Perennials buscam priorizar vontades próprias e aproveitar a vida

Existe um grupo de pessoas impulsionando um estilo de vida, mais independente das opiniões alheias e menos ligado na questão da idade

Por: Joyce Moysés  -  25/03/19  -  09:25
Perennials demonstram que querem viver boas experiências nas mesma medida que os mais jovens
Perennials demonstram que querem viver boas experiências nas mesma medida que os mais jovens   Foto: Adobe Stock

Cheios de atitude! Essa é uma das mais marcantes características dos perennials, que já perceberam que as opiniões e vontades dos outros não podem ser mais importantes do que as próprias. Curtem modismos sem ficarem escravos deles, são mais independentes e capazes de fazer mudanças, mesmo que sintam medo, se percebem que estão ficando infelizes. Dois de seus compromissos consigo mesmos são: nada de autossabotagem ou de autocobranças inúteis. 


Diferentemente dos millennials (nascidos de 1980 a 1995) ou da geração Y, geralmente já passaram dos 40 anos, mas demonstram querer viver boas experiências na mesma medida que seus amigos, colegas de trabalho, filhos mais jovens. Com uma postura atemporal, querem passar a mensagem de que as fronteiras geracionais não são mais bússolas confiáveis para definir comportamentos e desejos. 
O conceito vem da palavra perene e foi criado no final do ano 2016 pela empreendedora de tecnologia Gina Pell, depois de ter passado anos tentando achar um nome com base em dados que não fossem demográficos. Ela define um perennial como “a pessoa que cultiva um estilo de vida que harmoniza hábitos e gostos de diversas idades. Um movimento que não se baseia em noção cronológica, mas em identidade social”.


Verdade que tem gente que ouve esse nome e pensa que se trata de algo relacionado a plantas. Não! 


“O termo nasceu para desafiar essa mania horrorosa de se classificar as pessoas e as gerações pela idade, colocando rótulos e querendo dizer que agem assim ou assado. Gosto de pensar que podem ser pessoas de qualquer idade, que gostam de estar atualizadas com a tecnologia e que têm amigos de todas as idades”, comenta o perennial Luíz Barros, que prefere não dizer sua profissão e muito menos a idade, alegando querer escapar de receber rótulos. 


Quanto a ter amigos de todas as idades, um exemplo é a amizade entre Tony Bennett e Lady Gaga, que protagonizaram um concerto belíssimo na tevê e gravaram o álbum colaborativo Cheek to Cheek (que Luíz considera antológico!). Para o pesquisador Ricardo Mucci, dedicado ao estudo dos impactos da ciência e da tecnologia na elevação da expectativa de vida, trata-se de um conceito arrojado a propósito da maturidade moderna, como ageless (ao pé da letra, quer dizer “sem idade”) e tantos outros. 


“De minha parte, estou envolvido nesse ecossistema há muito tempo e sei que o desenvolvimento exponencial da ciência e da tecnologia neste século impõe a todos nós uma revisão nos conceitos tradicionais de longevidade, especialmente aqui no Brasil (que caminha para se tornar um país idoso em menos de dez anos, classificação recebida quando a população com 60 anos ou mais supera a de jovens até 15 anos)”, avisa o expert, que é mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista, com a tese Comunicação, Tecnologia e Longevidade.


Os avanços médicos. Estamos vivendo uma era onde os segredos do corpo humano estão sendo desvendados. Ricardo explica que a evolução da engenharia genética, a reprodução de órgãos humanos em impressoras 3D e a interação entre o ser humano e a inteligência artificial são alguns exemplos da pauta futurista a que todos devem prestar mais atenção. 


“Como resposta aos desafios dessa nova realidade, emergiu recentemente uma nova área do conhecimento, que é a gerontecnologia, cuja função é estabelecer um link mais eficiente entre as inovações e o homem. O calcanhar de Aquiles desse cenário é permitir que o maior contingente de pessoas tenha acesso às inovações, para não beneficiar poucos em detrimento de muitos. Aliás, todos os órgãos que tratam desse tema, entre eles a OMS (Organização Mundial da Saúde), classificam a questão da população idosa como um dos principais desafios neste século”.


Viver mais e melhor. Ou seja, quais transformações poderão ocorrer a partir dessa nova postura de vida das pessoas que estão dando menos importância à idade e mais importância a outros valores e interesses? A geração sênior testemunhou as principais transformações sociais, econômicas, comportamentais e tecnológicas dos últimos 60 anos, o que Ricardo considera um privilégio.
“A questão é que nem todos as vivenciaram da mesma forma, pois inúmeros fatores culturais e socioeconômicos impactaram na assimilação das transformações. Entretanto, é inegável que há mudanças significativas em curso no comportamento dessa população a partir da perspectiva de que ‘vamos viver mais, portanto precisamos viver melhor’. O trabalho, o sexo, o amor, a família, a crença, o esporte são alguns dos contextos nos quais os maduros transitam de forma completamente diferente do que os pais deles”, explica Ricardo, entendendo também que a atitude de cada um diante da vida é insumo poderoso para ter uma relação mais produtiva e proativa com a sociedade e consigo mesmo. 


Xô, solidão e isolamento! É sabido que a solidão e a depressão, entre outros males do mundo moderno, estão diretamente ligadas à relação que as pessoas estabelecem com a vida. Ricardo teve acesso a um estudo da norte-americana Susan Pinker, que pesquisou os longevos da Sardenha, na Itália, a região do planeta que abriga proporcionalmente o maior contingente de idosos de ambos os sexos. O DNA e a dieta mediterrânea foram fatores determinantes, mas o mais interessante foi considerarem a socialização como decisiva na ampliação da expectativa de vida. 


“Motivo: o convívio social intenso e regular exige uma mente ativa e sinapses permanentes. É nesse cenário que vejo a relevância da comunicação, de um lado permitindo que todos tenham acesso às informações que podem impactar no futuro de cada um; de outro conectando as pessoas, para que possam evoluir de uma relação virtual para real. Entretanto, para isso acontecer temos que ampliar a conectividade, pois hoje apenas 20% dessa população estão conectados à internet e dispõem de um smartphone, enquanto 80% ainda estão marginalizados do processo de inclusão digital”, pondera o pesquisador.


Consumir e se exercitar. O mercado ainda não acordou para o poder da população sênior, que tem um potencial de consumo superior a R$ 400 bilhões/ano. “Falta perceber que as pessoas não querem se sentir velhas e rejeitam rótulos convencionais, como ‘melhor idade’. Muitos trabalham, praticam esportes e até sustentam famílias, pois trata-se de um contingente de pessoas que têm renda compulsória, oriunda de aposentadorias ou planos de previdência privada. Significa que têm renda garantida, ainda que modesta na grande maioria dos casos”, detalha Ricardo, que discute esse e outros aspectos na plataforma ViverAgora (internet e redes sociais) e coordena o projeto Raisp – Rede Amigo do Idoso de São Paulo, a ser implantado em 132 municípios do Estado a partir desde ano. 


Em outras palavras, a maturidade deixou de ser um fim para se tornar um novo começo. “É uma espécie de segundo round. Eu mesmo renovei a minha vontade de buscar um novo sentido para a vida. Pago as minhas contas, então ninguém tem nada a ver com o que eu faço ou deixo de fazer, quem eu beijo e se eu gosto de gastar dinheiro com vinhos”, opina Luíz. O pesquisador completa: “Com a elevação da expectativa de vida, muitos se encontram hoje no auge de sua capacidade intelectual, quando não da carreira, quando já têm filhos e até netos. São inteligentes e experientes, têm poder aquisitivo e reclamam da oferta de produtos customizados prioritariamente para o consumidor de 18 a 35 anos”. 


Tanto para Ricardo quanto para Luíz, há muitas empresas tendo uma visão distorcida do público maduro, que acaba refletindo no desenvolvimento de produtos, serviços e até mesmo campanhas publicitárias (muitas vezes, inadequadas à realidade). “Porém, é preciso reconhecer que há sinais de mudanças no horizonte, apesar de tímidas. Temos ainda um longo caminho a percorrer até que essa geração seja percebida com o respeito e a relevância que merece”, avalia o pesquisador.


Novas identidades. Jorge Felix, do Centro de Estudos da Economia da Longevidade, considera relevante observar que o segmento idoso é o mais heterogêneo da população. Existem, portanto, várias velhices. Da mesma forma, acredita que haja uma infinidade de <FI5>maturidades</FI>. Logo aceita a categoria millennials, mas assume ter certa desconfiança quanto a categorizar perennials. Ele é especialista em Economia da Longevidade, professor da pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), doutor em Ciências Sociais e mestre em Economia Política, ambos pela PUC-SP, onde é professor convidado, assim como na USP-EACH, no mestrado em Gerontologia.


“Do ponto de vista econômico, segundo as pesquisas, as metamorfoses do mundo do trabalho têm atingindo em cheio esse segmento etário. A partir dos 45 anos, a pessoa é descartada pela empresa e entra no que é denominado ‘fragilização da segunda metade da carreira’. É um fenômeno mundial. Essa fragilidade empurra, homens e mulheres, para uma insegurança e os obriga a buscar novas identidades e fugir daquelas indesejadas, como de desempregado ou de fracassado, por exemplo, impostas pela lógica da economia. Muitas vezes, o que é visto como reinvenção, é apenas uma saída única”, alerta Jorge, que escreveu o livro Viver Muito (Editora Leya).


“Com olhar mais otimista, como envelhecemos (e amadurecemos) com mais saúde no século 21, a condição física permite vislumbrar novas possibilidades. Só não é possível a generalização. Se alguns conseguem se inserir de maneiras inexistentes nas décadas passadas, outros são limitados por carência de renda, educação e habilidades. Aliás, o maior desafio das pessoas maduras no mercado de trabalho é justamente atender às rápidas mudanças de habilidades requeridas (tecnológica, psicológica, de idiomas...)”, exemplifica, ressaltando que a toda hora o avanço tecnológico desatualiza a sua habilidade.


Buscando mais leveza. “É certo que as transformações, das sociais (pílula, divórcio, empoderamento feminino, abertura para afirmação sexual) às econômicas (redução de custo de transporte aéreo, por exemplo, democratizando mais o turismo), abriram nova perspectiva para a geração que chega aos 50 e 60, insinuando uma liberdade. A longevidade é um fenômeno novo, pelo menos da maneira horizontal como está se dando no mundo. Mas as dificuldades econômicas são as mesmas de sempre”, contrapõe o professor.


Portanto, Jorge concorda que as pessoas buscam a leveza. Mas, do ponto de vista econômico, tende a pensar que é mais uma idealização de vida para a maioria: “Deve-se sonhar, mas ter um pouco de pé no chão não faz mal a ninguém. Recomendo dar uma olhada no livro Da Leveza (Editora Amarilys), do filósofo francês Gilles Lipovetsky, que traz um ótimo ensaio sobre isso e mostra os dois lados da moeda”. 


Questão de saúde pública. A professora doutora Gisela Castro, do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), que atua em suas pesquisas com temas relacionados à comunicação, consumo, envelhecimento e longevidade, entre outros, faz duas ressalvas: “Essa tendência abrange pessoas que consideram a longevidade uma conquista e seu modo de envelhecimento como resultado da adoção de práticas saudáveis de cuidados de si etc. O problema com esse modo de pensar é a baixa tolerância com as fragilidades da velhice, que é empurrada para a quarta idade (após os 80 anos). Outra questão é o individualismo implícito nessa proposta, que considera apenas a ação individual, desvinculando o envelhecimento das políticas públicas de cuidado e previdência”. 


Gisela considera fundamental rever os preconceitos para que, <de fato, se consiga construir uma “sociedade para todas as idades”, como prega a ONU, que considera o idadismo (o preconceito baseado na idade) um problema de saúde pública. “É preciso lutar contra a discriminação social dos idosos em uma sociedade que hipervaloriza a juventude como um atributo a ser exibido em qualquer idade. Quando tudo é pensado só em termos de juventude, os mais velhos ficam relegados a um lugar de pouco respeito e prestígio. Promover a convivência cordial e respeitosa entre gerações é tarefa urgente – e que cabe a todos nós”, destaca a professora. 


Na hora de contratar. Silvia Espesani, executiva de Recursos Humanos, traz para o dia a dia de seu trabalho algumas das bandeiras dos perennials. Uma prova disso é que orienta sua equipe para que não exista nenhum viés preconceituoso com relação à idade, especialmente no que se refere à contratação de profissionais mulheres.


“Eu também me coloco nesse contexto, uma vez que, aos 58 anos, me sinto e ajo dentro de um estilo de vida que contempla hábitos e gostos comuns a pessoas de diversas faixas etárias. Curiosamente, ainda sinto estranhamento, sobretudo por parte dos jovens, quando participo, por exemplo, de algum evento tipicamente alinhado com a presença dos millenials. É como se a sede por experiências fosse somente deles,e não é”, relata Silvia.


Para essa profissional de RH, um dos desafios atuais que cada um deve encarar é o de “não se importar tanto com o que os outros vão pensar, não precisar de aprovação externa para dar um passo. Não é maravilhoso querer se sentir livre para viver a partir das próprias escolhas, sendo elas de que natureza forem? É urgente que a gente se reinvente, tendo a certeza de poder recomeçar a qualquer tempo”, finaliza.


Confira entrevista completa na edição deste domingo (24) da AT Revista.


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