Pratique o poder do silêncio: Escritora fala sobre importância de nos conectarmos a nós mesmos

Em um mundo cheio de ruídos, o silêncio é essencial para o bem estar. A escritora Andrea Perdigão fala da importância de nos conectarmos a nós mesmos

Por: Ivani Cardoso  -  23/08/20  -  18:30
Escritora André Perdigão fala da importância de se desconectar e dar valor ao silêncio
Escritora André Perdigão fala da importância de se desconectar e dar valor ao silêncio   Foto: Laila Kontic/Divulgação

O isolamento social reforçou nosso silêncio. Para as pessoas que vivem com tevê, rádio ou algum tipo de som ligados, certamente a experiência do silêncio das ruas, das conversas presenciais com amigos, familiares ou no trabalho tem sido transformadora.


Muita gente, inclusive, costuma buscar músicas alegres para levantar o astral, sem se dar conta que o silêncio também é enriquecedor e muito produtivo. Na ausência do som, muita coisa pode acontecer e vale a pena arriscar para descobrir, diz a eutonista e escritora Andréa Perdigão, autora de um livro de entrevistas sobre o silêncio, Sobre Silêncio (Editora Pulso) e de outras publicações como sua última obra O dentro e o fora, conversas sobre corpo e felicidade. A autora falou sobre o tema para AT Revista.


Segundo Andréa, praticar o silêncio pode ser um bom exercício, reservar um minuto por dia,que seja, para fechar os olhos e apenas sentir a sua presença.


Por que o silêncio nos assusta tanto?
O
 espaço para a pausa foi abolido da nossa existência. O nada, assim como o silêncio, angustiam. Na hiper-realidade em que estamos mergulhados, na qual não faltam distorções de percepções e valores, o silêncio é sinônimo de incomunicabilidade, mudez, de falta de atitude, fraqueza ou depressão. Vivemos submersos nesse caldo ruidoso, de forma inconscientemente acelerada, de informação em informação, sem o silêncio para nos ajudar a decantar os acontecimentos, a questionar o que realmente nos serve e o que não nos serve. 


Enfiados nesse ruído, não discriminamos mais aquilo em que efetivamente acreditamos daquilo que nos é imposto como verdade. Guiados pelo senso comum, o espaço da diversidade fica restrito, e com ele vai-se embora a tolerância.


O mundo tão ruidoso e tão rico em estímulos, de repente mudou com a pandemia. Você acha que agora o silêncio pode tomar o seu lugar nas relações humanas?


Mesmo com esse silêncio forçado, tudo nos puxa para fora o tempo todo. Estamos nos comunicando o tempo todo e estar atento a nós mesmos não é uma viagem egoísta, é o que o “eu consciente e seguro de si” precisa para poder atuar no mundo. Muitos de nós só estamos totalmente voltados para as imagens que postamos, para o lado que queremos que as pessoas nos vejam. E o quanto estamos abrindo mão do sentido do que realmente importa e é verdadeiro? Não é bom atuar somente para fora no mundo da performance, da eficiência, das metas, da negação do envelhecimento, da estética. 


Há uma histeria para mostrar para o mundo que você é feliz, que está ótima, que tem pensamento positivo, que tem um sorriso no rosto. Isso é cruel. E como está você mesmo? Quero acreditar que a experiência do isolamento social favoreceu 
esse contato com o silêncio interno.


O que é o silêncio para você?
Vejo o silêncio não como uma ausência (do som, do ruído ou da fala), mas como um estado de presença, o espaço da escuta da alma, e é isso o que sobra quando não há som algum. Estar em silêncio não é estar mudo e calado necessariamente, mas pode, sim, significar estar presente, com sentidos aguçados e escuta atenta. Respiramos uma espécie de ditadura, obrigados a estarmos permanentemente ligados a uma série de mídias, conectados, atualizados, e quem não estiver antenado e à disposição de toda essa parafernália é quase considerado um ser humano de outro planeta, ou um profissional pré-histórico. 


O ruído de tantas regras está transformando a “espontaneidade” num comportamento em extinção e o excesso de informação nos chega na mesma velocidade em que as descartamos, ao mesmo tempo em que todos os aparelhos (que tanto ajudam a nossa vida por um lado) nos constrangem a sermos cada vez mais rápidos em nossas ações e nossos aprendizados.


Geralmente o vazio e a tristeza são associados ao silêncio. Como mudar isso?


O vazio e o silêncio fazem parte de uma primeira camada, assim como é possível que o excesso de pensamento também faça parte dessa primeira impressão trazida pela experiência de entrar no silêncio. Mas para aqueles que se aventuram a atravessar esse primeiro momento, uma outra zona se abre, onde a ansiedade, a dor, a solidão ou o pensamento compulsivo dão lugar a um estado de consciência expandida. 


É uma zona mais neutra, onde podemos viver e experimentar o nada. Não estou falando de pensar sobre o nada. Falo de um estado de pura existência, e há quem diga que é desse estado que nasce a mais profunda criatividade, de onde vêm os insights - o silêncio como fonte de toda e qualquer formulação.


A experiência do silêncio é subjetiva?
Sim, porque objetivamente ele não existe. Podemos medir o grau de ruído, a intensidade de um som, e quanto menor tal intensidade, maior será o silêncio. Mas se olharmos o silêncio como o fundo, ele varia de uma pessoa para outra e de uma experiência para outra. 


Para escutar ao outro é preciso silêncio - silêncio de voz e de pensamentos. O silêncio é peça fundamental para a qualidade da comunicação entre as pessoas. Sem ele o que há é verborragia, falas se sobrepondo, pessoas que não prestam atenção ao outro. Isso não nos soa familiar?


Há uma verdadeira epidemia de surdez humana, pessoas que não se escutam verdadeiramente.


Quais os benefícios do silêncio?
Silêncio é a busca do repouso atento da alma, é preciso entrar nele para limparmos o entulho mental e energético que nos habita e tantas vezes consome, para que o frescor da experiência seja restaurado e a verdade de cada ação possa existir. 


Poucas coisas nos são tão nocivas quanto o hábito. O hábito pode virar um vício e podemos nos viciar em muitas coisas: tristeza, mau humor, pessimismo, medo, ansiedade, superficialidade, aceleração, excesso de trabalho, só para mencionar alguns dos hábitos que mais podem nos tirar do frescor da vida. 


Se habituados a pensar sempre de um mesmo jeito, podemos viver esperando sempre as mesmas coisas das pessoas, da vida, do desenrolar dos acontecimentos, amarrando gentes e atitudes numa repetição sem nenhuma criatividade nem esperança. O frescor da experiência que o silêncio pode trazer é o antídoto do viver acomodado que nos engessa.


Meditar é um exercício de silêncio?
Meditar é um exercício que busca alargar esses momentos, expandir essas frestas, gerar um estado interno mais disponível para as eternidades, e, mais uma vez, não necessitamos de condições isoladas do mu<MC0>ndo ou perfeitas para que isso se dê.


Claro que quanto menor o ruído ao nosso redor, tanto melhor, mas o principal ruído, o interno, o do nosso pensamento, da nossa própria verborragia, é o mais difícil de conter. Mas “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Inserir silêncio no mundo de dentro para fora é uma atitude de amor, é ampliar nossa escuta através do esvaziamento do pensamento, limpando-o do excesso de atividade, um belo treino de desapego ao nosso entulho mental.


Poderia dar uma dica para praticar o silêncio?
Uma sugestão para se aprender a praticar o silêncio é reservar um minuto por dia, que seja, para fechar os olhos e apenas sentir a sua presença.


Marque no timer do celular um minuto, e feche os olhos. Apenas respire, sinta a sua respiração, ou então sinta alguma parte do seu corpo, como as suas mãos, por exemplo. Um minuto para apenas sentir. Um minuto para praticar o não-fazer. 


Esqueça o celular, a televisão, qualquer compromisso, e tente nesse momento não ouvir nenhuma música. Veja como esse minuto pode trazer a sua sensação de presença de volta rapidamente. Faça isso uma ou mais vezes por dia, e é possível que você se apegue a esse momento diário de encontro com você mesmo.


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