não é o produto, pois o negócio é custeado por propaganda, e que seus algoritmos não são “maus”, funcionando para a plataforma continuar relevante e útil.


Aliada na pandemia 
“Não há como negar a importância da internet. Por meio das telas, temos acesso à informação, educação, comércio, lazer, entretenimento e, principalmente, comunicação”, opina Geiry Amaral, diretora pedagógica da Escola Maple Bear Santos.


“Vale destacar que, no início da pandemia, inúmeros serviços foram efetuados somente de forma virtual. E com as escolas não foi diferente, por causa da necessidade de adaptação para se comunicar com as famílias e realizar aulas on-line.”


Ela acredita que o documentário pode incentivar desenvolver um olhar crítico em relação à tecnologia. Mas antes dele, Geiry já via a educação e a supervisão rigorosa dos pais sendo fundamentais para o uso das redes sociais não sair de controle, seja qual for a idade do filho. “O adolescente que convive com as redes sociais diariamente pode não notar os impactos, e está em uma fase de maturação do cérebro, então nem sempre consegue discernir o que é certo e errado”, alerta a diretora.


Todo excesso é prejudicial e a falta de limites poderá acarretar consequências emocionais como ansiedade, além de depressão, que surge com as frustrações geradas por expectativas não realizadas nesse universo digital. É importante que os pais orientem crianças e adolescentes sobre o conceito de risco e a segurança on-line, fale sobre o tema, acompanhe os acessos e imponha limites. A Escola também possui responsabilidade, segundo a diretora, promovendo debates sobre o uso das telas e incentivando o equilíbrio com atividades off-line em família, como leitura.


Inclusão x exclusão digital 
A especialista em inteligência emocional Andrea Sarno observa um quadro crescente de depressão e ansiedade, “e o excesso de rede social contribui para isso. Por outro lado, ficar de fora desse ambiente, hoje em dia, é desafiador. É nas redes onde você encontra profissionais, busca referencias, conecta-se com pessoas, expõe seu trabalho...”


A grande sacada, na visão de Andrea, é fazer um combinado consigo mesmo dos seus objetivos na rede e definir um tempo máximo de tela, garantindo um tempo para interação presencial, mesmo sabendo que durante a pandemia isso está mais restrito.


“A inteligência emocional ajuda, por exemplo, a termos mais consciência de como somos afetados por nossas emoções, de como podemos criar e alimentar relações saudáveis, e também a termos clareza sobre o que é realidade ou fantasia. Além do mais, ajuda a fortalecer a autoestima e a autoconfiança, fazendo com que a gente consiga filtrar melhor essa exposição à rede, tendo mais controle sobre como e para que vai usá-la”, conclui a especialista.


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