Preta Gil, mais livre e madura, fala sobre seus quase 20 anos de carreira

A cantora e apresentadora fala dos desafios e comparações que teve de superar e ainda mostra o seu lado empreendedor

Por: Stevens Standke  -  17/10/21  -  09:08
 “Precisei passar por várias coisas para poder me aceitar e me desconstruir”
“Precisei passar por várias coisas para poder me aceitar e me desconstruir”   Foto: João Miguel Júnior/ Divulgação

Quem vê a mulher dona de si que é Preta Gil não imagina o longo caminho que teve de percorrer até se empoderar e se amar. Tanto que só começou a investir na música aos 28 anos, principalmente por causa da forte insegurança que sentia. Sem contar que se submeteu a quatro lipoaspirações, praticamente seguidas, para afugentar o preconceito que sofria (e ainda sofre) por estar acima do peso. Mas, aos poucos, Preta amadureceu, aprendeu a administrar as comparações com o pai, Gilberto Gil; a madrinha, Gal Costa, e o tio, Caetano Veloso, e conquistou o seu próprio espaço no meio artístico. Para completar, mostrou-se uma empreendedora de mão cheia: tem um bloco de Carnaval, uma marca de esmaltes, um selo musical e duas empresas de consultoria e agenciamento de artistas e influenciadores – entre seus clientes estão nomes como Pabllo Vittar e Thelminha. A seguir, a jurada do Show dos Famosos, do Domingão com Huck, fala do seu novo single, que fez com o filho, e das comemorações dos 20 anos de carreira. Abertamente bissexual, Preta, que está com 47 anos de idade, comenta também o seu engajamento em causas LGBTQIA+.


Família

Você e o Fran fizeram juntos a música Meu Xodó. Como foi trabalhar com ele?

Não tem coisa mais emocionante do que poder gravar com o meu filho! Todo o processo foi muito especial, desde quando ele me apresentou a música até o dia do lançamento. Mesmo que no começo eu não tenha tido uma conexão com a faixa da forma como tenho hoje, é lindo pensar que o seu filho escreveu uma música assim para você, para te ajudar (já que Preta passava por fase difícil, marcada pela perda de pessoas queridas). Portanto, trabalhar com o Fran (que tem 26 anos) significou renascimento, vida, ancestralidade e espiritualidade. Algo em que nós dois acreditamos demais e que colocamos em cada pedaço desse single. Sinto bastante orgulho de ver meu filho crescer e virar artista incrível. Também me encanta o fato de ele poder resgatar em mim tantos sentimentos bons. Essa é a primeira vez que fazemos um single juntos; antes, nós tínhamos apenas feito lives juntos.


Como é enquanto mãe?

Eu sou supercarinhosa e vibro com cada passo do Fran, seja ele pessoal ou profissional. Criar um filho é um processo trabalhoso, que, muitas vezes, pode gerar insegurança, ainda mais quando se é jovem. Mas eu tive bastante apoio de toda a minha família. Sempre fiz questão de incluir o Fran em tudo o que podia na minha rotina, mesmo em períodos de shows. Ele cresceu dentro desse mundo. Minha maior preocupação sempre foi dar ensinamentos para que pudesse se tornar um adulto íntegro, atento ao próximo e livre. E acredito que conseguimos alcançar isso.


E o que está achando de ser avó?

Digo que a Sol (de Maria) deu um sentido e um brilho novo à minha vida. Hoje, quando ela chega em casa, transforma o ambiente, deixa tudo mais leve, mais alegre e contagia todos em sua volta.


Aniversário

Quais são os seus projetos daqui para frente?

Completo 20 anos de carreira em 2022 e pretendo celebrar essa data bastante. Minha ideia é ir além de revisitar a minha história, e projetar as próximas duas décadas. Tenho muito para mostrar e conquistar.


O que sente ao olhar para trás e ver tudo o que conquistou?

Ao longo desses 20 anos, eu me descobri uma mulher forte, me arrisquei, quebrei paradigmas, abri espaços, pude fazer a diferença na vida das pessoas. Não só com a música, mas pelo empreendedorismo também. Adoro descobrir e desenvolver novos talentos, apontar caminhos. Isso está no meu DNA. No mais, sou grata por me permitir viver tantas emoções. Algumas boas; outras nem tanto. Porém, todas fundamentais para me tornar a mulher que eu sou hoje.


Insegurança

Por que só foi investir na música os 28 anos?

Houve mil motivos para isso. O maior deles, com certeza, foi a insegurança. Eu estava me descobrindo ainda. Pensar em começar uma carreira na música me dava ansiedade. Muitas coisas acabaram acontecendo na minha vida e me fizeram querer seguir o caminho mais comum (de, a princípio, trabalhar como publicitária). Eu reconheço, por exemplo, que me mudar para São Paulo naquela época foi uma fuga. Aí, depois de um tempo, senti que precisava mudar, que aquilo não era o que eu queria. Mais madura, mais segura, resolvi apostar no que amava de verdade, que era a música.


Mas o que foi essencial para encontrar sua identidade artística?

Mesmo sabendo o que queria fazer da vida, tive de me empoderar e entender quem eu era, para, então, descobrir a minha identidade artística. Não esqueço de uma vez em que conversei com o meu pai sobre ele escrever uma música para mim e ouvi: “Vai buscar a sua turma”. Na época, demorei um pouco para compreender o que o meu pai estava falando. Hoje, entendo completamente: ele queria que eu encontrasse o meu estilo, quem eu queria me tornar e as pessoas que desejava ter à minha volta. O que foi essencial.


Até que ponto pesou ser filha do Gilberto Gil, afilhada da Gal Costa e sobrinha do Caetano Veloso?

Isso era algo natural para mim, porque os três faziam parte do meu dia a dia. Mas esse parentesco, com certeza, trazia um peso a ser carregado. Sempre tive orgulho do meu berço, e ele me ajudou demais na música. O meu pai, a Gal e o Caetano me ensinaram a escutar de tudo. Cresci sendo a pessoa que apresentava novos artistas para os amigos. E é óbvio que haviam comparações, só que contava com um auxílio familiar bem forte, que contribuiu para que eu não entrasse na pilha do que as pessoas falavam. Não problematizo o fato de ser filha de quem eu sou, de ser parte da família em que nasci.


O que o Gil, a Gal e o Caetano sempre enfatizaram?

Eles queriam que fosse verdadeira comigo mesma, que encontrasse a minha verdade e tivesse orgulho de quem sou. O meu pai é um ótimo conselheiro e sempre me apoiou.


Padrões

Você assumiu o cabelo branco. Teve receio de fazer isso?

Não hesitei, porque, quando os fios brancos chegaram, eu já tinha passado por um processo gigantesco de autoconhecimento e aceitação. Não foi algo que aconteceu da noite para o dia.


A indústria do entretenimento, principalmente no início da sua carreira, tentou rotulá-la?

E como! Vinte anos atrás, as pessoas não entendiam direito o que eu queria comunicar. Atitudes como aparecer nua na capa do meu primeiro álbum, o Prêt-à-Porter, foram vistas como loucura na época e, hoje, são consideradas um ato de empoderamento. Eu falava de corpo livre, de amor livre e da minha bissexualidade com naturalidade. Mas, como disse, precisei passar por várias coisas para poder me aceitar e me desconstruir em relação aos padrões que tentavam colocar em cima de mim.


Chegou a ser alvo de preconceito por se declarar bissexual?

Isso acontece. Não importa se estamos falando dos dias atuais ou do passado, o preconceito vem das pessoas mais conservadoras. Sinto que me tornei uma voz ativa da causa LGBTQIA+ e espero continuar exercendo esse papel.


Sofreu muita cobrança para que ficasse em forma e emagrecesse?

Bastante! Na verdade, isso ainda ocorre, só que agora, com a maturidade, esse tipo de cobrança não me atinge do mesmo modo. Por mais que hoje o discurso sobre o corpo livre esteja mais pulverizado, ainda há muita pressão do ponto de vista estético. Já fiz quatro lipoaspirações, praticamente uma atrás da outra, pois eu estava fora dos padrões e sofria uma série de preconceitos. Para que as pessoas parassem de falar de mim, eu decidi ficar magra. Aí, uma hora, me questionei: “Estou fazendo tudo isso para agradar a quem?” Foi uma longa jornada até amar o meu corpo do jeito que ele é.


Como fica em relação à proximidade dos 50 anos?

O envelhecimento não me assusta. É um processo natural. Hoje, aos 47 anos, tenho as rédeas da minha vida nas mãos e sei que consegui encontrar a minha felicidade. Mas isso não me livra de ficar triste por conta do cenário pandêmico. Vivo um luto por ter perdido pessoas queridas e ver outros brasileiros passando pela mesma situação.


Negócios

que despertou a sua faceta de empreendedora?

Muito antes de me lançar como cantora, eu já era empreendedora. Estou há 31 anos no mercado da cultura. Aos 20, criei a Dueto Filmes e, desde então, eu não parei mais. A minha maior paixão foi sempre me conectar com as pessoas, e isso me levou a contribuir para que elas se conectassem com os outros. Inúmeras vezes, ao conhecer alguém, sabia que seria incrível apresentar aquele profissional a determinada pessoa, e que os dois iriam se ajudar. O mesmo acontecia com relação a fazer a ponte entre pessoas e marcas. Dessa maneira, foram nascendo os meus empreendimentos: a Blacktape (selo musical), a Liga Entretenimento (gestora de ativos musicais e das carreiras de alguns artistas) e a Mynd (empresa especializada em marketing de influência e entretenimento). Além disso, tenho o Bloco da Preta, que foi criado no Carnaval de 2009 do Rio de Janeiro, e uma marca de esmaltes que leva o meu nome.


A Blacktape lhe trouxe mais liberdade artística?

Comecei o selo justamente para buscar a minha liberdade de poder criar na hora em que bem entendesse e o que eu quisesse. A Blacktape nasceu para abraçar todos os gêneros, ser uma casa para artistas e dar voz a diversas pessoas.


Que costuma dizer para os artistas que agencia?

É uma lista enorme, de 250 nomes. Entre eles estão Thelminha, Tia Má, Pabllo Vittar, Luísa Sonza e Camilla de Lucas. Todas as dicas que dou para os meus agenciados na Mynd, na Liga e na Blacktape são baseadas nas minhas experiências de vida, na minha história. Também levo em consideração o que vejo amigos e colegas de trabalho passarem.


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